Nos dois primeiros anos do governo Lula, partidos de oposição como PL, Republicanos e PP contribuíram, em média, com 34% dos votos totais a favor de projetos de interesse do Palácio Planalto em votações realizadas na Câmara dos Deputados. Os dados reforçam padrão identificado em pesquisa exclusiva da USP, que mostra como os presidentes brasileiros, ao longo da história, têm dependido cada vez mais de coalizões informais — apoios vindos de fora da base governista — para viabilizar a aprovação de pautas cruciais no Congresso Nacional.
O levantamento, realizado entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, definiu como partidos da coalizão presidencial as siglas que se declaram governistas ou possuem ministérios no governo desde o início do mandato de Lula III. Já os partidos de oposição foram classificados como aqueles que não integram formalmente a base governista, mesmo tendo assumido pastas ao longo desses dois anos, como o PP e o Republicanos, que, apesar de liderarem os ministérios dos Portos e Aeroportos e do Esporte, respectivamente, mantiveram, na maior parte do tempo, uma atuação predominantemente oposicionista nas votações realizadas na Câmara.
Entre as siglas de oposição que mais contribuíram com o Planalto nos dois primeiros anos de governo está o PP, que, em média, seguiu a orientação oficial do governo em 10% das votações. A contribuição reflete o índice de governismo da legenda liderada por Arthur Lira, calculado em 74%, conforme dados do Radar do Congresso. O indicador avalia o grau de alinhamento de partidos às orientações do governo a partir das votações nominais — decisões em que cada parlamentar registra seu voto de forma individual e pública no Congresso. Assim, votos alinhados, seja a favor ou contra, aumentam a taxa, enquanto divergências, abstenções ou ausências a reduzem.
O Republicanos, partido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, contribuíram, respectivamente, com 9% e 8,5% dos votos em favor do governo. Em seguida, aparecem o Podemos (2,5%), PSDB (2,5%), Cidadania (1%) e Novo (1%). Siglas cujos parlamentares não atingiram o número mínimo de participações em votações nominais para o cálculo do índice de governismo, como PTB, PSC, Pros e Patriota, não foram consideradas. Esses percentuais refletem o peso de cada partido no conjunto dos 34% provenientes da oposição.
Entre as pautas que só avançaram com apoio significativo da oposição estão a reforma tributária, que simplifica e unifica impostos no Brasil, e a reforma da Previdência, que alterou as regras de aposentadoria, elevando a idade mínima e o tempo de contribuição para trabalhadores do setor público e privado. Ambas as pautas, consideradas estruturais, só foram aprovadas graças à articulação que contou com votos de partidos fora da base governista, explica Pedro Assis, pesquisador da USP e um dos autores da pesquisa.
Assis destaca que, desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o estudo identificou que os votos dos partidos que compõem o presidencialismo de coalizão — sistema no qual o governo forma alianças com diferentes siglas para garantir maioria no Congresso — não são suficientes para assegurar a aprovação da agenda presidencial na Câmara. “Os presidentes precisam do apoio do que chamamos de coalizões informais, formadas por partidos de oposição, para garantir a aprovação de pautas cruciais”, explica o pesquisador.
A pesquisa revela que, caso os mandatos presidenciais dependessem exclusivamente dos votos dos partidos que integram as coalizões formais — ou seja, a base governista —, a taxa de sucesso do Executivo nas votações cairia de 92% para 66%. O professor de ciência política da USP, Glauco Peres, ressalta que esses dados mostram como os presidentes brasileiros enfrentam uma crescente dependência de apoios fora da base oficial para garantir governabilidade. “Identificamos que cada vez mais a base governista depende de coalizões informais”, resume Peres.
Mudanças na relação entre Legislativo e Executivo
Para o professor de ciência política do IDP, Vinicius Alves, a crescente dependência dos presidentes de coalizões informais para aprovar leis ou matérias de interesse reflete uma mudança na correlação de forças entre o Executivo e o Legislativo nos últimos anos. Alves destaca que essa transformação foi impulsionada pelo aumento no número de partidos, intensificando a fragmentação partidária e dificultando a formação de coalizões estáveis.
