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Por Mário Scheffer

Diretora da Anvisa diz estar 'assustada' com influência do Centrão e questiona decisões da agência, de vacinas a cigarro eletrônico

Com mandato sob ameaça, Cristiane Jourdan acusa também o novo secretário-executivo do Ministério da Saúde, Daniel Pereira, de ter conduzido parecer em benefício próprio; por meio de nota, pasta negou quaisquer irregularidades

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Por Mário Scheffer
Atualização:

No troca-troca de cargos do governo federal, o presidente  Jair Bolsonaro (PL) nomeou, nesta quarta-feira (11), o advogado Daniel Meirelles Fernandes Pereira para a Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde.

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Ele substituirá Rodrigo Otávio Moreira da Cruz, que estava na função desde 2021, quando sucedeu o coronel Élcio Franco, em meio a polêmicas na aquisição de vacinas contra covid.

Pereira, que era assessor especial do Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, com passagem pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), estava prestes a assumir uma vaga de diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Após sabatina, chegou a ser aprovado pelo plenário do Senado Federal, na última sexta-feira, 7, para ocupar o cargo na Anvisa.

A sua indicação à Anvisa, contudo, vinha sendo questionada pela médica e advogada Cristiane Jourdan, uma das diretoras da agência, atualmente no mesmo cargo que seria ocupado por Daniel Pereira.

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A médica e advogada Cristiane Jourdan foi sabatinada e aprovada na Comissão de Assuntos Sociais do Senado em outubro de 2020, já durante a pandemia. Pedro França/Agência Senado Foto: Estadão

Em conversa com o Blog Política & Saúde, Cristiane, interessada em se manter na Anvisa, acusa o recém-nomeado secretário-executivo de ter conduzido, em benefício próprio, processo interno no Ministério da Saúde.

Indicada para a Anvisa na gestão do ex-ministro Pazuello, ela relata que existe interferência de políticos do Centrão em nomeações na própria agência, e questiona decisões da Anvisa relacionadas ao cigarro eletrônico, aos agrotóxicos e à importação de vacinas contra covid. "Fico assustada como as coisas acontecem lá dentro. Existe uma influência enorme das indústrias, uma influência enorme do Congresso", diz.

Procurada pelo blog, a direção da Anvisa não se pronunciou até a publicação desta entrevista. Já o Ministério da Saúde, por meio de nota, negou que Pereira tenha participado da análise jurídica sobre o mandato da diretora e destacou que todos os "critérios legais" foram respeitados. A definição do nome do atual secretário, afirma a pasta, foi debatida "no âmbito da sabatina realizada de forma constitucional pelo Senado Federal".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Nomeado agora para a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Daniel Pereira havia sido indicado pelo presidente Bolsonaro e aprovado pelo Senado para uma diretoria da Anvisa na mesma vaga que a senhora hoje ocupa. O que achou da reviravolta, da nomeação de Pereira para o cargo?

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A gente teve uma nomeação (de Daniel Pereira, para a Anvisa) antecipada, num processo de indicação e sabatina também antecipado, com algumas irregularidades, um processo viciado. Essa recente nomeação para secretário-executivo pode ser uma alternativa, um consolo, caso eu permaneça na vaga. Tive uma conversa em março com Daniel, solicitei a ele uma agenda, para que pudéssemos conversar com a consultoria jurídica no Ministério da Saúde, pois a AGU da Anvisa tem parecer a favor da continuidade do meu mandato.

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A senhora encaminhou à Casa Civil o pedido de retificação, com parecer jurídico da Procuradoria Federal junto à Anvisa, favorável à continuidade do mandato da senhora, contestando, portanto, o término agora em julho de 2022. Por que o assunto vinha sendo tratado pelo Ministério da Saúde e não pela Casa Civil?

