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Petista do ‘banco fake’ atuou na Embaixada da Venezuela e foi a Caracas observar eleição de 2020

Fernando Neto, do Atualbank, intermediou crise de 2019 na Embaixada venezuelana em Brasília e, no ano seguinte, virou observador das eleições legislativas em Caracas; a representação diplomática do país vizinho não se manifestou, mas, segundo empresário, convite partiu do governo de Nicolás Maduro

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Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA – O petista Fernando Nascimento Silva Neto, que opera em Brasília com um banco constituído por intermédio de “laranjas” e com documentação falsa, tem relações com a Embaixada da Venezuela e chegou a ser enviado a Caracas como observador das eleições realizadas naquele país em 2020.

Fernando Neto discute com o representante do Itamaraty durante crise na embaixada da Venezuela, em Brasília, em 2019; é observado pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS), de costas, no primeiro plano, com manga da camisa dobrada Foto: Canal Jornalistas Livres via YouTube

Como revelou o Estadão, Fernando Neto tem feito lobby no Palácio do Planalto, no Congresso e na Esplanada por meio do Atualbank, um “banco” não regulado pelo Banco Central, com operação nebulosa e alvo de investigação pela polícia de São Paulo. Desde 2018, o empresário tem vínculo com a empresa, que usa um título falso do Tesouro Nacional e é ligada a um estelionatário condenado em Mato Grosso.

O “banqueiro” petista foi procurador do ex-ministro José Dirceu por mais de cinco anos, entre maio de 2018 e setembro de 2023. O ex-ministro rompeu com Fernando e diz que ele não fala em seu nome. Fernando Neto é dirigente do PT de Brasília e entre 2017 e 2023 teve cargos em gabinetes de parlamentares do partido no Congresso.

O ex-ministro José Dirceu e o empresário Fernando Neto, ex-procurador dele Foto: Fernando Neto via Facebook

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O empresário foi protagonista de uma crise ocorrida na Embaixada em 2019, quando opositores do regime de Nicolás Maduro invadiram a sede da representação diplomática localizada na Asa Sul de Brasília. O grupo se dizia representante do então autoproclamado presidente, Juan Guaidó.

Fernando Neto se anunciou como advogado e “facilitador” para intermediar o conflito em nome da Embaixada. De terno e gravata, dirigiu-se ao representante enviado pelo Itamaraty e fez ponderações ao diplomata escalado pelo governo brasileiro.

Àquela altura, Jair Bolsonaro (PL) não reconhecia o governo Maduro. O PT criticava a postura do governo brasileiro, e parlamentares petistas e do PSOL foram à Embaixada defender os interesses dos maduristas.

A participação de Fernando Neto aparece em um vídeo publicado pelo canal Jornalistas Livres. Enquanto ele falava com o diplomata brasileiro, a gravação mostra os deputados Paulo Pimenta (PT-RS) e Glauber Braga (PSOL-RJ) na mesma sala ouvindo o diálogo.

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“Se você reconhece o que os outros estão… o outro lado, como você gostaria de se referir… se o outro lado está sugerindo, então é preciso ter um entendimento primeiro do governo brasileiro, porque foi o governo brasileiro, o Itamaraty, a sua chancelaria, que não conseguiu decidir o conflito. Por isso estamos aqui hoje”, disse Fernando Neto.

Procurados pela reportagem, Paulo Pimenta e Glauber Braga disseram que não lembram de Fernando Neto e que não se recordam do contexto da atuação dele no episódio. O diplomata que aparece no vídeo em tratativas com o empresário petista não quis fazer comentários.

Uma autoridade que atuou no episódio em nome do governo Bolsonaro confirmou que Fernando Neto se apresentou como advogado e facilitador. Embora o vídeo da participação dele tenha sido usado para críticas ao Itamaraty, ele não teve papel decisivo no desfecho do caso. As principais tratativas se deram com o corpo diplomático venezuelano.

“Eu me apresentei como militante político e fui solidário aos companheiros da Embaixada que estavam sofrendo uma retaliação política e uma tentativa de invasão ilegal”, disse Fernando Neto ao Estadão.

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No dia do conflito venezuelano, Freddy Efrain Meregote Flores era o encarregado de negócios da Venezuela no Brasil e um dos líderes da reação contra os opositores de Nicolás Maduro em Brasília.

