BRASÍLIA - A Polícia Militar de São Paulo impôs sigilo de 100 anos sobre os processos administrativos disciplinares abertos contra o coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araujo. Ele foi indicado no último mês pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como vice na chapa do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em sua tentativa de reeleição.
Ex-comandante da tropa de elite da PM-SP, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Mello Araújo já tinha sido convidado por Bolsonaro em 2020 para ser diretor-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), em São Paulo, o maior entreposto de alimentos da América do Sul.
O Estadão solicitou via Lei de Acesso à Informação (LAI) dados de processos internos abertos contra o aliado de Bolsonaro. Em resposta, a PM diz que as ocorrências que tiveram participação de Mello Araújo “foram devidamente investigadas, sendo os respectivos inquéritos posteriormente arquivados”, e que não resultaram na abertura de processos judiciais.
A corporação, no entanto, nega acesso aos dados, fundamentando sua negativa no artigo 31 da LAI, segundo o qual “informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem”.
Especialistas consultados pela reportagem afirmam se tratar de uso indevido do artigo 31. “É mais um caso de aplicação equivocada da proteção de dados pessoais restringindo o acesso a informações de interesse público. A sociedade tem o direito de saber a respeito de apurações internas relativas a servidores, militares ou não”, diz Marina Atoji, diretora da Transparência Brasil e especialista em Lei de Acesso à Informação.
A Controladoria-Geral da União (CGU) já formulou o entendimento, em 2023, de que procedimentos disciplinares são de acesso restrito a terceiros até que sejam julgados. Os documentos então são passíveis de acesso público uma vez concluídos. No caso de Mello Araújo, de acordo com a própria PM, os processos foram até mesmo arquivados.
O órgão também tem o entendimento de que não se pode negar dados com a justificativa de que se tratem de “informações pessoais”, de forma abstrata.
“O fundamento ‘informações pessoais’ não pode ser utilizado de forma geral e abstrata para se negar pedidos de acesso a documentos ou processos que contenham dados pessoais, uma vez que esses podem ser tratados (tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc) para que, devidamente protegidos, o restante dos documentos ou processos solicitados sejam fornecidos”, diz um enunciado publicado pela CGU.
Mello Araújo foi escolhido para a chapa de Nunes após a entrada do ex-coach Pablo Marçal (PRTB) na disputa eleitoral. Com desempenho surpreendente nas pesquisas, acenos a Bolsonaro e identidade com pautas da direita, Marçal acabou forçando o prefeito a “engolir” a indicação do ex-presidente, sob o risco de ver um novo bolsonarista ganhar musculatura eleitoral e fragmentar o voto conservador.
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