BRASÍLIA – Uma das maiores referências em vacinação do País, a pediatra Ana Goretti Kalume Maranhão foi barrada pelo Palácio do Planalto para chefiar o recém-criado Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde. O veto foi feito pela Casa Civil, pasta que dá a última decisão sobre escolhas para cargos comissionados. O ministério alegou que ela fez postagens com críticas ao PT e em defesa da Operação Lava Jato. Isso configuraria uma “restrição partidária”.
O Estadão ouviu profissionais da área de imunização que classificaram o veto como grave. A bióloga Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), contou que soube do fato por meio de colegas da área. Segundo ela, a sensação é “de grande surpresa”, pois a nomeação havia sido “muito celebrada”.
Pasternak lembrou que as rixas do PT com Geraldo Alckmin, Simone Tebet e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foram resolvidas. “É só no primeiro escalão? Na parte técnica vai ter picuinha política? Não pode ser”, disse. “Espero realmente que eles reconsiderem. O PNI (Programa Nacional de Imunização) precisa de uma pessoa forte, comprometida e que conhece bem a estrutura. Essa pessoa é a Ana, a gente não tem dúvidas.”
Durante a transição, Pasternak se reuniu com a equipe do governo Lula e foi uma das defensoras da criação de um Departamento de Imunizações no Ministério da Saúde. A presidente do IQC afirmou que o veto “não têm absolutamente cabimento dentro do governo que o presidente Lula se propôs a fazer com tantos aliados que no passado criticaram fortemente o PT”.
“(Ana é) pessoa certa no lugar certo, na hora certa. É uma funcionária de carreira, com muita experiência de PNI, uma qualificação impecável. Sinceramente, ninguém entendeu”, disse. “É a pessoa mais indicada para estar à frente (do departamento).”
A médica compartilhou, em 2016, uma notícia a respeito do bloqueio que o então juiz Sérgio Moro havia determinado sobre a aposentadoria de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em outra postagem que citava o então presidente do PT, Rui Falcão, a médica disse: “Perfeito idiota”.
O nome de Ana Goretti para ocupar o novo cargo tinha o apoio de profissionais do setor da saúde, incluindo a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Ela chegou a ser anunciada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, ainda na segunda-feira, 2. Durante a cerimônia, a ministra afirmou que a criação do Departamento de Imunização pretendia “fortalecer as ações” do PNI. Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), o programa ficou sem chefia por meses.
Ana Goretti está no Ministério da Saúde desde 1985, segundo o Portal da Transparência, e já foi coordenadora-geral substituta do PNI. A pediatra ganhou, em 2002, a medalha da Ordem do Mérito Médico, da Presidência da República. Na terça-feira, 3, a SBIm afirmou que se tratava de “uma das profissionais mais engajadas na luta pela vacinação no Brasil”. “A SBIm construiu ao longo de muitos anos laços de amizade, parceria e admiração pelo trabalho de Ana Goretti Kalume Maranhão, consolidados com a participação em inúmeros eventos da Sociedade. Desejamos sucesso e reiteramos que estamos à disposição, como sempre, para colaborar com o que for possível na nova empreitada”, afirmou a sociedade.
Em uma rede social, a infectologista Luana Araújo disse que a nomeação de Ana Goretti era “um gol de placa” do governo. Luana trabalhou no combate à covid e foi demitida por Jair Bolsonaro. Ela ganhou notoriedade na CPI que apurou a atuação do governo na pandemia.
O Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, em São Paulo, também havia comemorado a nomeação de Ana Goretti. Em nota, a entidade manifestou “alegria” e afirmou que a pediatra trabalharia para “ampliar as coberturas vacinais em todo o País”. Após o veto, o Ministério da Saúde foi em busca de novos nomes para ocupar o cargo.
O Estadão apurou que o nome de Fábio Mesquita, que estava cotado para assumir do Departamento de Vigilância de IST/Aids e Hepatites Virais, também passa por uma reavaliação. O médico epidemiologista também é referência em sua área.
Críticas
A primeira fase da Lava Jato foi deflagrada em 2014 e a última há dois anos, em janeiro de 2021. O presidente Lula foi preso pela operação e ficou encarcerado na Polícia Federal, de Curitiba, por 580 dias. Na sexta-feira, 6, petista afirmou em uma rede social que seu governo não tem “um pensamento único” e é formado por “pessoas diferentes”.
Ao montar sua equipe, Lula nomeou personalidades da política que fizeram críticas duras a ele durante a Lava Jato. Simone Tebet, ministra do Planejamento, disse que o presidente havia sido o “grande orquestrador” do Petrolão. Ela e Juscelino Filho, Comunicações, votaram pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. O vice-presidente Geraldo Alckmin, que já foi um dos críticos do partido, disse, em 2017, que, após “quebrar o Brasil, o petista gostaria de “voltar à cena do crime”.
Procurada, Ana Goretti Kalume Maranhão não se manifestou. A assessoria da ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse ao Estadão que todos os nomes do terceiro escalão estão sendo reavaliados e vão passar “por um olhar mais apurado”. Neste processo, a pasta está ouvindo a opinião de movimentos sociais e também da sociedade civil.
“A ideia é que os cargos sejam preenchidos por pessoas competentes, técnicas, mas também é uma questão política”, informou a assessoria.
O Ministério da Casa Civil informou que está autorizando as nomeações do governo até 23 de janeiro. Depois desta data, cada pasta tratará das nomeações diretamente.
O ministério comandado por Rui Costa afirmou que “não realiza avaliação política de nomeações para cargos no executivo”. A Casa Civil afirmou que essa atribuição é da Secretaria de Relações Institucionais, chefiada pelo ministro Alexandre Padilha.
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