PF diz que golpe de Estado não teve êxito por resistência de comandantes de Exército e Aeronáutica

Ruptura democrática só não ocorreu “por circunstâncias alheias à vontade do então presidente da República Jair Bolsonaro”, segundo investigadores

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Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA - A Polícia Federal (PF) concluiu, em sua investigação sobre a tentativa de golpe de Estado seguinte à derrota eleitoral do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que o processo não teve sucesso por causa da resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.

Os delegados do caso afirmam que, apesar da pressão feita por Bolsonaro, o general Freire Gomes, assim como a maioria do Alto Comando do Exército, e o tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, “permaneceram fiéis aos valores que regem o Estado Democrático de Direito, não cedendo às pressões golpistas”.

O então presidente Jair Bolsonaro (PL) em cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro Foto: PEDRO KIRILOS/ESTADÃO

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Para a PF, a consumação de um golpe de Estado perpetrado pelo que chama de organização criminosa não ocorreu “por circunstâncias alheias à vontade do então presidente da República Jair Bolsonaro”.

A conclusão consta no relatório tornado público na tarde desta terça-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, entregue pela PF na semana passada. O documento agora deve ser encaminhado para manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderá ou não oferecer denúncia contra os indiciados.

Os investigadores afirmam que uma organização criminosa começou a desenvolver ações voltadas para desestabilizar o Estado Democrático de Direito em 2019, visando manter Bolsonaro no poder a partir de uma ruptura democrática.

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Para alcançar o plano, a PF identificou seis núcleos que atuaram de formas diferentes: desinformação e ataque ao sistema eleitoral; incitação de militares a aderir ao golpe; embasamento jurídico à empreitada; apoio às ações golpistas; inteligência paralela; e cumprimento de medidas coercitivas.

Derrotado na eleição presidencial para o rival Luiz Inácio Lula da Silva (PT), “a organização criminosa iniciou o planejamento e as ações para viabilizar o golpe de Estado e a abolição do Estado Democrático de Direito”, segundo a polícia. As medidas incluíam disseminar estudos falsos sobre uma suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas, por meio do Partido Liberal.

“Para o êxito do plano seria necessário neutralizar o chamado ‘centro de gravidade’, termo dado pelos integrantes da organização criminosa ao ministro Alexandre de Moraes, que seria o núcleo de resistência a ser vencido para obtenção da ruptura institucional. Nesse sentido, dentro da divisão de tarefas, o núcleo operacional planejou as ações clandestinas para prender/assassinar o ministro Alexandre de Moraes e os integrantes da chapa presidencial vencedora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin”, diz o relatório.

A PF diz que as ações descritas no documento chamado “Punhal Verde Amarelo” mostram que os indiciados se dispuseram, além de deter, a executar Moraes. Então a figura do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil de Bolsonaro, o general Braga Netto, também candidato a vice em sua chapa, aparece no centro do plano, uma vez que a autorização para a organização criminosa agir ocorreu na residência dele, segundo o relatório.

“A ação clandestina teve seu ápice no dia 15 de dezembro de 2022, quando era esperada a assinatura do decreto golpista pelo presidente Jair Bolsonaro. Os elementos de prova obtidos são claros ao revelar que os ‘kids pretos’ iniciaram a execução da ação clandestina visando a prisão/execução do ministro Alexandre de Moraes”, dizem os delegados da PF.

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A conclusão do golpe precisaria, conforme destacado pelos investigadores, do apoio do braço armado do Estado brasileiro, especialmente o Exército. Bolsonaro e seu núcleo jurídico, composto por Filipe Martins, Anderson Torres, José Eduardo e Amauri Saad, fizeram reuniões com os comandantes das Forças Armadas para tentar angariar apoio à empreitada. O então ministro da Defesa, Paulo Sérgio, e o comandante da Marinha, Almir Garnier, toparam o crime.

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A recusa de Gomes e Baptista Júnior em aderir ao golpe “não gerou confiança suficiente para o grupo criminosos avançar na consumação do ato final e, por isso, Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou”, diz o relatório. Os comandantes assim se tornaram alvo de ataques pessoais desencadeados pelo núcleo responsável pela incitação de militares, sob ordem de Braga Netto. Foram chamados de “traidores da pátria” e “comunistas”.

“Nesse contexto, Braga Netto determinou a Ailton Gonçalves Barros que direcionasse ataques pessoais (inclusive a familiares) ao então comandante do Exército, General Freire Gomes e ao então comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, e por outro lado, elogiasse o então comandante da Marinha, o almirante-de-esquadra Almir Garnier Santos. Braga Netto ainda orientou a disseminação de notícia, com o objetivo de atingir a reputação do General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, atual comandante do Exército, que também adotou uma posição institucional, opondo-se a qualquer ação ilícita das Forças Armadas”.

Consta no relatório prints que o militar Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros encaminhou para Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro e delator do plano de golpe à PF, de uma conversa com um interlocutor chamado Riva. Nesse trecho, Riva repassa o que seriam informações da reunião de Bolsonaro com o seu vice, general Hamilton Mourão, confirmando a adesão de Garnier ao intento golpista. Riva diz: “O Alte (Almirante) Garnier é PATRIOTA. Tinham tanques no Arsenal prontos”.

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