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Opinião|Por que Trump ganha imunidade nos EUA e Bolsonaro é mantido inelegível no Brasil?

Há quem queira resgatar a frase mal-posta do embaixador brasileiro nos EUA, o baiano Juracy Magalhães: “o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”

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Foto do author Francisco Leali
Atualização:

A semana que começou com a Suprema Corte dos Estados Unidos dando imunidade ao ex-presidente Donald Trump de atos praticados no exercício da função de chefe de governo termina com o ex-presidente Jair Bolsonaro indo celebrar quem está à direita ou à extrema dela em terras brasileiras. Acima do Equador, Trump ganha uma espécie de salvo-conduto para disputar as eleições norte-americanas, enquanto aqui o ex-capitão está inelegível por decisão da Corte que regula o processo de votação, o Tribunal Superior Eleitoral. Com a direita brasileira toda reunida no fim de semana no balneário de Camboriú certamente se fará a pergunta: se Trump está blindado, por que Bolsonaro segue encurralado pelo Judiciário?

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Há quem queira resgatar a declaração mal-posta do embaixador brasileiro nos EUA, o baiano Juracy Magalhães: “o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”. A frase fora dita no contexto de 1964, com regime militar instaurado pós-golpe. Anos depois, o político feito diplomata tentou explicar o mal-entendido lembrando que antes de proferir a frase teria afirmado que os dois países estiverem juntos em duas guerras, portanto, o que é bom.... Prevaleceu, entretanto, a versão de que o dito era um ajoelhar-se perante o irmão do Norte.

Passados 60 anos, lembrar do episódio, com intenção oposta serve aos bolsonaristas. Afinal, com o Poder Judiciário dos EUA declarando, por maioria, que um presidente não pode ser processado por atos que perpetra com intenção de governar, o mesmo espírito deveria espalhar-se pelo mundo jurídico dos regimes democráticos.

Encontro de Donald Trump com Jair Bolsonaro e o filho na Casa Branca  Foto: Alan Santos/Presidência da República

Pode-se argumentar ainda que Trump, entre outras coisas, é acusado de tentar impor sua vontade sobre o processo eleitoral e ainda instigar a invasão do Capitólio. Fatos semelhantes aos imputados a Bolsonaro. O TSE o fez inelegível por usar o Palácio da Alvorada para contestar o sistema de coleta de votos no País a embaixadores estrangeiros e, num segundo julgamento, por usar atos públicos do 7 de Setembro para tirar proveito eleitoral e ainda instigar as Forças Armadas para estar junto a seus projetos de permanecer no cargo.

Numa decisão questionada por liberais, a Corte dos EUA entendeu que um presidente da República deve ter imunidade de seus atos no cargo, mas não fora dele. Ou seja, se Trump cometeu um crime que não tem relação com o exercício do Poder, pode ser processado e sofrer as consequências jurídicas de uma eventual condenação. Mas o mesmo não vale se o ato for por ter uma visão própria do que cabe ao chefe do Executivo.

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No meio jurídico, costuma-se dizer que a base do Direito norte-americano é diversa. Nossa fonte, é o direito romano, explicam, e disso decorreria outro modo de agir dos tribunais. Se nos EUA a Constituição redigida ainda no século XVIII não chega a dez artigos, a brasileira de 1988 está, por enquanto, com 137 e segue sendo emendada.

Nossa Carta magna, estabelece que o presidente da República está protegido da caneta de juízes das cortes espalhadas pelo País. Mas deve seguir os atos do Supremo Tribunal Federal. A Suprema Corte é a única com poder para processar o chefe do Executivo brasileiro por seus crimes cometidos no exercício do cargo. Então, se nos EUA o novo entendimento fala em imunidade, no Brasil o que vale é a foro privilegiado. Ocorre que esse benefício de um tribunal especial vale para o presidente enquanto está no poder, fora dele, o caso deveria estar na mão de qualquer juiz, mas segue sob o manto dos ministros do STF.

Fica então a última palavra sobre o destino de Bolsonaro na mão do Supremo. Se a Corte estivesse repleta de ministros com o perfil dos que devem comparecer à festa da direita na praia de Santa Catarina, talvez o entendimento pudesse ser outro e o ex-presidente ainda estaria com direitos políticos preservados.

Mas a história por aqui é outra. Bolsonaro que não gostava de vacina, tratava as Forças Armadas como se fossem suas e instigou seus mais ferozes seguidores a atropelar a Praça dos Três Poderes, por enquanto, está impedido de ter o nome na urna eletrônica. Nesta quinta-feira, 4, a Polícia Federal acrescentou à ficha criminal de Bolsonaro mais um ponto. Ele foi indiciado por suposto crime no caso das joias da Arábia Saudita, caso revelado pelo Estadão. Nesse caso, aquele que fora saudado como mito fora flagrado em posição de quem quer por no bolso o patrimônio que é do Estado.

O caminho do processo criminal ainda levará algum tempo. Não se sabe ainda se vai coincidir com o calendário eleitoral. Ainda assim, Bolsonaro permanece inelegível. A não ser que o TSE, em 2026, sob o comando dos ministros Nunes Marques e André Mendonça mude o rumo, por uma liminar ou mesmo decisão do plenário, e libere a candidatura do ex-presidente.

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Nesse cenário hipotético, a decisão ainda bateria no Supremo. A confusão estará formada em ano eleitoral se uma corte disser sim e outra não. O imponderável de hoje costuma ser o possível de amanhã.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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