A Casa Civil incorreu num grande erro, numa grande ilegalidade. Deixou de aplicar o artigo de transição da Lei Geral das Agências Reguladoras, de 2019. O decreto da minha nomeação precisa ser retificado para que se assegure meu mandato efetivo, já que o iniciei após a vigência da lei. Meu mandato é de cinco anos, eu não poderia cumprir um mandato de três anos, encerrando agora. Solicitei essa retificação na casa Civil. O mais estranho e surpreendente para mim é que a Casa Civil encaminhou ao Ministério da Saúde esse pleito, à consultoria jurídica da saúde. O que eu entendo que já é um erro, pois eu estou pedindo à Casa Civil, que é responsável pelo ato administrativo, pelo decreto de minha nomeação assinado pelo presidente da República. Se não reverem, tenho direito de ir à Justiça, eu vou judicializar.

Há dois pareceres opostos, o do Ministério da Saúde, pelo fim imediato do mandato da senhora, e o da AGU junto à Anvisa, a favor dos cinco anos de mandato. Por que o do ministério prevaleceu?

O detalhe mais estranho, quem estava conduzindo esse processo da consultoria jurídica do Ministério da Saúde foi o Daniel, assessor do ministro Queiroga, que foi indicado e nomeado para minha vaga. Minha reunião com Daniel se deu em março. Além de ele não ter chamado o consultor jurídico para a conversa, ele disse que achava que "o Direito tem várias interpretações", que o parecer do Ministério poderia ser diferente da AGU da Anvisa. Só demonstra uma ação que corrobora os sucessivos atos de irregularidade, de ilegalidade.

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Mais alguém, além do próprio Daniel Pereira e da consultoria jurídica do Ministério da Saúde, defendeu a abreviação do mandato da senhora?

Em fevereiro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), encaminhou ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o ofício de um senador (Lucas Barreto-PSD), que eu sei que é amigo de um dos diretores da Anvisa. Ofício pedindo que meu pleito não fosse acatado, de que não fosse respeitado meu mandato de cinco anos. Eu soube que quem decidiu o meu caso e mais 23 casos, incluindo, entre eles, o Daniel (na nomeação para a Anvisa), foi um grupo composto pelo general (Walter) Braga Netto, pelo general Ramos, pelo Ciro Nogueira e pelo (Arthur) Lira. Tanto que o Daniel foi imediatamente sabatinado, embora tenha sido uma sabatina completamente atípica, pois os senadores não fizeram perguntas. E ele foi nomeado sem a minha vacância acontecer.

A senhora foi diretora do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, antes de ser nomeada pelo Presidente Bolsonaro para a diretoria da Anvisa. Também foram indicações políticas...

E são interligadas. Eu fui tirada do hospital do Bonsucesso na gestão do ex-ministro Pazuello. E quando eu entrei na Anvisa ainda era a gestão dele.

Tirada de que forma?

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Pelo que o Barra (Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa), no início, falou, eu acredito que eu tenha sido um nome. Eu fui utilizada. Porque ele um dia chegou e falou assim pra mim: "Cristiane, eu cometi um erro, eu indiquei (outro nome indicado por Barra Torres) e o Bolsonaro mandou tirar o nome. Mas quando eu falei seu nome, ele aceitou na hora".

O presidente Bolsonaro conhece a senhora?

Ele conhece porque o meu tio foi ministro do Exército no ( governo) FHC. O Bolsonaro teve uma ligação lá com meu tio. E o general Augusto Heleno também é muito amigo da minha família. Não é que eu sou amiga do presidente, mas eu já estive com ele algumas vezes.

A senhora se sente traída ou decepcionada?

Me sinto injustiçada. Quando eu fiz Direito, além de Medicina, busquei sempre uma afinidade com a questão moral e de justiça. Tive uma influência muito grande de minha mãe, que foi juíza. Minhas irmãs, uma é engenheira e juíza, a outra é psicóloga e também fez Direito. Decepção eu tenho também com a posição da Presidência, porque eles acabam se conciliando aí, com acordos com o Centrão. Sei que tem alguma coisa de interesse por trás disso. Alguma coisa errada existe. Se não querem que eu cumpra uma legalidade, que o prazo do meu mandato seja cumprido, é porque existe um interesse todo mobilizado por trás disso, um movimento grande, político.

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E quanto ao ministro Queiroga, qual a participação dele?

Todos os movimentos feitos na diretoria da Anvisa eram contra o Queiroga, mas na hora que entenderam que o Queiroga poderia ser útil, eles (diretores da Anvisa) se mobilizaram. Meu sentimento é que eles utilizaram o Queiroga.