“Ele [Fernando] se aproximou se apresentando como advogado e, naquele dia, esteve conosco. Nunca aconteceu nenhum trabalho para a Embaixada. Ele compareceu às atividades de solidariedade”, contou. O “banqueiro” petista não tem inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

No ano seguinte, em 2020, Fernando Neto foi enviado a Caracas como observador das eleições legislativas. O site Brasil de Fato, alinhado com o PT e com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), publicou um vídeo com a opinião do empresário sobre a disputa eleitoral no país vizinho e o apresentou como “representante do Partido dos Trabalhadores”.

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“Vim a convite do governo da Venezuela acompanhar esse processo eleitoral que talvez seja um dos mais históricos da pós-democracia na América Latina. Vivemos um ataque direto ao sufrágio, que é uma característica da desconstrução do capital sobre o Estado de Direito. E essas eleições se tornam um processo histórico quando o povo venezuelano vai à rua defender seu direito ao voto”, analisou, no vídeo.

Procurado, o PT afirmou que Fernando Neto “não é membro da direção nacional do partido nem foi por ela credenciado para representar o partido em eleições na Venezuela”.

A reportagem pediu esclarecimentos à Embaixada venezuelana, mas não houve respostas. O ex-encarregado Freddy Flores afirmou que eles perderam contato e que não tem informações sobre a decisão de enviar Fernando Neto a Caracas como observador.

“Fui a convite do governo por ter apoiado o país na defesa da Embaixada”, afirmou o empresário à reportagem.

Polícia quer ouvir petista em inquérito sobre fraude e lavagem de dinheiro

A Polícia Civil de São Paulo tenta colher o depoimento do empresário Fernando Nascimento Silva Neto em um inquérito que apura suspeitas de que o Atualbank, empresa na qual ele aparece atualmente como único dono, pode ter praticado crimes como estelionato, falsidade ideológica, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Documento mostra tentativa da Polícia Civil de SP de colher depoimento de Fernando Neto em inquérito no qual o Atualbank aparece como investigado Foto: Reprodução/Estadão

No entanto, a tentativa de intimação foi feita, no mês passado, para endereço em São Paulo. Fernando Neto vive em Brasília. Apesar de ser facilmente encontrado na capital, a Justiça também tem dificuldades para intimá-lo em outros processos que o acusam de calote.

Fernando Neto confraterniza com amigos em uma noite de julho, em um café na Asa Norte, em Brasília Foto: Vinícius Valfré/Estadão

A investigação foi aberta em setembro, depois que uma empresa do ramo têxtil procurou a polícia para denunciar uma fraude de R$ 1,3 milhão. O valor foi pago para obtenção de linhas de empréstimos internacionais, mas os responsáveis pela operação desapareceram.

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Uma parte do dinheiro movimentado pelo Atualbank foi parar numa empresa de fachada ligada a Walter Dias Magalhães Junior, um condenado por estelionato que aparecia como “conselheiro administrativo” do banco que, no papel, está em nome do petista Fernando Neto.

O inquérito já conta com relatório de inteligência financeira enviado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e com depoimentos de pessoas ligadas à operação do Atualbank.

Uma delas é um ex-dono que ofereceu informações sobre a suposta venda da empresa a Walter Junior e sobre o papel de Fernando Neto no negócio. “O que estou tentando fazer é continuar mantendo contato com Walter e Fernando, atual proprietário, no sentido de buscar a melhor solução possível, visando a recomposição do patrimônio (da vítima)”, disse Marcelo Demichele à polícia.

Segundo Demichele, tudo foi feito a pedido de Walter Junior, com quem teria assinado um contrato de compra e venda. A mulher de Demichele, entretanto, disse em depoimento que o marido não ganhou nada com a venda.

A defesa de Walter Junior afirma que ele apenas “gerenciou” a empresa por um curto período e que não é o dono real do Atualbank.

‘Banqueiro’ petista é acusado de calotes na praça

A dificuldade que a polícia enfrenta para localizar o empresário Fernando Neto para colher um depoimento também aparece em processos judiciais que o acusam de calotes e tramitam no Judiciário de Brasília e de São Paulo. Oficiais de Justiça já tentaram, sem sucesso, encontrá-lo em pelo menos cinco endereços.

As intimações são necessárias para que os casos possam tramitar no Judiciário. Apesar de não localizado pelo sistema, o empresário leva uma vida normal em Brasília. Ele despacha em um endereço comercial, frequenta cafés e restaurantes com amigos e, nas redes sociais, mantém uma rotina de opiniões sobre política e economia e de anúncios sobre o “banco”.

