BRASÍLIA – Com três ministérios na Esplanada, o União Brasil tem certeza de que a candidatura de Elmar Nascimento (BA) à presidência da Câmara começou a definhar quando o Palácio do Planalto agiu, nos bastidores, para dar uma rasteira no deputado. Mesmo assim, Elmar se uniu a outro candidato, Antônio Brito (PSD), e decidiu continuar no jogo. Mas uma ala do partido quer entregar os cargos e se aliar ao PL do ex-presidente Jair Bolsonaro na oposição ao governo, a partir da virada do ano.
A estratégia do União Brasil para não se render à vontade do Planalto será assunto de uma reunião de sua bancada na Câmara, na tarde desta terça-feira, 10. Por enquanto, porém, embora deputados manifestem repúdio ao que chamam de “interferência” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no episódio, o divórcio não está na pauta.
Não é da natureza do União Brasil entregar cargos, mas a irritação do partido liderado por Elmar pode se traduzir em votos contrários ao governo na Câmara, depois das eleições municipais. Atualmente, a sigla ocupa os ministérios das Comunicações, do Turismo e da Integração e Desenvolvimento Regional. Como mostrou o Estadão, após a entrada de ministros do Centrão na equipe, incluindo uma troca no União Brasil, o governo Lula viu subir o nível de “governismo” do partido nas votações de interesse do Executivo.
Embora Lula tenha dito que lavará as mãos na disputa do Congresso, as articulações do Planalto, nos últimos dias, indicam que o presidente não quer ter Elmar no comando da Câmara, assim como não o quis como ministro. O líder do União Brasil, que na campanha de 2022 associou Lula à “roubalheira na Petrobras”, é considerado pelo núcleo duro do governo como uma espécie de “longa manus” do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). E, apesar de contar com o apoio de um grupo de deputados do próprio PT, não tem a confiança do Planalto.
“Se o veto ao Elmar é do presidente Lula, defendo a tese de que o partido entregue os ministérios e caminhe no nosso leito normal da política, que é o da oposição ao PT”, disse ao Estadão o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
Pré-candidato ao Planalto, em 2026, Caiado nega que sua posição esteja relacionada à entrada do deputado Hugo Motta (PB), líder do Republicanos, na corrida pela presidência da Câmara.
“Não tenho nada pessoal contra Hugo Motta, mas o que fizeram com Elmar foi muito desrespeitoso”, afirmou o governador de Goiás. Motta é do mesmo partido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O chefe do Executivo paulista pode ser adversário de Caiado, em 2026, se concorrer à sucessão de Lula.
Na terça-feira passada, 3, quando desistiu de sua candidatura para indicar Motta, o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), não escondeu o inconformismo com a falta de apoio por parte de Gilberto Kassab, secretário de Governo na gestão Tarcísio. Ao renunciar, portanto, ele tinha certeza de que também destruiria o plano montado pelo colega.
Presidente do PSD, Kassab não concordou em retirar da disputa na Câmara o deputado Antônio Brito, líder de seu partido, em nome de um acordo para aderir à campanha de Marcos Pereira.
Todos os movimentos de Pereira foram informados a Lula, que dizia não querer se envolver naquele confronto, mas pedia um candidato de consenso para a sucessão de Lira.
Elmar diz que ‘Centrão virou centrinho’
Mesmo com a reviravolta provocada pela entrada de Motta no páreo, porém, Brito e Elmar mantiveram as pré-candidaturas. Na noite desta segunda-feira, 9, os dois participaram de mais uma reunião, em Brasília, e combinaram o jogo com a seguinte regra: quem estiver mais bem posicionado nesse cabo de guerra se compromete a apoiar o outro em eventual segundo turno.
O encontro desta segunda-feira, programado sob medida para mostrar que está tudo bem e tirar fotos, ocorreu na casa do ministro do Turismo, Celso Sabino, e contou com a presença do titular das Comunicações, Juscelino Filho, além de deputados e do presidente do União Brasil, Antonio Rueda.
‘’Estamos construindo um centro democrático. O Centrão virou centrinho”, disse Elmar ao Estadão, dando uma estocada na direção de Motta e do próprio Lira, expoente do Centrão.
O líder do União Brasil negou que o partido vá romper com o Planalto. “Tem gente que quer isso mesmo, mas a disposição do nosso bloco nunca foi a de rachar com o governo. Nós queremos abrir um diálogo que estava interditado”, argumentou Elmar, numa referência à briga entre Lira e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Elmar deve se encontrar com Lula ainda nesta semana. Na tarde desta terça-feira, ele terá uma reunião com Padilha, acompanhado dos ministros Juscelino Filho e Celso Sabino.
