PF reduz efetivo na região onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados

Posto em Tabatinga, na região de fronteira com a Colômbia, tem número de agentes e delegados menor do que o registrado em 2013

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Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - Apesar da complexidade dos crimes transfronteiriços e do discurso antidrogas do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Polícia Federal tem reduzido o efetivo em Tabatinga (AM), nos últimos anos. Na delegacia localizada na cidade que faz fronteira com Letícia, na Colômbia, trabalham atualmente menos policiais do que havia há uma década. A região é um conhecido corredor do narcotráfico e onde operam cartéis e quadrilhas nacionais e internacionais.

Há atualmente 32 policiais federais lotados em Tabatinga, sendo três delegados, cinco escrivães e 24 agentes. É o mesmo quantitativo de 2012. Nos anos seguintes, até 2020, a delegacia de Tabatinga variou entre 34 e 38 profissionais. Em 2021, caiu ao menor patamar do período, com 30 policiais.

Imagem da região de fronteira próxima a Tabatinga, no Amazonas Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

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Desde que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados, na região do Vale do Javari, na Amazônia, no início de junho, voltou à tona a gama de crimes que fazem da região uma “terra sem lei”. Cabe à delegacia de Tabatinga atuar contra o crime organizado nesta região amazônica e em cidades da tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru. A viúva de Bruno cobrou reforço na segurança na região e criticou o governo federal por não ter apresentado um plano que possa evitar novos crimes contra indigenistas e contra funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Em 17 de junho, Jair Bolsonaro reagiu à crítica e disse que faltam recursos. “É só ela me dizer onde eu acho recurso para melhorar o trabalho de fiscalização, eu resolvo agora. Eu tenho um teto de gastos”, disse, em conversa com jornalistas no Palácio da Alvorada. “É muito fácil o discurso. Fora do Brasil bateram muito em mim no tocante a isso. Nossa Amazônia equivale a uma Europa ocidental. Como vai fiscalizar todo aquele negócio lá?”.

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Operação da Polícia Federal e autoridades locais em Atalaia (AM) durante buscas pelos corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira em junho deste ano. Foto: João Laet / AFP

Apesar de alegar falta de recursos, o governo conseguiu a aprovação, em julho, da PEC Kamikaze. Ela possibilitará gastos, às vésperas da eleição, de R$ 41 bilhões para turbinar benefícios sociais, como Auxílio Brasil, vale-gás e ajuda a caminhoneiros e taxistas. A gestão Bolsonaro tem desestruturado órgãos ambientais, incentivado a exploração de recursos naturais e menosprezado dados oficiais sobre o avanço do desmatamento.

A confirmação do duplo homicídio no Vale do Javari contou com apoio de diversas agências federais e das Forças Armadas. As investigações em campo e os cumprimentos de mandados judiciais foram sempre escoltados por policiais e militares fortemente armados, tamanho os riscos e desafios do combate ao crime no oeste do Amazonas.

O tráfico de drogas e de armas, a lavagem de dinheiro por meio de comércios, a pesca ilegal, o garimpo, a extração de madeira e execuções costumam ser praticados pelos mesmos grupos. Segundo investigadores, o crime organizado se beneficia da ausência do Estado e as características da atividade criminosa na fronteira tornam o combate ainda mais complexo.

Os policiais federais ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato disseram que o efetivo não é suficiente para dar resposta à quantidade de crimes de que se tem notícia. Agentes que atuam na repressão direta ao tráfico de drogas comparam o trabalho ao ato de “enxugar gelo”. Na fronteira, a atuação das quadrilhas se mistura à rotina das cidades e à política local.

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Os policiais consultados contaram que desvios de verbas federais, lavagem de dinheiro e propinas chegam ao conhecimento dos investigadores, mas padecem por falta de estrutura para confirmá-los. Nas cidades da fronteira, muitas transações financeiras ocorrem por fora do sistema bancário. Em geral, não há emissão regular de notas fiscais e, segundo investigadores, a publicação de contratos públicos e a prestação de contas a órgãos de controle são raridade.

Eles também relatam que procedimentos básicos de apuração, como a investigação social pelas redes sociais, são dificultados. A conexão de internet funciona muito mal em Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte, cidades fronteiriças.

O superintendente da PF no Amazonas, delegado Eduardo Fontes, diz que o efetivo é suficiente. “Lá nós temos uma delegacia física, que é instalada por conta de sua região estratégica, de tríplice fronteira. Temos um efetivo, não vou citar números, mas é suficiente para atender às nossas demandas. Em sendo necessário, a superintendência dá todo apoio”, afirmou, na primeira entrevista coletiva sobre o caso Bruno e Dom, em 15 de junho.

Apesar da sofisticação de crimes na fronteira, a atuação de membros da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em regiões como Tabatinga, Tefé e Redenção costumam ser vistas internamente como um trampolim para a carreira em cidades com melhor estrutura para viver e trabalhar. É a alta a rotatividade do corpo de investigadores na fronteira.

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Os delegados, procuradores e agentes de polícia que iniciam a carreira nas cidades próximas à Colômbia e ao Peru costumam deixar as áreas assim que possível. Com isso, na avaliação de experientes investigadores, os agentes não criam uma “memória criminal” sobre a região e o trabalho investigativo acaba prejudicado.

”Essa situação do crime na Amazônia joga luz sobre como é trabalhar na fronteira. A gente precisa ter cuidado até para pedir diligências porque sabemos que nem todas serão cumpridas, por medo. Gostam de dizer que as instituições estão aí, mas a verdade é que dá pra fazer muito pouco”, contou um investigador que optou por ir trabalhar em outro estado recentemente.

Na PF, há um sistema de pontuação interna que premia com mais pontos os policiais que atuam em regiões mais remotas. Os que trabalham no Norte, por exemplo, chegam a pontuar quatro vezes mais do que os lotados em superintendências do Sul do País. A condição permite, no futuro, que esses tenham prioridade na hora de escolher outro local de atuação. Isso faz com que a região de fronteira disponibilize as primeiras vagas que serão ocupadas pelos policiais recém formados na academia da PF.

Mesmo com a mobilização ocasionada pelo duplo assassinato, o clima de insegurança e ameaças contra servidores e ribeirinhos não cessou. E criminosos avançam mesmo sobre instalações federais. No último dia 15 de julho, dois homens armados foram à base da Fundação Nacional do Índio (Funai) no rio Jandiatuba, na região do Vale do Javari, para assediar servidores perguntando quantos trabalhavam ali.

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Balsa de garimpo encontrada por equipe da Funai no rio Jandiatuba, na região do Vale do Javari (AM). Foto: Reprodução - Funai/Univaja

Quatro meses antes, segundo denúncia da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a equipe da base realizou uma ação de monitoramento no Jandiatuba e descobriu 19 balsas de garimpo em atividade e pontos de retirada ilegal de madeira. Um mês depois da morte de Bruno Pereira e Dom Phillips, a coordenação da Funai em Atalaia do Norte, comunicou à sede da fundação em Brasília, no dia 5 de julho, a continuidade das ameaças.

”Diante do risco real de atos de violência física serem cometidos contra esta coordenação, assim como ao público por esta atendido, resolvemos suspender as atividades de atendimento ao público e restringir nossos trabalhos apenas a questões internas e de caráter emergencial, até que sejam tomadas as devidas providências que assegurem a continuidade dos trabalhos desta coordenação com a garantia da dignidade e do bem estar físico e psicológico de seus servidores e funcionários”, diz o relatório.

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