BRASÍLIA – Parlamentares que estão com as verbas de emendas Pix paralisadas por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), receberam do governo Lula (PT) uma oportunidade de liberar os recursos. O Planalto abriu uma janela para que os congressistas possam mudar a destinação das emendas, transferindo o dinheiro para outras rubricas do Orçamento. A “janela” começou na última quinta, 05, e foi até esta segunda-feira, 9, mostram documentos aos quais o Estadão teve acesso.
No momento, congressistas de 17 partidos têm R$ 523 milhões em emendas Pix com risco de serem perdidas, se não forem empenhadas até 0h do dia 31 de dezembro.
A execução das emendas parlamentares estava bloqueada por decisão de Flávio Dino desde o dia 1º de agosto. Na última segunda-feira, 2, Dino liberou as emendas – mas condicionou o trâmite do dinheiro a uma série de exigências. Para as emendas Pix, a decisão do ministro exige a apresentação de um documento dizendo em quê o dinheiro será usado pelas prefeituras, o que não acontecia até então. A rapidez no pagamento era a grande vantagem desse tipo de emenda para os congressistas.
O impasse em torno da decisão de Dino, que foi depois confirmada pelo plenário do STF, causou insatisfação no Congresso. Líderes das principais bancadas ameaçam travar a votação de projetos de interesse do governo, inclusive o pacote de ajuste fiscal elaborado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. No fim da tarde desta segunda-feira, Lula se reuniu no Palácio do Planalto com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para discutir a liberação das emendas.
Neste ano, deputados e senadores apresentaram R$ 49,1 bilhões em emendas de todos os tipos, dos quais R$ 37,8 bilhões já foram empenhados (isto é, reservados), e R$ 23,4 bilhões já foram pagos. As emendas individuais somam R$ 25 bilhões, e dentro destas, as emendas Pix chegam a R$ 8,2 bilhões, quase um terço do total.
Os procedimentos para mudar as emendas Pix para outra rubrica são explicados num ofício assinado pelo ex-deputado federal petista Valmir Prascidelli, hoje Secretário de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), do ministro Alexandre Padilha.
No documento obtido pelo Estadão, Prascidelli sugere que os parlamentares coloquem o dinheiro de suas “emendas Pix” em rubricas de seis ministérios, incluindo as pastas da Saúde, do Desenvolvimento Social e da Integração e Desenvolvimento Regional, entre outros. O ofício é datado da última quarta-feira, 4, com o nome de “ofício circular nº 67/2024/GAB/SEPAR/SRI/PR”. Procurada, a SRI não se manifestou.
Segundo o ofício de Prascidelli, os ministros dessas áreas informaram ter condições de empenhar o dinheiro antes do fim do ano. As emendas que não forem ao menos empenhadas até as 23h59 do dia 31 de dezembro serão perdidas. O empenho é uma das fases da execução dos gastos públicos e corresponde ao ato de “reservar” o dinheiro para uma determinada finalidade. Emendas que são empenhadas mas não pagas no ano corrente se transformam em “restos a pagar” e podem ser quitadas mais adiante.
“Sugerimos que os recursos não empenhados na ação 0EC2 (código da emenda Pix no Orçamento) sejam remanejados para outros órgãos, em especial aqueles cuja execução pode ser mais célere”, diz um trecho do ofício. “Considerando os prazos exíguos (...), sugerimos avaliar a destinação das emendas aos órgãos e respectivas ações abaixo listadas, que informaram ter condições de executar as despesas decorrentes dos créditos que vierem a ser aprovados”, explica Prascidelli.
As rubricas sugeridas por Prascidelli são para custeio da saúde; para estruturação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS); para projetos de desenvolvimento sustentável e para pavimentação de ruas e estradas, entre várias outras. Há opções nos ministérios da Saúde; do Desenvolvimento Social; da Integração e Desenvolvimento Regional; das Cidades; da Agricultura e Pecuária; e do Turismo. Além das opções para os congressistas, o documento traz um passo-a-passo detalhado de como fazer a alteração por meio do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), do Ministério do Planejamento.
O partido com maior volume de emendas Pix não empenhadas é o PL, com R$ 123,4 milhões em risco. Em seguida aparecem o MDB, com R$ 109,8 milhões, e o PSD, com R$ 80,9 milhões. A bancada do PT tem R$ 27,8 milhões em emendas Pix ainda não empenhadas.
O congressista individual com o maior saldo de emendas Pix ainda não empenhadas é o senador Irajá (PSD-TO), filho da ex-senadora Kátia Abreu. Ele tem R$ 32,8 milhões nessa situação. O senador Sérgio Petecão (PSD-AC) e o deputado Duda Ramos (MDB-RR) vêm em seguida, com R$ 18,9 milhões em risco cada um. Os dados foram levantados pela reportagem usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado Federal. Eventuais mudanças nas emendas que esses congressistas já tenham decidido fazer ainda não se refletem nessa plataforma.
Nesta segunda-feira, Dino rejeitou pedido formulado pelo governo Lula por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), para flexibilizar as exigências do ministro na decisão que liberou as emendas. Um dos pontos que a AGU pediu para serem revistos era justamente a exigência de um projeto básico para as emendas Pix, dizendo como o dinheiro seria gasto.
Além disso, o governo também pediu, por meio da AGU, que Dino deixasse de lado a necessidade de identificação dos “padrinhos” das emendas de Comissão e de bancadas estaduais. No pedido, a AGU argumenta que a Lei Complementar aprovada pelo Congresso no começo de novembro já é suficiente para dar transparência às indicações. Isto não é verdade, segundo ONGs que trabalham pela transparência do poder público.
Durante a campanha eleitoral de 2022, Lula disse que o orçamento secreto era a fonte do maior esquema de corrupção da história do país. Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto consistia no uso das emendas de relator-geral para esconder os verdadeiros padrinhos das indicações de verbas.
Com a proibição do orçamento secreto pelo STF no fim de 2022, prática similar passou a ser feita com as emendas de comissão, a partir de 2023 – foi para dar fim ao Orçamento Secreto que Dino suspendeu as emendas parlamentares, em 1º de agosto. Até esta segunda, há um estoque de R$ 11,2 bilhões em emendas de todos os tipos que ainda não foram empenhadas, inclusive de bancada e de comissão.
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