Pode colocar bandeira na sacada? Disputa Lula x Bolsonaro toma fachadas de prédios

Associação de administradoras de condomínios registra aumento de reclamações entre vizinhos; prática pode render multa

PUBLICIDADE

Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

O metalúrgico aposentado Otalício Rodrigues Freire estendeu uma bandeira do Brasil na varanda do seu apartamento, no 7º andar, no Jardim Colombo, zona oeste de São Paulo, para mostrar, segundo ele, o quanto gosta do Brasil. Admirador do presidente Jair Bolsonaro (PL), ele quase faz segredo sobre as teclas que vai apertar no domingo. “A bandeira já é uma boa dica de quem vai receber meu voto”, diz o paulistano de 67 anos.

PUBLICIDADE

No mesmo prédio, o engenheiro civil Jorge Machado Guimarães, de 65 anos, colocou uma bandeira do PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para expressar sua preferência. Reconhece que foi uma afirmação diante do avanço do verde-e-amarelo nas sacadas. Ele acredita que alguns símbolos foram apropriados pelo atual presidente. Para alguns vizinhos que o procuraram, mas estavam receosos de mostrar sua opção, ele já encomendou mais três bandeiras vermelhas. “A gente precisa empatar o jogo logo”, diz Guimarães, olhando o prédio de 56 apartamentos da rua perto do estádio do Morumbi.

O síndico Bruno Malusa mediou a situação, afirmando que foi melhor permitir que proibir. “Não me oponho, desde que não existam brigas e discussões. Nosso prédio é harmônico. Por enquanto, ninguém reclamou. Só espero que tirem as bandeiras depois da eleição.”

Essa disputa por espaço visual em uma campanha eleitoral polarizada, ainda mais no segundo turno, está presente em várias regiões. A Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios (AABIC) registra aumento nas reclamações. Não há estatísticas precisas, mas a entidade afirma que o nível atual de queixas é semelhante ao da época do isolamento social da pandemia da covid-19, quando as pessoas trabalhavam em home office e surgiam mais atritos.

Publicidade

Maria Iara Nicoletto colocou uma bandeira do Brasil na sacada do apartamento, na zona sul de São Paulo, em apoio a Bolsonaro. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“As administradoras estão registrando alta demanda de um pedido que era quase inexistente sobre esse tipo de infração”, avalia José Roberto Graiche Júnior, presidente da entidade.

Em alguns condomínios, como um endereço de quatro torres na Barra Funda, zona oeste, tem sido mais difícil encontrar consenso. Alguns moradores colocaram a bandeira do País amparados pelo decreto 5.700, de 1971, que permite o hasteamento em mastros em prédios particulares. Em resposta, vizinhos rebateram dizendo que não existiam mastros (como prevê a lei) e colocaram na janela pôsteres de Lula. A solução encontrada pela administradora foi retirar as manifestações dos dois lados.

Pendurar uma bandeira sem consultar o síndico pode acarretar multa. Foi o que aconteceu com o publicitário Marcos Carvalho, de 51 anos, em Moema, zona sul. O morador do 4º andar recebeu um boleto de R$ 367 depois de estender uma bandeira “Fora Bolsonaro” na varanda do apartamento, no ano passado.

Jorge Guimarães e Fabiane Santanna colocaram uma bandeira em apoio a Lula na sacado do prédio na zona sul de São Paulo. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ela é visível da rua, mas não estava na fachada. O síndico disse que a convenção proibia e relatou reclamações de outros vizinhos. Marcos alegou que a multa não especificava a infração e, por isso, não fez o pagamento.

Publicidade

Alguns endereços não querem nem começar essa discussão. Administradores de um prédio de grande visibilidade na Avenida Paulista optaram pelo veto às flâmulas. Ainda está na memória dos moradores a tentativa de invasão de manifestantes em 2018.

“O uso de bandeiras e de propaganda política traz grande vulnerabilidade, inclusive de invasão de manifestantes, como já ocorrido em 2018, colocando em risco moradores e funcionários”, diz trecho do comunicado colocado nos elevadores do condomínio.

