PM de São Paulo impõe sigilo de 100 anos em processos disciplinares de Mello Araújo, vice de Nunes

Corporação alega se tratar de informação pessoal, mas CGU entende que justificativa não pode ser usada para negar acesso de forma abstrata e geral

PUBLICIDADE

Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA - A Polícia Militar de São Paulo impôs sigilo de 100 anos sobre os processos administrativos disciplinares abertos contra o coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araujo. Ele foi indicado no último mês pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como vice na chapa do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em sua tentativa de reeleição.

PUBLICIDADE

Ex-comandante da tropa de elite da PM-SP, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Mello Araújo já tinha sido convidado por Bolsonaro em 2020 para ser diretor-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), em São Paulo, o maior entreposto de alimentos da América do Sul.

O Estadão solicitou via Lei de Acesso à Informação (LAI) dados de processos internos abertos contra o aliado de Bolsonaro. Em resposta, a PM diz que as ocorrências que tiveram participação de Mello Araújo “foram devidamente investigadas, sendo os respectivos inquéritos posteriormente arquivados”, e que não resultaram na abertura de processos judiciais.

A corporação, no entanto, nega acesso aos dados, fundamentando sua negativa no artigo 31 da LAI, segundo o qual “informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem”.

Publicidade

O prefeito Ricardo Nunes encontrou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas e o coronel da PM Ricardo Mello Araújo para selar vice. Foto: Pedro Augusto Figueiredo/Estadão

Especialistas consultados pela reportagem afirmam se tratar de uso indevido do artigo 31. “É mais um caso de aplicação equivocada da proteção de dados pessoais restringindo o acesso a informações de interesse público. A sociedade tem o direito de saber a respeito de apurações internas relativas a servidores, militares ou não”, diz Marina Atoji, diretora da Transparência Brasil e especialista em Lei de Acesso à Informação.

A Controladoria-Geral da União (CGU) já formulou o entendimento, em 2023, de que procedimentos disciplinares são de acesso restrito a terceiros até que sejam julgados. Os documentos então são passíveis de acesso público uma vez concluídos. No caso de Mello Araújo, de acordo com a própria PM, os processos foram até mesmo arquivados.

O órgão também tem o entendimento de que não se pode negar dados com a justificativa de que se tratem de “informações pessoais”, de forma abstrata.

“O fundamento ‘informações pessoais’ não pode ser utilizado de forma geral e abstrata para se negar pedidos de acesso a documentos ou processos que contenham dados pessoais, uma vez que esses podem ser tratados (tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc) para que, devidamente protegidos, o restante dos documentos ou processos solicitados sejam fornecidos”, diz um enunciado publicado pela CGU.

Publicidade

Mello Araújo foi escolhido para a chapa de Nunes após a entrada do ex-coach Pablo Marçal (PRTB) na disputa eleitoral. Com desempenho surpreendente nas pesquisas, acenos a Bolsonaro e identidade com pautas da direita, Marçal acabou forçando o prefeito a “engolir” a indicação do ex-presidente, sob o risco de ver um novo bolsonarista ganhar musculatura eleitoral e fragmentar o voto conservador.