Duas décadas depois da aprovação de uma lei que exige disponibilidade de bíblias em bibliotecas de São José do Rio Preto (SP), o procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, entrou com uma ação para tornar a lei inconstitucional e proibir que a Prefeitura de São José do Rio Preto disponibilize o livro religioso nas repartições públicas. O presidente da Câmara de Rio Preto, Paulo Pauléra (PP), cogita enviar ofício ao papa Francisco para chamar atenção para o caso.
Atualmente, são três ações movidas pelo Ministério Público paulista contra a administração rio-pretense. Há ainda uma ação para tirar as bíblias em braile (para pessoas com deficiência visual), que se tornou norma no município em 2009, e um recurso da Câmara de Rio Preto junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que proibiu a frase “sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos” do começo das sessões do Poder Legislativo.
De acordo com o procurador, “não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião – como o faz pela exigência da disponibilização de exemplares de Bíblia Sagrada nos acervos e bibliotecas mantidos pelo Poder Público Municipal –, voltada exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no tecido social brasileiro, justamente à vista da laicidade do Estado brasileiro”.
Oliveira e Costa cita ainda que há preferência religiosa na lei rio-pretense, o que é vedado ao Poder Público. “Além de implantar discriminação injustificada pelo tratamento privilegiado descrito, o ato normativo comunal não persegue finalidade de interesse público primário, senão atende a outros interesses. Ora, se o Estado pode colaborar, de forma indistinta com todos os credos, não lhe é dado criar preferência, visto que a liberdade de religião abrange inclusive o direito de não ter religião”, afirmou o promotor na inicial. As ações que pedem que o Poder Público pare de fornecer bíblias às bibliotecas do Município tramitam no TJ-SP.
Presidente da Câmara brigará na Justiça e reclamará até com o papa
Paulo Pauléra, que preside o Poder Legislativo local, demonstrou descontentamento com as ações e disse até que pode encaminhar ofício ao papa para reclamar da ação do MP. “Vou encaminhar a reportagem e um ofício ao papa”, disse ao Estadão. “A Justiça está indo para um lado que atinge intimidade da pessoa, do direito do cidadão. Está extrapolando um pouco esse entendimento. Não é coisa que prejudica, que vai criar constrangimento (...) Estamos em uma democracia ou voltando para ditadura? Ninguém está obrigando ninguém a ler.”
Há ainda preocupação por parte de vereadores com outras ações possíveis contra o Poder Legislativo. O plenário da Câmara de Rio Preto tem um Jesus crucificado logo atrás da Mesa Diretora. Na sala da presidência, há imagens de Jesus e de Nossa Senhora.
Câmara de Rio Preto vai ao STF contra decisão do TJ-SP
O Poder Legislativo de Rio Preto apresentou recurso para levar uma das ações ao STF. Trata-se de processo que determina que a frase “sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos” não seja mais pronunciada ao início das sessões da Casa. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu entendimento do MP e declarou a frase como inconstitucional.
“Com o devido respeito, tal como existe nas inúmeras Casas Legislativas de todos os entes federativos e demais Poderes, inexiste qualquer inconstitucionalidade com a mera invocação da proteção de Deus para o início das sessões legislativas da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, quanto mais afronta direta aos princípios da isonomia, da liberdade religiosa ou de crença e da laicidade do Estado brasileiro”, diz trecho do recurso apresentado.
Os procuradores da prefeitura, Estevam Pietro e Danathielle Louise Moitim citam ainda que “tal invocação - existente em quase todos os Regimentos Internos de Câmaras Municipais - é reproduzida no preâmbulo da Constituição Federal e em praticamente todas as Constituição dos Estados-membros da República Federativa; nos regimentos internos das Assembleias Legislativas, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; e, não suficiente, em diversos eventos oficiais dos Poderes do Estado”.
Em outro trecho do recurso, os procuradores afirmam que, no caso de Rio Preto, há “exclusiva invocação de proteção divina e inexiste disponibilidade de livro religioso ou até mesmo a leitura de qualquer texto bíblico”.
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