No começo deste mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli apontou a falta de um pedido formal à Suíça por parte do Ministério Público Federal (MPF) como razão para anular provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht. Toffoli emitiu a decisão após o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmar, em 21 de agosto deste ano, não ter encontrado os documentos que comprovariam o pedido. Informações prestadas pelo próprio MJSP mostram, no entanto, que a busca parece ter sido feita com pouco afinco ou de maneira desleixada.
A Pasta usou como argumento de busca o número de um processo que só foi aberto depois do pedido de cooperação formal ser feito à Suíça – ou seja, que não existia quando o ofício foi enviado ao país europeu. E também ignorou a palavra-chave mais óbvia: os números dos ofícios, que já estavam nos autos do processo do STF. O fato do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino (PSB), não ter conseguido encontrar os arquivos foi ao encontro da decisão de Dias Toffoli, que beneficiou a defesa do presidente Lula (PT).
Quando a Justiça brasileira precisa usar provas que estão sob poder de governos estrangeiros, o pedido de envio do material deve ser encaminhado por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça. Foi o que aconteceu no caso das provas advindas dos sistemas informatizados Drousys e MyWebDay, usados pela Odebrecht para contabilizar pagamentos de propina a agentes políticos.
Além de contar com os números dos ofícios no próprio processo do STF, o DRCI mantém controles sobre todos os pedidos de cooperação jurídica feitos pelo Brasil. O órgão inclusive publica anualmente estatísticas sobre os pedidos recebidos e enviados, elaboradas com base em um Sistema Gerencial (SG-DRCI) e publicadas no site do ministério.
Nesta segunda-feira (11), o DRCI enviou ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF) explicando o porquê de não ter encontrado os documentos quando da primeira resposta, em 21 de agosto. Segundo o documento, servidores do órgão fizeram buscas no “Sistema de Gestão (SG) e no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), além das “pastas digitais mantidas na rede deste Ministério (na qual são mantidos arquivos digitalizados de casos mais antigos (...)”.
O ofício diz ainda que os servidores buscaram pelos termos “Drousys” e “MyWebDay B”, além do número do processo da 13ª Vara de Curitiba em que se deu o acordo de leniência da Odebrecht, de número 5020175-34.2017.4.04.7000. O processo, porém, é de 2017 – enquanto o pedido de cooperação foi enviado à Suíça em 3 de junho de 2016. Portanto, seria impossível encontrar algo usando este termo de busca.
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O DRCI também deixou de usar os números dos ofícios nas buscas, embora estes estivessem disponíveis no mesmo processo no qual Toffoli emitiu a decisão anulando as provas. Os números dos ofícios foram mencionados em documentos juntados aos autos pela Corregedoria do Ministério Público Federal.
Mais tarde, diz o DRCI, “foram publicadas na mídia informações específicas sobre o pedido de cooperação jurídica internacional buscado, como os números de ofícios e datas de envio do pedido”. “A partir disso, foram realizadas novas buscas, com base nas informações detalhadas”, e os processos foram enfim encontrados.
“Certamente que, buscando por estes termos, não iam achar nada. O pedido foi feito antes do acordo de leniência. Não existia nem o acordo e muito menos o processo. Eu não sei dizer como é o sistema de busca e documentação do DRCI. Mas certamente eles mantêm um controle sobre os diversos pedidos feitos. Então, eu imagino que teria como achar (os números dos ofícios)”, diz o procurador Ubiratan Cazetta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
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Como explicou Cazetta em entrevista ao Estadão, as provas dos sistemas de “contabilidade paralela” da Odebrecht poderiam ser usadas mesmo sem o envio das mesmas por parte das autoridades suíças. Em 23 de março de 2017, a própria empreiteira entregou os arquivos extraídos dos sistemas Drousys e MyWebDay à Justiça, como parte de seu acordo de leniência, de forma independente dos suíços. Os mesmos arquivos chegariam depois vindos do país europeu.
Procurado, o Ministério da Justiça informou que o DRCI recebeu ofício do STF indagando sobre a cooperação jurídica internacional e que o ofício “continha três parâmetros de busca: um número de processo e o nome de dois sistemas informáticos”. “O número de processo continha um erro e a pesquisa através dos nomes restou infrutífera. Está aí porque o primeiro ofício resposta do DRCI informou sobre a não localização de referida cooperação jurídica”, destacou a Pasta.
A diretora do DRCI, Carolina Yumi, indicou ainda que “ao DRCI cabe cumprir as solicitações de informação recebidas nos exatos termos indicados e as pesquisas internas foram realizadas seguindo as orientações fornecidas, não sendo identificados procedimentos que obedecessem a esses critérios”.
Ela esclarece ainda que “não foi franqueado acesso ao inteiro teor do processo (RCL 43007) para que fossem realizadas buscas em todos os documentos ali existentes, incluindo ofícios”, e acrescenta que, “quanto ao número da Ação Penal, foi exatamente esse o que constou do ofício do STF que ao DRCI cumpria proceder as pesquisas.”
Segundo o MJSP, após a ANPR divulgar uma nota afirmando ter havido sim o acordo de cooperação, o DRCI fez nova busca e encontrou os documentos. “No mesmo momento, de forma espontânea, o MJSP comunicou tal fato ao ministro Dias Toffoli do STF”, enfatiza a Pasta.
“Importante mencionar que em tais documentos há uma série de datas, inclusive aquelas em que a cooperação jurídica foi de fato efetivada. Em 26 de setembro de 2017 o DRCI encaminhou à Procuradoria Geral da República (PGR) o material objeto da cooperação. Posteriormente, em 2 de outubro de 2017, há uma nova remessa de informações à PGR, desta vez com uma senha já que o material probatório em pen drive estava bloqueado por uma senha. Por fim, ressalta-se que o dia 2 de outubro de 2017 é, portanto, a data do encerramento da formalização da cooperação jurídica e qualquer uso de informações ou provas em data anterior a essa constitui desrespeito aos trâmites legais de uma cooperação jurídica internacional”, completa o Ministério, que diz caber agora ao STF avaliar as novas informações prestadas.
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O que eram os sistemas Drousys e o MyWebDay
Ambos os sistemas eram usados por funcionários da empreiteira para controlar o fluxo de pagamentos de propinas a políticos. O Drousys consistia principalmente em um meio de comunicação entre os empregados do chamado “departamento de operações estruturadas” da Odebrecht – a divisão da empresa responsável pelos pagamentos de propinas.
Já o MyWebDay servia como uma espécie de sistema de contabilidade diária. Era ali que ficavam armazenados os extratos bancários, os comprovantes de transferências e as planilhas com os registros dos repasses de dinheiro. Alguns dos comprovantes foram encontrados no Drousys – mas apenas quando os empregados da Odebrecht enviavam as informações.