A mais recente iniciativa do grupo que carrega o nome de Centrão aponta para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma proposta de emenda constitucional (PEC), revelada pelo Estadão, parece minar o que de mais básico se espera dos regimes democráticos: a independência entre os Poderes.
Dos livros escolares aos tratados de ciência política, a separação entre Executivo, Legislativo e Judiciário é apresentada como pré-condição de regimes livres em que os poderes se respeitam e sabem dos seus limites. Mas isso parece ser só a teoria que a PEC pretende subverter.
Se aprovada a proposta, deputados e senadores terão poder para anular decisões judiciais da mais alta Corte do país se assim quiserem. As exigências para tal medida são apenas duas: 1) a decisão não pode ter sido resultado de uma votação unânime dos ministros do Supremo; 2) a decisão “extrapola os limites constitucionais”. Esse segundo critério é exatamente o que parece. Dá aos congressistas um poder que eles não têm. Julgar se uma decisão judicial é ou não constitucional. Ou seja, com a PEC teríamos parlamentares-juízes. E juízes com o poder de revisar o que a Corte Constitucional decidiu.
As explicações apresentadas por quem tomou a iniciativa de redigir a PEC estão lastreadas no embate que se tem feito no campo político. Com o STF avançando em temas em que o Congresso não legisla, os julgamentos do tribunal ganham, na visão dos políticos, ares de “ativismo judicial”. E a PEC viria para conter esses arroubos dos magistrados do Supremo.
Mas a proposta de emenda vai muito além da aparente ideia de impor restrições ao Judiciário para que não atue onde não deve. O texto é genérico o suficiente para invadir as competências da Corte e transferí-las ao Congresso. A PEC de hoje parece lembrar o preâmbulo da Constituição de 1937 quando Getúlio Vargas impôs as regras de seu regime ditatorial.
Como todo regime autoritário costuma justificar seus atos como forma de conter a ameaça que se avizinha, o texto dizia que o presidente da República estava apenas “atendendo às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem”; e ainda por conta do “estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente”. O remédio amargo de 1937 anda sendo revisitado nos discursos palacianos de hoje. No Congresso, parece encontrar reverberações, hoje, sob a forma de uma emenda constitucional.
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