RIO – Os últimos escândalos de corrupção envolvendo a família Bolsonaro tornam incerta uma candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à prefeitura do Rio em 2024. Nos últimos dias, o grupo político tem avaliado o impacto das recentes denúncias de fraude no cartão de vacinação de Jair Bolsonaro, pai do parlamentar, a retomada das investigações sobre rachadinha no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), outro filho do ex-presidente, e uma possível inelegibilidade do ex-presidente.
Flávio conta com o apoio em público do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, para entrar na disputa. Diante da resistência de alas do partido, que buscam nomes moderados capazes de unificar uma candidatura em torno de PL, PP, União Brasil e Republicanos, o filho “01″ de Jair Bolsonaro diz, em conversas com colegas de legenda, que pretende concorrer ao Palácio da Cidade.
Uma possível saída de Flávio da disputa municipal pode abrir brecha para um racha no reduto do grupo de Bolsonaro. Os aliados se dividem em relação aos nomes alternativos. Pessoas mais próximas de Jair Bolsonaro avaliam ainda que tanto o deputado federal e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello quanto o general da reserva e candidato derrotado à Vice-Presidência em 2022, Walter Souza Braga Netto (PL), nomes citados nas articulações, têm potencial de ampliar antigos problemas para uma possível volta do ex-presidente ao jogo político.
Apesar de ter sido o segundo deputado mais votado do Rio, Pazuello está associado à política antivacina do governo Bolsonaro, e Braga Netto fez gestos simpáticos ao movimento de acampados que antecedeu à tentativa de golpe de 8 de janeiro, alvo de investigações do Supremo Tribunal Federal. São temas que o grupo quer se afastar.
Pesa ainda contra a candidatura de Flávio a cadeira dele no Senado. Em caso de vitória nas urnas, o senador passaria a vaga ao primeiro-suplente. O empresário Paulo Marinho atuou na campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018 e hoje é um desafeto da família. Flávio tem dito que não deixará a disputa apenas para barrar a ascensão de Marinho.
Balão de ensaio
Aliados ao governador Cláudio Castro (PL) tratam as recentes declarações de Costa Neto e de Flávio sobre a eleição municipal como “balão de ensaio” e uma forma de marcar posição dentro da legenda. Desde que foi reeleito em primeiro turno, Castro busca se afastar do bolsonarismo e demonstrar aos aliados que o atual secretário estadual de Saúde, Dr. Luizinho, presidente do PP no Rio, seria o melhor nome no embate com o atual prefeito Eduardo Paes (PSD), que tentará o quarto mandato.
Desde a eleição passada, o PL se tornou um campo de batalha entre grupos ligados a Castro, Bolsonaro e ao presidente estadual Altineu Côrtes. O governador ameaçou deixar o partido caso Côrtes não dividisse o poder de decisão na sigla. Após embates e quase rompimento, o governador ampliou a influência no PL e deverá ser ouvido antes das decisões da cúpula estadual.
Durante um encontro do PL fluminense neste mês, Costa Neto lamentou o “tropeço” na eleição presidencial, disse que irá “recuperar lá na frente” e sinalizou apoio irrestrito à candidatura de Flávio. “E talvez a recuperação nossa venha em 2024. Vamos batalhar para o Flávio ser prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Tem tudo para isso”, disse.
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Um dos integrantes do PL mais empenhados na possível candidatura do senador, o deputado estadual Alan Lopes (PL-RJ) afirma que Flávio é o “único” capaz de derrotar Paes. “Nós vamos recuperar o nosso País, e a extensão do governo corrupto aqui no Rio, do prefeito Eduardo Paes, vai cair ano que vem”, diz. O deputado avalia que a legenda pretende levar a candidatura de Flávio adiante. “Hoje, a decisão da direção do partido é nesse sentido. Precisamos de alguém que tenha uma experiência administrativa. Temos outros bons nomes no partido, mas o senador Flávio é a melhor opção”, afirma. “Há um esforço para que o senador seja o nome do partido na disputa.”
Redutos
As denúncias contra a família Bolsonaro põem em xeque antigas bandeiras dos principais redutos de Bolsonaro no Rio e nas cidades da Baixada Fluminense e municípios de outras regiões que abrigam o eleitorado do grupo. O eleitor conservador e de famílias militares e sempre foi instado pelo clã justamente no debate da corrupção e, consequentemente da segurança pública, uma tradição que remonta aos políticos da UDN e do grupo do ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, dos anos 1950 e 1960.
Com um histórico mais recente de ex-governadores presos, deputados cassados e escândalos em todas as instâncias políticas do Estado, os temas da corrupção e da segurança pública deve continuar como balizadores do eleitor na próxima eleição, segundo o cientista político Marcus Ianoni. “Corrupção e segurança pública continuarão a ser dois temas importantes para o eleitor carioca. Enquanto a família Bolsonaro pode ser afetada negativamente pelas denúncias que responde, Flávio pode tirar proveito do discurso a favor dos agentes de segurança e de uma política rígida na segurança.”
Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcus Ianoni observa que a chance real de vitória de Flávio no Rio está no centro das preocupações de um grupo que almeja à volta ao Palácio do Planalto. O cientista afirma que uma derrota nas eleições municipais pode ampliar a desidratação do bolsonarismo no Estado e atrapalhar os planos nacionais de Jair Bolsonaro. “A decisão passará por Bolsonaro. Ele deve decidir com base nas chances de vitória. O Flávio já disputou o cargo e carrega um espólio de votos. Caso seja candidato, deverá polarizar a eleição com o atual prefeito.”
Do outro lado da disputa, o atual prefeito Eduardo Paes investe na política e no orçamento para pavimentar a campanha pela reeleição. O chefe do Executivo municipal carioca aposta na volta da aliança com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e busca uma aproximação com Castro.
A relação de Paes com o presidente voltou a se fortalecer na campanha do ano passado. O embarque do PT de Lula no governo municipal foi aprovado pelos diretórios municipal e estadual da legenda. Apesar de Paes evitar o início das discussões sobre a campanha de 2024, o apoio do partido e do presidente Lula são dois dos principais ativos do prefeito em uma disputa contra o candidato do clã Bolsonaro, que tem o Rio de Janeiro como berço político.
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