O imbróglio na Câmara uniu até mesmo Kassab e o vice-presidente do União Brasil, ACM Neto, que se encontraram em São Paulo, há uma semana, após um longo período de afastamento.
Kassab fez muitas inimizades no antigo DEM (hoje União Brasil) desde que deixou o partido, em 2011, levando dali um expressivo grupo para fundar o PSD. Na semana passada, no entanto, a direção do União Brasil decidiu montar uma estratégia conjunta com o PSD de Kassab que envolve até mesmo negociações entre as duas legendas para apoio nas eleições internas do Senado.
Na Casa de Salão Azul, o favorito para a vaga de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), hoje presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Foi Alcolumbre quem indicou o ex-governador Waldez Góes, à época no PDT, para o Ministério da Integração. Juscelino Filho e Celso Sabino, por sua vez, foram apadrinhados pela Câmara.
Nos bastidores do Planalto, a avaliação é a de que a desistência de Elmar e Brito é apenas questão de tempo. Na prática, a preferência do governo e da cúpula do PT sempre foi por Brito. Mas há uma percepção de que, apesar de contar com a simpatia de seus pares, o deputado enfrenta resistência de dirigentes de partidos. Motivo: para muitos deles, uma vitória do líder do PSD na Câmara significaria fortalecer Kassab no tabuleiro político.
Racha é cada vez mais evidente
Arthur Lira não pode concorrer a novo mandato à frente da Câmara e ainda não anunciou oficialmente quem apoiará para sua sucessão. De qualquer forma, já disse a Elmar que Motta tem potencial para reunir mais votos, o que deixou o líder do União Brasil deprimido.
O presidente da Câmara ainda tenta construir um acordo em torno de uma única candidatura do Centrão, mas o racha no grupo ficou evidente.
“Na hora em que o presidente Lula se posiciona de um lado, acaba empurrando para o outro gente que até agora estava ao lado do governo. Isso quebra a base aliada”, criticou o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), numa referência a seu próprio partido. “Então, nós vamos fazer um movimento de solidariedade ao Elmar e é importante que a Executiva do partido se manifeste depois”, emendou Forte, que foi relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.
O embate nas fileiras do Centrão também atingiu o PL de Bolsonaro. Uma parte da bancada na Câmara quer agora apoiar Motta e outra, Elmar. O voto é secreto e as eleições que renovarão o comando da Câmara e do Senado estão marcadas para fevereiro de 2025.
A garantia de apoio ao projeto de lei que prevê anistia aos presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 virou agora moeda de troca para que o candidato à cadeira de Lira ganhe o aval do PL. O partido de Bolsonaro é o maior da Câmara, com 92 dos 513 deputados. O União Brasil tem a terceira maior bancada, com 59 parlamentares, ficando somente atrás do PL e da federação formada por PT, PCdoB e PV, com 80.
O projeto da anistia entrará na pauta desta terça-feira, 10, da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, presidida pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), aliada de Bolsonaro. Elmar apoia essa proposta.
“É claro que vamos vincular isso à eleição para a presidência da Câmara”, admitiu o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que é amigo de Bolsonaro. “E, se ficar configurado que a entrada do Hugo Motta foi engendrada no Planalto, a tendência do PL será se distanciar de uma candidatura nesses moldes porque, onde o Lula estiver, estaremos do outro lado.”
Lula se reuniu com Motta na semana passada. O líder do Republicanos também esteve com Bolsonaro, em busca de respaldo do PL. Apesar de Motta ser muito próximo de Arthur Lira, do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha – que autorizou a abertura do processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rosseff – e do senador Ciro Nogueira (PI), que comanda o PP e é ferrenho opositor do governo, Lula foi informado de que não precisava se preocupar com ele.
Motta tem sido apresentado por seus colegas como um político governista, seja qual for o governo. Além disso, é compadre do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), um de seus avalistas.
Renan Filho já começou até mesmo a pedir votos para Motta no MDB. O empenho do ministro desanimou o grupo de Kassab, que esperava conquistar ao menos uma parte do MDB, já que o deputado Isnaldo Bulhões (AL), líder do partido na Câmara, deve seguir o exemplo de Marcos Pereira e retirar a pré-candidatura.
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