PF já tem imagens de agressão a Moraes, mas até feriado italiano contribui para demora no envio

Acordo entre Brasil e Itália, de 1993, permite recusa do envio em caso de ‘crime político’; imagens estão de posse da PF desde 17 de julho

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Foto do author André Shalders
Atualização:

ROMA, ENVIADO ESPECIAL – A Polícia Federal brasileira está em posse, desde o dia 17 de julho deste ano, de imagens das câmeras de segurança do aeroporto de Fiumicino que mostram o episódio da suposta agressão ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Apesar disso, os representantes da corporação em Roma não podem enviar o material para o Brasil para que seja usado no inquérito aberto sobre o caso sob risco de anular a prova – o envio depende de uma avaliação da Justiça italiana, que está parada na burocracia desde o fim de julho.

Como há divergências entre as versões apresentadas por Alexandre de Moraes e seus familiares e os supostos agressores, as imagens das câmeras de segurança do aeroporto são fundamentais para a conclusão do inquérito aberto sobre o assunto no Brasil.

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O Estadão confirmou com a Polícia Federal em Roma o recebimento do material. Como mostrou o jornal, a Justiça italiana pode até mesmo se recusar a enviar o material, caso entenda que se trate de um “crime político”.

“A cooperação será recusada (...) se o fato tipificado no processo for considerado, pela Parte requerida, crime político ou crime exclusivamente militar”, diz um trecho da norma, que passou a vigorar no Brasil com a edição do decreto nº 862, de 1993. O acordo entre Brasil e Itália não estabelece prazos para o envio das provas.

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Para que a Justiça brasileira possa usar provas em posse das autoridades italianas, o primeiro passo é que seja feito um pedido pela Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça – o que aconteceu ainda em julho. Uma vez na Itália, é comum que o pedido seja analisado pela Justiça local. Só então o envio das provas é liberado.

Andréa Munarão, Alex Zanatta Bignotto e Roberto Mantovani Filho no aeroporto Internacional de Guarulhos em São Paulo após voltarem da Itália Foto: Reprodução/TV Globo

Governo de direita

A Itália tem um governo de direita desde outubro de 2022, liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, do partido Fratelli d’Italia (FdI). A sigla é parte do movimento da “nova direita” ou da extrema-direita, embora Meloni tenha moderado algumas de suas posições desde que chegou ao poder.

Para o jurista e professor Lenio Streck, o fato de haver um governo direitista na Itália pode contribuir para a demora.

“Assim como vimos grande parcela de aderência dos órgãos policiais à extrema-direita brasileira, também pode haver esse fenômeno na Itália e, por consequência, dada a aderência ideológica, essa motivação para a remessa tenha conotação política ou de insurgência quanto ao que ocorreu aqui no Brasil nos dias que sucederam os episódios”, diz ele, referindo-se aos mandados de busca e apreensão na casa dos supostos agressores. Streck faz a ressalva de que se trata de uma suposição, pois os reais motivos para a demora ainda são desconhecidos.

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“O tratado de cooperação em matéria penal firmado entre Brasil e Itália admite certa abertura para judicialização do pedido de cooperação. Ao que consta, a Autoridade Policial italiana entendeu por adequado enviar o pedido de cooperação ao Poder Judiciário italiano que, em seu turno, enviou para o MP ou o equivalente na Itália”, lembra ele.

Uma outra possível explicação para a demora no envio das imagens é o calendário: agosto é o auge do verão na Europa e um período onde os habitantes costumam tirar férias. Na Itália, celebra-se todo dia 15 deste mês o feriado de Ferragosto, uma festividade que remonta aos tempos do Império Romano. O feriado é um dos principais do calendário italiano e é comum que muitas pessoas tirem uma ou duas semanas de férias no período.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak diz que já há no Brasil o entendimento de que episódios como o do aeroporto de Roma vão além da liberdade de expressão. “Hoje em dia, temos uma jurisprudência bem expressiva que no caso de determinadas agressões feitas a um ministro do Poder Judiciário transcendem o limite do que seria natural (...). Vão para um limite de um atentado contra os Poderes e a democracia”, diz.

A questão é saber se o mesmo entendimento prevalecerá na Itália, diz Beçak. “Até a autoridade italiana entender que, de fato, cabe uma apuração pelas autoridades brasileiras, ela não cooperará. Primeiro, ela precisa entender que eles pensam da mesma maneira. Nós dependemos das autoridades italianas pensarem a mesma coisa, caso contrário não colaborarão na produção de provas, como mandar os vídeos por exemplo”, diz ele.

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O que aconteceu

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A suposta agressão teria acontecido no dia 15 de julho deste ano, quando Moraes e sua família iam de Siena, na Itália, em direção a outra cidade europeia. Durante a conexão no aeroporto de Fiumicino, foram abordados por três brasileiros, que xingaram o ministro de “bandido, comunista e comprado”.

Moraes estava na Itália para proferir uma palestra no Fórum Internacional de Direito, evento promovido pela Alfa Escola de Direito e pela Unialfa, duas instituições de ensino do Estado de Goiás. O espaço físico do evento foi a Universidade de Siena, na Toscana.

Um dos envolvidos, o empresário Roberto Mantovani Filho, de 71 anos, admitiu em depoimento que houve um “entrevero” com a família do ministro, e que teria “afastado” o filho de Moraes, que também se chama Alexandre. Já Alexandre de Moraes e sua família relataram, em depoimento, que Mantovani teria dado um tapa no rosto do filho do ministro, de 27 anos, a ponto de fazer seus óculos caírem. Os outros brasileiros envolvidos no episódio são a mulher de Mantovani, Andréa Munarão, o genro, Alex Zanatta Bignotto.

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