Após o fim da CPI da Covid, a Polícia Federal intensificou, em diferentes frentes de investigação, a apuração sobre os negócios de Milton Lyra, apontado como operador de propina de graduados emedebistas. Novas diligências e um relatório final a ser apresentado nos próximos meses pretendem detalhar transações milionárias entre Lyra e o empresário Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos.
Indiciado no relatório final da CPI da Covid no Senado, elaborado por Renan Calheiros (MDB-AL), Max (como é conhecido o empresário) é suspeito de pagar propina ao próprio senador e a outros emedebistas por intermédio de Lyra em troca de contratos públicos na década passada. Entre os pagamentos estariam repasses da Precisa, intermediária nas negociações de compra da vacina indiana Covaxin.
Ao Estadão, Lyra disse que pagou “um preço alto por ter boas relações em Brasília”, e acusou investigadores de perseguição para incriminar Renan. Relatou, também, ter sofrido “tortura psicológica” de um procurador da Lava Jato para que se tornasse delator. Após diversas ordens de bloqueio de bens em inquéritos, Lyra tem operado seus negócios e custeado sua vida luxuosa entre Brasília e São Paulo por meio de empresas em nome de um morador da periferia da capital paulista (mais informações nesta página).
Nos últimos seis anos, Lyra foi visitado 11 vezes pela PF em buscas e apreensões – numa das ocasiões, foi preso. Os inquéritos em fase final tentam identificar se contratos públicos e aportes do Postalis, fundo de pensão dos Correios, firmados com empresas de Max teriam sido desviados para pagar Lyra na condição de operador de emedebistas como Renan, o ex-deputado Eduardo Cunha (RJ) e o ex-ministro Romero Jucá (RR). Desde 2013, a Global Gestão em Saúde e a Precisa Medicamentos firmaram mais de R$ 500 milhões em contratos no setor público.
Caixa 2
Auditores da Receita identificaram que uma empresa de um aliado de Max fez transações sem comprovação de serviços no valor de R$ 6,4 milhões a pessoas jurídicas ligadas a Lyra. Para a PF, a operação tenha servido para gerar caixa 2.
Um advogado que participou do esquema, Gabriel Claro, delatou o ocorrido; disse aos investigadores que se tratava de obtenção de dinheiro em espécie para pagar propinas em um contrato da Petrobras. Ouvido pela PF, Max confirmou ter feito negócios com Lyra, segundo apurou o Estadão.
Apesar de ainda não ter prestado depoimento, Lyra admitiu que sua empresa, a Medicando, “interessava estrategicamente à Global, do Maximiano, por causa das soluções tecnológicas, de inteligência artificial”. Mas ele evitou falar mais a respeito em razão das investigações em andamento.
A Medicando fornecia dados de segurados de planos de saúde, como exames e procedimentos. À época, o serviço interessava à Global, que foi contratada pela Petrobras por mais de R$ 500 milhões para administrar o fornecimento de medicamentos do plano de saúde dos funcionários da estatal. Partiu da base de dados da Medicando sobre o uso do plano de saúde uma denúncia que Max fez ao TCU sobre supostas fraudes praticadas pelos usuários do benefício. A Petrobras puniu a Global pela interrupção da prestação de serviços, e a briga segue na Justiça.
Depoimentos
Agora, a PF deve entregar um relatório final com a conclusão sobre possíveis atos de lavagem de dinheiro e corrupção praticados por Lyra e Max. Já no Supremo Tribunal Federal, a PF vem realizando uma série de depoimentos para concluir inquérito que apura se Renan seria o beneficiário final dos repasses de Max a Lyra. Os agentes têm tido dificuldades com delatores do caso. O acordo de Victor Colavitti, amigo de Lyra, corre risco de ser cancelado sob suspeita de que o estaria “protegendo”.
Procurado, Renan não se manifestou. As defesas de Max e Jucá não foram localizadas, mas têm alegado inocência. Cunha afirmou se tratar de “mais uma acusação sem provas”.
Lyra já teve ao menos 17 empresas diferentes ligadas a seu nome
Milton Lyra alega que a Justiça vai atestar sua inocência. Atualmente, alterna temporadas em hotéis de Brasília e seu apartamento no Jardim Europa, em São Paulo, avaliado em R$ 15 milhões. Embora aguarde a conclusão das investigações em liberdade, dizendo-se confiante numa solução favorável, reclama que as investigações afetaram o caixa de suas empresas.
“Nunca fiz esse papel de levar demandas para o senador Renan Calheiros ou qualquer político. O que já aconteceu é que apresentei em poucas ocasiões sociais empresários para ele”, disse Lyra.
Em 2018, após sua prisão, Lyra abriu uma empresa em Miami, a Fênix, que é sócia de uma empresa homônima no Brasil, em nome de sua mulher. Um funcionário de um escritório de contabilidade que trabalhou para Lyra, chamado Alis Silva Santos, disse ao Ministério Público que a empresa era usada para esconder dinheiro desviado dos fundos de pensão. Ele relatou que a Fênix fazia empréstimos a empresas controladas por Lyra, mas em nome de terceiros.
O sócio formal dessas empresas (Finity Chain, que vende testes de covid, entre outras) é Elias Correia Nunes Neto, morador do Jardim São Luís, na periferia de São Paulo, e alvo de buscas e apreensão em 2020, sob suspeita de ser “laranja” de Lyra. Procurado, Elias Neto não se manifestou.
Consultoria
Natural do Recife, Milton Lyra largou o curso de administração para abrir uma consultoria em informática nos anos 1990. De lá para cá, teve pelo menos 17 CNPJs associados ao seu nome. Mergulhou na política em 2002, quando topou coordenar a campanha de João Lyra (1931-2021) a deputado, pelo PTB de Alagoas. À época, Milton Lyra teve o primeiro contato com o senador Renan Calheiros.
A amizade entre Lyra e Renan se consolidou em 2007, quando o emedebista renunciou à presidência do Congresso. Em 2015, veio à tona a primeira investigação sobre o suposto envolvimento do empresário com desvios em fundos de pensão. A partir daí, Lyra viu seus negócios seriamente prejudicados. Em 2018, passou 32 dias preso, incluído na Operação Rizoma, que mirou desvios no Postalis, fundo de pensão dos Correios.
No dia em que foi detido, Lyra afirmou ter sido coagido a delatar pelo chefe da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage. Ao Estadão, El Hage afirmou se tratar de “mentira deslavada”.
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