BRASÍLIA — O texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Anistia abre brecha para que os partidos possam concentrar os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral para poucos candidatos negros, escolhendo inclusive as cidades que terão candidaturas bancadas segunda decisão da própria legenda. A PEC, alvo de contestação de organizações da sociedade civil, e de movimentos sociais e de transparência eleitoral, também vai anistiar multas no valor de R$ 23 bilhões de todos os partidos. O texto seria votado nesta terça-feira, 26, mas a votação foi adiada para a quarta-feira, 27.
O projeto destina um piso de 20% para candidaturas raciais, mas ainda dá liberdade aos partidos políticos gerirem o repasse sem obedecer uma proporcionalidade. Movimentos de transparência eleitoral também dizem que o piso, valor mínimo, tende a virar teto, o que deverá reduzir os atuais repasses.
Atualmente, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fala que o repasse há de ser proporcional. Isto é, se há 40% de candidaturas negras, 40% dos recursos devem ser destinados ao grupo. O repasse, segundo o texto, diz que os diretórios nacionais dos partidos possam enviar a cota de 20% a negros para regiões “quem melhor atendam as diretrizes e estratégias partidárias”.
A proposta, que seria votada nesta terça-feira, 26, foi adiada em mais um dia, em uma sessão que contou com o protesto de movimentos sociais. “Quem tem medo de negros na política?”, “quem tem medo de mulheres na política” dizia algumas das faixas exibidas aos políticos na reunião. A previsão é de votação na quarta-feira na Comissão e no plenário da Câmara para tramitar ao Senado.
Deputados alegam que precisam fazer ajustes no texto. O PT, favorável à PEC, pede que o texto aumente o repasses para candidaturas negras de 20% para 30%.
A PEC também abre brecha que desobriga siglas de destinarem 30% das vagas para mulheres, caso não apareçam candidatas suficientes para o registro das chapas.
Apenas o PSOL e o Novo foram contra. Na sessão desta terça-feira, o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) chamou o texto de “PEC do Fiado”. “Se você vai num bar e pede fiado, ninguém te dá mais. Se você vai lá e descumpre (as decisões da Justiça Eleitoral), o que se cria é um salvo conduto quando pode. É uma PEC do Fiado”, afirmou.
Veja os principais pontos da PEC da Anistia:
Quarta anistia para partidos que não repassaram fundo eleitoral para mulheres
Rodrigues argumenta que a PEC “nasceu da constatação de dificuldades concretas vividas pelos partidos políticos” para se adaptar às regras de distribuição de recursos a candidaturas femininas e negras, ainda que esse novo perdão repita uma outra anistia criada pelo Congresso e aprovada em abril de 2022.
Naquela data, o Congresso aprovou a emenda à Constituição que indultou partidos que não usaram os recursos destinados às campanhas femininas na eleição de 2020, propondo novamente o adiamento do cumprimento da porcentagem mínima de 30% do repasse do fundo eleitoral a candidaturas femininas.
Essa será a quarta anistia da Câmara a partidos que não cumpriram a cota de candidaturas femininas. Além da PEC do ano passado, legendas tiveram um perdão em 2015 e outro em 2019.
Relator da PEC da Anistia, do PL, coloca trechos para favorecer o próprio partido
Para impedir multas milionárias – como a de R$ 22 milhões imposta por Alexandre de Moraes ao PL – o texto limitou as sanções financeiras aplicáveis pela Justiça Eleitoral a 10% do montante mensal do Fundo Partidário. A PEC estende a anistia às fundações e aos institutos partidários. O relator, Antonio Carlos Rodrigues (SP), é do PL e faz parte do grupo de membros do partido mais próximo ao presidente da sigla, Valdemar Costa Neto.
Não é o único trecho que favorecerá o partido. A PEC ainda anistia as legendas que apresentaram irregularidades nas prestações de contas realizadas antes da promulgação da emenda constitucional.
O relator ainda incluiu um trecho que impede a perda de mandato e decretação de inelegibilidade, por decisão judicial, que acarrete redução do número de candidatas eleitas. Ou seja, nesse caso, se o partido descumprir a cota de gênero, a Justiça Eleitoral não pode cassar a chapa toda, caso mulheres também tenham se beneficiado e vencido a eleição.
Esse trecho da PEC poderá salvar o PL do Ceará, presidido pelo deputado federal André Fernandes, apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro. A bancada estadual do PL deve ter o mandato cassado por fraude à cota de gênero. Entre eles, está o deputado estadual bolsonarista Carmelo Neto, o mais votado ao cargo em 2022.
Internamente, o PT dialoga com outras legendas para formar maioria e derrubar o parágrafo, por destaque, no plenário da Câmara.
Entenda o trâmite da PEC
O texto precisa passar pela comissão especial para ser votado em plenário, onde serão necessários os votos de 308 deputados em dois turnos para aprovar a PEC. Antes da análise na comissão especial, a proposta já havia sido aprovada, em abril, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A previsão é que a votação aconteça no mesmo dia.
Na ocasião, o projeto limitou as sanções financeiras aplicáveis pela Justiça Eleitoral a 10% do montante mensal recebido do Fundo Partidário. A medida aprovada naquele momento ainda ampliou a anistia não só aos partidos, mas às suas fundações e aos seus institutos.
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