Fixar bandeiras sem autorização pode motivar multas

Apesar do direito constitucional à liberdade de expressão, que inclui a manifestação política ou esportiva, a lei prevê regras que proíbem a fixação de bandeiras ou faixas em imóveis particulares. Assim, não é permitido pendurar bandeiras de times de futebol, partidos políticos, escolas de samba e outras agremiações. O que está em discussão não é o que a bandeira representa e sim o desrespeito às normas condominiais. A prática é entendida como alteração de fachada e, de forma geral, é proibida pela maioria dos condomínios.

Diego Basse, especialista em Direito Condominial há 22 anos, afirma que, de acordo com o artigo 1.336 do Código Civil, é dever do condômino não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas. “O uso de qualquer objeto pode configurar uma alteração de fachada”, diz o especialista.

Publicidade

PUBLICIDADE

O advogado afirma ainda que o síndico pode proibir a colocação de bandeiras mesmo diante do decreto de 1971 para evitar interferência no padrão do conjunto arquitetônico e a desarmonia no convívio social. Por isso, salões de festas, quadras ou demais áreas comuns não devem ser destinadas a reuniões políticas, mesmo que o candidato seja condômino ou morador. O descumprimento implica multa, que pode ser de até cinco vezes o valor mensal do condomínio.

As bandeiras costumam ser expostas apenas no período de eleição, o que diminui a gravidade da infração, na visão do advogado Diego Amaral, especialista em Direito Civil e Imobiliário. “Há possibilidade de exposição de objetos de forma temporária, como na Copa do Mundo ou Natal, ou mesmo em época de eleições, se assim o condomínio liberar, o que acaba sendo comum sem gerar infrações”, opina.

Como não modificam a estrutura das fachadas, as bandeiras podem ser permitidas, na visão de Luciano Godoy, professor da FGV e especialista em Direito Privado. A fachada envolve a frente dos prédios e as laterais, enfim, tudo que é visível no edifício. “Estamos num ambiente polêmico, mas exposição de bandeiras é liberdade de expressão não é alteração de fachada”, argumenta.

Angelica Arbex, diretora de Marketing da Lello, empresa responsável pela administração de três mil condomínios no estado de São Paulo, concorda. “A bandeira não é alteração de fachada por ser algo provisório, que é colocado e retirado. Nossa ressalva é que o condomínio é o exercício de pessoas diferentes se relacionando e compartilhando espaço. É o exercício pleno da convivência de diferentes, então, o quanto a gente conseguir ser mais neutro, melhor será”, afirma.

Publicidade

Os moradores são criativos para driblar eventuais punições. Em um condomínio na Ponta da Praia, em Santos (SP), uma moradora decidiu estender uma toalha com o rosto do seu candidato à Presidência permanentemente no varal. Ela fica lá dia e noite, chuva ou sol, de acordo com os vizinhos.

No Recife, alguns prédios permitem a exposição da bandeira como símbolo da Nação, o que favorece, teoricamente, os apoiadores de Bolsonaro. Eleitores de Lula passaram a colocar lâmpadas vermelhas ou a cobrir as luminárias tradicionais com papéis avermelhados. Isso acontece, por exemplo, em Boa Vista, no centro do Recife.

A discussão vai continuar no mês que vem, com o início da Copa do Mundo. Tradicionalmente, os moradores enfeitam os prédios com bandeiras e adereços como forma de incentivo à seleção brasileira. Alguns condomínios já colocaram o tema na pauta das próximas assembleias.

Recomendações antes de colocar uma bandeira

  • Observar se a convenção ou o regulamento do condomínio permite a colocação de bandeiras ou qualquer tipo de manifestações nas fachadas, mesmo que provisoriamente;
  • Se a infração ocorrer, é preciso conversar com o morador pacificamente, para que retire de imediato o objeto.
  • Quem quiser se manifestar, é preciso agendar uma assembleia para discutir a autorização da instalação das bandeiras, mesmo de forma provisória.

Publicidade

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.