BRASÍLIA - A proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata de temas de segurança pública preparada pelo governo Lula, apresentada aos governadores na última semana, deflagrou um contra-ataque da oposição no Congresso. O texto da gestão petista é chamado pelos adversários como “PEC da Insegurança Pública”. O discurso bolsonarista é que Lula quer “propor maior controle federal”, centralizar as decisões e “aumentar o seu poder sobre a segurança pública nos Estados, retirando a autonomia deles e invadindo prerrogativas estaduais”.
Garantir que não haja interferência federal nas políticas estaduais tem sido a precaução central do governo Lula. Em diversas entrevistas, o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), autor do texto, e o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, disseram não querer interferir na competência dos governadores.
O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro articula para apoiar um projeto de lei, de autoria dos deputados Alfredo Gaspar (União-AL) e Alberto Fraga (PL-DF), para influenciar no processo. O texto de 95 páginas e 115 artigos cria um modelo de colaboração entre os Estados — em contraposição à ampliação de atribuições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal da PEC petista —, coordenado por um colegiado.
“A PEC não traz nada de inovação. Ela mostra claramente uma intervenção nos Estados, e ampliar poderes para a PRF é muito arriscado, uma vez que a própria PRF está com seu efetivo abaixo do previsto. Vamos nos posicionar contra”, diz Fraga, presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como “bancada da bala”.
O projeto também define “organização criminosa transnacional” e inclui na categoria crimes como tráfico de drogas e de pessoas, controle ilegal de territórios e financiamento ao “terrorismo”. As penas estipuladas para esses crimes atingem 40 anos de reclusão.
“É bem melhor que o projeto do governo federal”, diz o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN).
Governo tenta aparar arestas
Enquanto a oposição tenta bancar seu plano B, a gestão petista ativou uma operação delicada para medir a aceitação ao texto em diferentes esferas, inclusive dos municípios.
Depois de repousar no departamento jurídico da Casa Civil por meses, a chamada PEC da Segurança Pública foi tornada pública na semana passada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou o texto aos governadores para medir a recepção ao texto antes de enviá-lo ao Congresso. Mas agora o projeto deve passar por uma longa rodada de apreciação antes de sair das mãos do Poder Executivo.
O Conselho da Federação, criado por Lula em abril de 2023 para fortalecer o diálogo com Estados e municípios, deve se reunir nos próximos dias com os secretários-executivos dos governos estaduais e de entidades nacionais de municípios para pensar e definir um cronograma de ação e discussão. A operação vai ser comandada pela secretaria-executiva do conselho, chefiado por Rafael Bruxellas, vinculado à Secretaria de Relações Institucionais.
O Consórcio do Nordeste, formado pelos nove Estados da região, vai se reunir virtualmente para debater um posicionamento conjunto sobre a medida. Os demais governadores se comprometeram a enviar seus pareceres ao governo federal depois da reunião no Palácio do Planalto.
O ministro Ricardo Lewandowski diz não haver um “prazo fixado” para a aprovação da proposta. “Vamos ouvir os governadores, secretários de segurança, a sociedade civil, a academia. Nós estamos esperando as sugestões, vamos maturá-las, examiná-las, e a partir de um consenso mínimo enviaremos um anteprojeto para o Congresso”, declarou em entrevista à GloboNews nesta terça-feira, 5.
A preocupação em coletar o máximo de feedbacks possível vem do fato de que a PEC versa sobre uma atribuição conferida pela Constituição Federal de 1988 aos próprios Estados, o que pode gerar celeuma nos demais governantes. É nisso que os bolsonaristas vem apostando para desgastar o texto do governo antes mesmo de ele começar a tramitar.
O progresso das discussões da PEC despertou outros movimentos. Um projeto de lei complementar (PLP 215/2019), que autoriza governos estaduais a alterar a legislação do Código Penal e do Código de Processo Penal, foi pautado com discrição na Câmara dos Deputados na semana passada. Se aprovado, ele permitirá que Estados atuem na tipificação de crimes (exceto hediondos, eleitorais e militares), aumentando penas, criando novos crimes e endurecendo punições e prisões.
A proposição vem na linha da demanda levantada por alguns governadores na reunião com Lula na semana passada. Nenhuma ideia expressada pelos presentes teve tanta adesão quanto a de dar maior autonomia para Estados modificarem a legislação penal. Chefes estaduais como Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, e Fábio Mitidieri (PSD), de Sergipe, queixaram-se que “o Congresso faz as leis, e nós (governadores) pagamos as contas”.
A Rede Justiça Criminal, que reúne nove organizações para combater as políticas de encarceramento no Brasil, alertou os deputados Erika Kokay (PT-DF), Bacelar (PV-BA), Helder Salomão (PT-ES), Laura Carneiro (PSD-RJ), Patrus Ananias (PT-MG) e Delegada Katarina (PSD-SE), que entraram com pedido de vista conjunto contra o PLP. Mas o texto deve voltar à pauta nas próximas semanas.
Outro PLP similar (108/2023), que também concede aos Estados competência para legislar na pauta das armas de fogo, está pronto para ser colocado em pauta. Janine Salles de Carvalho, coordenadora-executiva da Rede, avalia que “o conservadorismo tem encontrado bastante força nos Estados e, por isso, utilizado essa pauta da autonomia (estadual) para burlar a organização federativa e emplacar suas pautas”.
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