Em apenas cinco dias de atividade – de 18 a 22 de maio –, o perfil do Twitter Sleeping Giants Brasil, de ação anti-fake news, ganhou mais de 215 mil seguidores e obteve a cooperação de pelo menos 35 empresas de renome. O sucesso foi registrado em post da versão original da iniciativa, vinda dos Estados Unidos, quando foram atingidos 68 mil seguidores: “Nos quase levou um ano para chegar a esse resultado”. O site incomodou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o secretário de Comunicação do governo federal, Fábio Wajngarten.
O modo de atuação é simples: eles verificam que anúncios estão sendo alocados – por meio de uma ferramenta publicitária do Google – em sites de fake news. É então feito um alerta às empresas anunciadas, que muitas vezes só especificam qual perfil demográfico de leitor querem atingir e não sabem que sua propaganda foi parar em um portal de notícias falsas. A companhia, então, informada do que está acontecendo, cadastra o endereço indesejado em uma lista, para que sua propaganda não seja exposta lá.
A prática é chamada de “desmonetização”, já que o site colocado nessa lista fica sem a verba do anunciante. Se muitas empresas desmonetizam o mesmo portal, ele passa a ser financeiramente insustentável. A estratégia foi primeiro adotada pelo publicitário americano Matt Rivitz – do Sleeping Giants original – há mais de três anos, e foi responsável pela perdição financeira do Breitbart News, de Steve Bannon. Projetado para receber € 8 milhões (quase R$ 50 milhões), em 2016, ele perdeu 90% dos anunciantes, segundo o que o próprio ex-estrategista de Donald Trump relata no documentário The Brink, de 2018.
Com a identidade revelada por veículos conservadores, Rivitz recebeu ameaças de morte.
A versão brasileira do perfil nasceu tanto no Twitter como no Facebook – em duas equipes anônimas independentes – logo depois da publicação de uma reportagem do El País que conta a história de Rivitz. “Não houve qualquer coordenação”, escreveu ao Estadão o responsável pela conta no Facebook. Ele afirmou que o perfil no Twitter estava disponível e foi tomado enquanto ele criava a versão no Facebook. Ou seja, a ação de ambos foi simultânea. “Já estava lá essa outra iniciativa, que é ótima, por sinal. Já entrou com muita informação. Então, devidamente creditada, ela foi replicada no Facebook.”
Já o perfil no Twitter é gerido por duas pessoas e recebe ajuda por mensagens e em uma rede de confiança no WhatsApp. O principal administrador disse que passou a se interessar pelo tema de fake news na universidade. Questionado sobre como os alvos são selecionados, respondeu: “Utilizamos o incrível material que as agências de fact checking desenvolvem. Buscamos sempre ter como foco o principal veículo que atente contra a democracia”.
Retirada
O primeiro alvo de desmonetização foi o Jornal da Cidade Online, um dos veículos mais populares nas eleições de 2018 e citado como disseminador de informações falsas pelo Projeto Comprova – coalizão de 24 veículos de imprensa, incluindo o Estadão, criada para desmentir boatos.
“Excluímos o site em questão que está sendo acusado publicamente de propagar inverdades”, informou o Mercado Livre ao Estadão. A empresa foi uma das alertadas pelo Sleeping Giants Brasil. “O Mercado Livre esclarece que mantém filtros para bloqueio automático de sites que propagam conteúdo impróprio. No que se refere à veiculação de notícias falsas, às quais repudiamos veementemente, os bloqueios podem também ocorrer de maneira reativa a partir de denúncias, analisadas caso a caso”, afirma a nota da empresa.
O Sleeping Giants Brasil também retuitou a resposta oficial – confirmando a desmonetização do Jornal da Cidade Online – das empresas McDonald’s, Decathlon, Serasa, Philips, Fast Shop, Claro, Insper, FGV, Dell, Submarino, entre outras. O Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul fez o mesmo.
O Jornal da Cidade Online classificou a ação do Sleeping Giants Brasil de “calúnia” e disse que “imprecisões” em notícias foram, posteriormente, corrigidas. “O crime de calúnia tem que ser a atribuição falsa de algo que seja crime a uma pessoa física especificada, com a intenção de ofender a reputação dessa pessoa”, disse ao Estadão o criminalista Rogério Taffarello. “Narrar um fato com a mera intenção de informar não constitui crime, e isso é algo totalmente pacífico nos tribunais.”
Críticas
Os grandes defensores do portal de fake news foram Carlos Bolsonaro e Wajngarten. Ambos têm vínculos com o “gabinete do ódio”, núcleo de assessores responsáveis pelas redes sociais da Presidência que defendem a pauta de costumes e incentivam a adoção de um estilo beligerante.
Carlos e Wajngarten reclamaram quando o Banco do Brasil retirou seus anúncios do Jornal da Cidade Online, a ponto de conseguir reverter a decisão. O filho de Bolsonaro escreveu em suas redes sociais que a instituição “pisoteia em mídia alternativa que traz verdades omitidas”. Em seguida, a área de marketing do BB, comandada por Antonio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão, alegou que o bloqueio foi exagerado e retomou os anúncios.
“As mídias alternativas são veículos independentes que contribuem para a informação”, afirmou ao Estadão o responsável pelo Sleeping Giants Brasil no Twitter. “Os sites como o que ele defende são nada mais nada menos que divulgadores de notícias falsas e discurso de ódio direcionado a instituições importantes para uma democracia.”
A International Fact Checking Network (IFCN), associação mundial de verificadores de fatos, afirmou que “esses grupos de interesse têm um forte papel na conscientização da sociedade em relação a esses grupos que desinformam o público e constroem um discurso controverso”. “A desinformação está cada vez mais entrelaçada com discurso de ódio, xenofobia e discriminação contra comunidades desfavorecidas”, disse o diretor da IFCN, Baybars Örsek.
Controle
Em nota enviada ao Estadão, o Google afirmou que oferece aos anunciantes "controles robustos" sobre onde as publicidades são exibidas. “Oferecer aos usuários informações confiáveis é parte da nossa missão. Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas. Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.”/ COLABOROU DANIEL BRAMATTI
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.