A operação que a Polícia Federal fez na última sexta-feira, 20, na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), vasculhando endereços de servidores e prendendo dois funcionários do órgão, evidencia um conflito de versões entre esses dois órgãos.
Chamada de Última Milha, a operação tem como pano de fundo uma investigação do uso ilegal do software FirstMile, produzido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint) e comprado pelo governo brasileiro em 2018. A ferramenta intercepta sinais de 2G, 3G e 4G trocados entre celulares e torres de transmissão, fornecendo a localização dos aparelhos. Para fazer isso, basta o número do telefone do espionado.
No dia em que a operação aconteceu, a Abin divulgou uma nota informando que a ferramenta não era utilizada desde maio de 2021 e que já possuía procedimentos internos para apurar o uso indevido do FirstMile. No dia 23 de fevereiro, a Agência diz que abriu uma correição extraordinária, cujas provas coletadas deram origem a uma sindicância, inaugurada no dia 21 de março.
Durante quase sete meses, a Abin afirma que passou informações sobre essa sindicância para a Polícia Federal e para o Supremo Tribunal Federal (STF). Como partiu do gabinete do ministro Alexandre de Moraes a autorização da operação, ele é o magistrado que vem acompanhando as investigações sobre o caso - e que recebeu da Abin o que foi coletado nesses quase sete meses de investigação interna.
“Todas as requisições da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela Abin. A Agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações”, diz a nota da última sexta-feira.
Operação vasculhou prédio da Abin, prendeu e afastou servidores
Além de vasculhar o prédio da Abin, a operação da Polícia Federal cumpriu mandados em mais 25 endereços no Distrito Federal, Alexânia (GO), São Paulo capital, São José dos Campos, Curitiba, Maringá (PR), Florianópolis, São José (SC) e Palhoça (SC). Eduardo Arthur Izycki e Rodrigo Colli, servidores da Abin, foram presos.
A Agência afastou das funções todos os servidores que foram alvo dessas diligências, cumprindo a ordem de Moraes. Ainda na sexta, Izycki e Colli foram demitidos, mas não por causa da operação. Eles respondiam a um processo disciplinar por terem se apresentado como representantes de uma empresa privada em uma licitação do Exército, o que é proibido para servidores públicos. A Abin disse que finalizou o procedimento na sexta, concluindo pela demissão dos dois.
Nesta terça, 24, o secretário de Planejamento e Gestão, Paulo Mauricio Fortunato Pinto, foi exonerado do cargo. A Polícia Federal apreendeu na casa dele US$ 171,8 mil em espécie - equivalente a mais de R$ 860 mil. Fora da função, o agora ex-secretário volta a ser oficial aposentado da Abin e cumprirá o afastamento determinado por Moraes.
Além dele, mais dois diretores da Abin foram dispensados das funções. As identidades deles não foram reveladas, diante do sigilo ao qual os servidores do órgão têm direito, por causa da natureza do trabalho desempenhado.
Conflito de versões entre integrantes da Abin e da PF
A operação feita pela PF atravessa diligências que vinham sendo adotadas dentro da Abin, que informou, na nota de sexta, que vinha apurando internamente o uso indevido do FirstMile para espionagem e compartilhando com STF e PF os resultados da investigação.
Foram feitos cerca de 33 mil monitoramentos através do software, mas apenas 1.800 foram identificados. Os demais foram apagados.
Como mostrou o blog do Octavio Guedes, do G1, membros da Agência têm se sentido “retaliados e perseguidos”, enquanto, dentro da PF, há a percepção de que a Abin estaria “atrapalhando” a apuração. A operação da sexta-feira acabou opondo os dois órgãos.
Desmilitarização da Abin
Até o fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), a Abin estava sob a guarda do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta então chefiada pelo general Augusto Heleno. Alexandre Ramagem, ex-delegado da PF e hoje deputado federal pelo PL do Rio, comandava a Agência. Os atos de espionagem que motivaram a operação aconteceram durante a sua gestão.
Em março deste ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudou o órgão de lugar, posicionando-o sob a Casa Civil. Um dos propósitos da mudança é desmilitarizar a Abin, principalmente pelo fracasso dos órgãos de segurança em prever e impedir a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro.
Na virada da gestão, o GSI era comandado por Marco Edson Gonçalves Dias, o general G. Dias, que foi flagrado por câmeras de segurança transitando no Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro, sem confrontar os manifestantes golpistas. Depois que as imagens vieram à tona, ele pediu demissão.
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