O candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) reuniu cerca de 200 pessoas entre médicos de destaque, parlamentares do PT, empresários da saúde, gestores públicos e movimentos ligados ao SUS. No encontro, Alckmin assumiu compromisso de maior financiamento federal para a área, alegando que não seria "possível cumprir a missão civilizatória do SUS apenas com 3,8% do PIB para a saúde".
Ele lamentou a atuação de algumas entidades médicas e disse que seria preciso "chamá-las à responsabilidade", referindo-se a posições anticiência durante a pandemia e que podem estar contribuindo para a diminuição das coberturas vacinais no Brasil.
Ao lado de Alckmin, o médico Drauzio Varela falou de sua decepção com parte da categoria médica. "Com 55 anos de formado, nunca imaginei que teria vergonha de colegas de profissão", disse.
Parecia até que doutor Drauzio estava sintonizado na TV Câmara, que transmitia ao vivo o ato bolsonarista.
Sob pretexto de homenagear o dia do médico, produziu-se uma sessão bizarra, convocada pelos deputados federais Zacarias Calil (União-GO), reeleito, e Hiran Gonçalves (PP-RR), eleito senador.
A anunciada presença de Bolsonaro não se confirmou, pois no mesmo horário o presidente cumpria agenda de campanha em São Gonçalo (RJ).
Esvaziado, o evento pode ser narrado em três atos.
Inicialmente, coube ao ministro da saúde, Marcelo Queiroga, animar a claque, formada por pouquíssimos representantes de entidades e muitos estudantes de Medicina de uma única escola privada de Goiás, que vestiam camisetas verde e amarelo. Em um momento, no qual se emocionou, Queiroga foi muito aplaudido ao afirmar que "os médicos vestem branco, não vestem vermelho e jamais vestirão."
Recebidos no local aos gritos de "mito" e "vai pra Cuba", manifestantes ligados à Rede Nacional de Médicos Populares, contrários a Bolsonaro, foram ameaçados pelo presidente do CFM, José Hiran Gallo, que era o orador no momento do tumulto. Ele disse: "São pessoas com QI de ameba. Como praticante de artes marciais, não me metem medo, todos são covardes, despreparados, moleques."
Convidado de honra, o jornalista Alexandre Garcia ocupou a tribuna para contar estórias de "curas de covid" atribuídas à cloroquina.
"Chegamos a fazer um mutirão para salvar um motorista de Uber que estava intubado em Santa Maria (Distrito Federal). E se safou, graças ao remedinho", disse o jornalista. Segundo Garcia, o paciente teria recebido o "pozinho" por via endovenosa.
Ele também falou sobre o suposto caso de uma empregada doméstica. "Uma arrumadeira que trabalha para mim. Quando falei para minha mulher que tínhamos que curar a Raimunda... Agora, no oitavo dia, já foi pro pulmão. Três dias depois da entrada do protocolo, ela já estava trabalhando", afirmou Alexandre Garcia.
Passaram pelo ato o Ministro da Educação, Victor Godoy, e parlamentares da base do governo que protestaram contra a abertura de cursos de Medicina, o programa Mais Médicos e a flexibilização do Revalida - o exame para que médicos formados no exterior possam obter registro profissional no Brasil.
Até uma fake news antiga foi requentada, a de que o Mais Médicos seria uma contrapartida de esquema de corrupção envolvendo a construção do porto de Mariel, em Cuba.
Um olhar sobre os dois eventos do Dia do Médico revela que não se trata apenas de diferenças de opinião sobre a saúde no Brasil.
Apoiadores extremistas de Bolsonaro querem repetir a dose letal nos próximos quatro anos.
Para além de divergências, a frente ampliada da saúde reunida por Alckmin lançou um apelo humanista e lúcido a favor da mudança.
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