Além do suposto interesse imediato em nomear Daniel para sua vaga, a quem mais interessaria o fim do mandato da senhora?

Eu tenho algumas decisões que não agradam, que destoam um pouco. Neste momento existem muitas relatorias importantes na Anvisa. A mais importante que eu tenho agora nos próximos dias é com relação ao DEF (Dispositivo Eletrônico de Fumar).

Embora a senhora já tenha se manifestado que cigarros eletrônicos não têm segurança comprovada, houve uma recente prorrogação, assinada pela sua diretoria na Anvisa, adiando por 30 dias a definição sobre a proibição ou não do DEF.

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Se eu não tivesse prorrogado, eles (diretores da Anvisa) iriam pedir a prorrogação, e não voltaria para mim. Eu já sei que vou ser voto vencido, como eu criei todo um constrangimento em torno do tema, porque as evidências (dos malefícios do cigarro eletrônico) são enormes. Eles sabem que eu vou votar contra, eles sabem disso. Vão pedir vistas, vai ser sorteado um outro relator. Junto com a AIR (Análise de Impacto Regulatório, documento prévio à edição de atos normativos ) eu apresentarei uma proposta de resolução, uma RDC (Resolução de Diretoria Colegiada), que vai ter que ir para consulta pública. Quanto mais eles puderem, vão postergar o problema.

Pareceres da própria área de toxicologia da Anvisa destacam evidências de que o carbendazim, um dos agrotóxicos mais usados no Brasil (porém banido em muitos países), traz riscos à saúde, pode causar câncer e afetar o desenvolvimento. Como vê o recente adiamento, pela Anvisa, da decisão final de banir ou liberar esse fungicida?

Já tinha evidências suficientes de malefícios do carbendazim no organismo humano e animal. Os diretores Alex e Marluze (Alex Campos e Marluze Freitas, da Anvisa) interromperam a (sessão) colegiada, pediram vistas. Eles pediram diligência pro Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e um TPS (Tomada Publica de Subsidio). Não é competência do Mapa, que já tinha tido oportunidade de se manifestar. A avaliação toxicológica depende só da Anvisa. O que está sendo argumentado pelos diretores é para postergação, para protelar o processo. Isso significa que toda a indústria que utiliza o carbendazim vai continuar comercializando, sem nenhum tipo de proibição.

No ano passado, o voto da senhora foi o único, entre os diretores da Anvisa, contrário à importação emergencial das vacinas Covaxin e Sputinik. Embora não tenha ocorrido a importação, essa aprovação não foi controversa, até considerando os desvios, revelados pela CPI da Covid, nas negociações desses imunizantes?

Talvez tenha sido a primeira manifestação que eu tenha criado um descontentamento, internamente, na Anvisa. Eu não aprovei (a importação excepcional), mas a Covaxin e a Sputinik foram aprovadas com mais de 20 condicionantes. Teve influência política? Com certeza. A Covaxin, por parte do governo e a Sputinik, por parte do consórcio Nordeste. Embora eu tenha sido vencida, por quatro votos a um, foi muito forte meu voto. Fui retaliada logo em seguida. Pressão inclusive em cima de mim. Eu sou quase como uma alienígena.

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Houve perda da qualidade técnica do trabalho da Anvisa?

É surreal o que acontece na Anvisa. Essas decisões são feitas de uma maneira, as argumentações, às vezes elas são feitas só por constar. A gente vê que as decisões, quando elas não podem ser mitigadas, elas são retiradas de pauta, retira um ano e não volta, nunca mais aparece. Fico assustada, como as coisas acontecem lá dentro. Existe uma influência enorme das indústrias, uma influência enorme do Congresso. E vocês entendem o que eu estou falando.

Veja a íntegra da resposta do Ministério da Saúde:

"O processo sobre a definição do secretário-executivo Daniel Pereira para diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi debatido no âmbito da sabatina realizada de forma constitucional pelo Senado Federal. Toda a análise jurídica foi realizada, respeitando os critérios legais, pela consultoria jurídica da Advocacia Geral da União (AGU) junto ao Ministério da Saúde, não havendo qualquer participação do então assessor especial Daniel Pereira."