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Em uma das ações de cobrança, Fernando Neto é acusado de esvaziar o caixa de uma padaria do Jardim Botânico, em Brasília, que havia negociado por meio de uma outra empresa, a F3 Assessoria de Investimentos. O acordo consistia em assumir, em 2021, o empreendimento com dívidas e passá-lo para seu nome. A transferência não ocorreu, o comércio fechou as portas e os credores foram para cima dos antigos donos.

Antes, segundo a ação, ele colocou uma maquininha de cartão de crédito da F3 na padaria, e as receitas iam para a outra empresa. “Ele usou uma empresa que só existe no papel, fez todo o saque do caixa e não repôs. A padaria fechou meses depois. É um sujeito que não vai ser encontrado, é muito difícil ter acesso a um cara como esse, infelizmente. A família já está sem esperanças”, acusa o advogado Eliesley Nascimento.

Proprietários de uma padaria de Brasília alegam ter feito negócio com Fernando Neto. Ele não teria assumido compromissos e, ainda, teria colocado uma maquininha de cartão de crédito de outra empresa para faturar compras no empreendimento Foto: Reprodução

Fernando Neto também é cobrado por uma catadora de material reciclável que alega ter recebido dois cheques sem fundo de uma empresa dele que funcionou em Sobradinho, cidade do entorno de Brasília. Dona de uma pequena revendedora de recicláveis, ela vendeu materiais para a firma de Neto e deveria receber dois cheques de R$ 19 mil cada um. Este caso foi encerrado porque a suposta vítima perdeu um prazo da audiência, mas os advogados trabalham para reabri-lo.

Ao Estadão, o empresário alegou que “não era gestor das contas, então não tinha como esvaziar caixa” da padaria. Com relação aos cheques, afirmou que era um negócio do gestor anterior da empresa de reciclagem e que a questão está sendo discutida na Justiça.

Empresário prometeu emendas do PT para quitar dívida de campanha em 2020

Antes de assumir a presidência do Atualbank, o empresário Fernando Neto, dirigente do PT de Brasília, atuou na campanha eleitoral de uma candidata do partido em Goiás, em 2020, e prometeu agir junto à bancada da sigla no Congresso para direcionar R$ 1,5 milhão em emendas parlamentares visando quitar uma dívida da campanha.

Uma produtora de vídeos foi à Justiça contra ele e o PT, alegando que não recebeu pelo serviço prestado por meio de um contrato informal. Para tentar provar o vínculo com a campanha, o dono da empresa registrou em cartório as conversas mantidas com Fernando Neto e as incluiu no processo.

“O Paulo Guedes [PT-MG] topou, já pediu para a gente mandar o projeto pro gabinete dele porque ele já vai encaminhar os quatrocentos de emenda dele e vai encaminhar as emendas de bancada. Vai conversar com o Reginaldo Lopes [PT-MG]. [...] Eu só preciso que você me dê um retorno a gente se encontra para resolver a questão da emenda para eu saber o que faço, porque eu nunca, nunca havia feito isso.... como eles normalmente atendem os meus pedidos, então eu preciso só instruí-los do que fazer, tá?”, teria dito Fernando, segundo conversa gravada e transcrita em ata notarial de um cartório. “Outra coisa, a chefe de gabinete do senador Telmário também deu OK pra gente, tá? Aí só com ele lá precisa apresentar um projeto específico para Roraima, que também pode ser, na lógica da universidade que tem lá. [...] Eu acho que aí a gente já fecha 800 mil reais de emenda. E eu vou atrás agora da bancada de Minas para poder complementar e chegar pelo menos a um milhão e meio”, diz Fernando, ainda segundo a transcrição cartorial.

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Não há registros de que algum valor de emenda tenha chegado à produtora. Os três parlamentares citados negaram que seus respectivos gabinetes tenham discutido emendas com Fernando Neto ou indicado verbas para entidades sugeridas por ele. O dono da produtora afirmou que a promessa das emendas foi uma das várias feitas por ele em promessas de pagamento.

“Não prometi [emendas], disse ao prestador de serviço que poderíamos tentar formas de ele não ficar no prejuízo, já que tinha sido eu que havia indicado para o trabalho e ele não havia recebido. Mas nada deu certo no caso”, afirmou Fernando Neto ao Estadão.

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