“O fato de o presidente recorrer sistematicamente a apoios fora da base governista para aprovar projetos é um reflexo das características do sistema político brasileiro, marcado por alta fragmentação e multipartidarismo. Esse cenário exige negociações mais complexas, ampliando o peso das coalizões informais”, observa.
O professor de ciência política da USP, Sergio Simoni Junior, concorda e acrescenta que alterações em mecanismos institucionais contribuíram para enfraquecer a autonomia do Executivo. Entre as mudanças estão o novo trâmite das medidas provisórias, a revisão dos vetos presidenciais e as emendas parlamentares, que passaram a ser, em parte, impositivas — ou seja, de pagamento obrigatório.
“Embora existam temas que a oposição apoie por concordância, em muitos casos, o governo controla o timing de liberação das emendas para garantir apoio às suas pautas, o que frequentemente ocorre às vésperas de votações importantes”, explica Simoni.
Como mostrou o Estadão, o governo desembolsou, por exemplo, R$ 7,1 bilhões em emendas em apenas dois dias para tentar destravar o pacote de corte de gastos no Congresso Nacional.
Partidos mais fiéis ao governo
Quando considerado o índice de governismo — que mede o grau de alinhamento dos parlamentares com a orientação do governo em votações na Câmara —, os partidos que mais apoiaram o Planalto em 2023 e 2024 foram aqueles que integram a base de Lula. Entre eles, destacam-se o PT, PCdoB e PV, com aproximadamente 97% de fidelidade. Na sequência, aparecem o PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, com 94%; o PDT, com 91%; a Rede, com 89%; o Avante e o Solidariedade, com 87% e 85%, respectivamente; e o PSOL, com 80%.
Ainda na base do governo estão o PSD, liderado por Gilberto Kassab, que comanda três pastas (Agricultura e Pecuária; Minas e Energia; e Pesca e Aquicultura) e apresentou 81% de adesão ao Planalto nas votações. O MDB, responsável pelos ministérios das Cidades, Planejamento e Orçamento e Transportes, registrou 80% de fidelidade ao governo. O União Brasil, que também ocupa três ministérios (Turismo, Comunicações, além de indicar o ministro para Integração e Desenvolvimento Regional), demonstrou 67% de alinhamento.
Apesar dos comandos das pastas, o União Brasil tem entregado menos votos ao Planalto na Câmara do que outras siglas com ministérios no governo. Os dados reforçam que o partido não consolidou uma aliança plena com o governo, em parte devido à presença de parlamentares contrários ao PT, como Kim Kataguiri e Rosângela Moro, que apresentaram índices de governismo de apenas 26% e 32%, respectivamente. Desde o início do mandato de Lula, a maioria dos integrantes da legenda votou, por exemplo, pela derrubada dos decretos do marco temporal, do marco do saneamento e do veto presidencial que mantinha as saídas temporárias de presos, conhecidas como “saidinhas”.
O caso do União Brasil exemplifica a nova dinâmica de negociação entre Executivo e Legislativo, na qual a distribuição de cargos em ministérios já não é suficiente para compor interesses e garantir vitórias no Congresso, nem mesmo entre partidos que integram a base governista. “A forma mais caricata do funcionamento do presidencialismo de coalizão era: o presidente distribuía ministérios, e os parlamentares, em sua maioria, automaticamente apoiavam as propostas do governo”, explica o professor Sergio Simoni Junior, ressaltando que, apesar da reforma ministerial prevista por Lula para 2025 — destinada a ampliar a base aliada e assegurar respaldo às pautas governistas — esse modelo, por si só, não é suficiente para garantir apoio consistente na Câmara e Senado.
Simoni destaca que a coalizão informal, formada com apoio da oposição, tem ganhado cada vez mais relevância à medida que a base governista se reduz, exigindo mudanças na dinâmica tradicional do presidencialismo de coalizão. “As bases de negociação mudaram, os partidos que compõem a base não é garantia de disciplina total em votações; são fatores que trazem mais desafios tanto para Lula quanto para os próximos presidentes”, completa.
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