O Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou nesta terça-feira, 25, o porte de maconha para uso pessoal. O entendimento do Supremo possui repercussão geral e muda a jurisprudência sobre a substância no País.
Ainda que a mudança não tenha sido, propriamente, uma legalização do uso de maconha, o resultado do julgamento despertou reações no mundo político, suscitando o debate sobre os papéis da Corte no relacionamento entre os Três Poderes.
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Líderes do Legislativo, por um lado, afirmam que os magistrados se sobrepõem ao escopo de legislar, próprio da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; representantes do STF, por sua vez, reforçam que a Corte se atém a matérias jurídicas e que, quando é convocada, o faz por iniciativa do mundo político.
7 frases sobre embate entre STF e Congresso
Barroso: ‘Vontade do Congresso vai prevalecer’
Luís Roberto Barroso, presidente do STF, enfatizou que a decisão da Corte “não legalizou a maconha”, reforçando que as alegações em contrário eram “desinformação”. “O Supremo não está legalizando o consumo de maconha. O Supremo está estabelecendo regras para nós enfrentarmos da melhor maneira possível o fenômeno que é as drogas”, afirmou o magistrado.
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Barroso afirmou que o STF versou sobre matéria criminal e que a legalização propriamente dita era atribuição do Legislativo. Segundo o ministro, é “a vontade do Congresso que vai prevalecer”, desde que a decisão seja “compatível com a Constituição”.
Pacheco: ‘Invadindo a competência’
A proposta em tramitação no Congresso em estágio mais avançado para a aprovação do Legislativo é a PEC das Drogas, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A matéria ganhou tração entre senadores à medida em que avançava o julgamento no STF.
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O texto criminaliza a posse e o porte de entorpecentes “independentemente da quantidade”, indo de encontro ao que acaba de definir o Supremo. Segundo o senador, o STF está “invadindo a competência legislativa que é própria do Congresso”.
Lira: PEC das Drogas terá ‘tramitação normal’
Aprovada no Senado, a PEC das Drogas seguiu para a Câmara. O deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, já criticou publicamente o que chamou de “excessos” do STF, mas, no que tange o porte de maconha para uso pessoal, manteve o posicionamento discreto e prometeu “tramitação normal” à proposta de Pacheco, que será esmiuçada por um grupo de trabalho.
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Lula: STF ‘não tem que se meter em tudo’
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou a decisão do Supremo como “nobre”, mas disse que o STF não é local mais adequado para o assunto e que, se fosse solicitado por um magistrado, o aconselharia a recuar, pois a Corte “não tem que se meter em tudo” e gera um clima de hostilidade entre os Três Poderes.
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“Eu acho que é nobre que haja diferenciação entre o consumidor, o usuário e o traficante. É necessário que a gente tenha uma decisão sobre isso, não na Suprema Corte, pode ser no Congresso Nacional, para que a gente possa regular”, declarou o petista em entrevista ao UOL. “A Suprema Corte não tem que se meter em tudo. Ela precisa pegar as coisas mais sérias sobre tudo o que diz respeito à Constituição e virar senhora da situação, mas não pode pegar qualquer coisa e ficar discutindo, porque aí começa a criar uma rivalidade que não é boa, a rivalidade entre quem manda, o Congresso ou a Suprema Corte”, disse.
Gilmar: ‘Falta consenso básico no meio político’
O ministro do STF Gilmar Mendes rechaçou a crítica de que a Corte se sobrepõe às atribuições do Congresso. Segundo o magistrado, o Supremo não pede para julgar temas polêmicos e é chamado a agir por iniciativa dos próprios políticos.
“O Supremo não tem uma banca pedindo causas para lá; na verdade, são as pessoas que provocam”, afirmou Gilmar no 12º Fórum de Lisboa. “Isso tem a ver, talvez, com a falta de um consenso básico no meio político”.
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“Esse é o modelo constitucional que está colocado, tanto é que nós vimos falas de vários líderes dizendo que tem que reduzir o acesso ao Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política”, prosseguiu o magistrado, referindo-se a uma declaração de Arthur Lira em março deste ano sobre “subir um pouco a régua” na delimitação de quem pode ajuizar ações no STF.
“A disputa ideológica interfere na autonomia do Poder Legislativo em elaborar a lei”, disse Lira durante uma conferência. Na ocasião, o presidente da Câmara criticou grupos políticos sem maioria no Congresso que recorrem ao STF. Uma prática comum é a manifestação de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), um dispositivo que, se julgado procedente pelo Supremo, pode anular uma legislação. “O Congresso nada mais é que a representação brasileira, com um assunto amplamente discutido. Não é um único parlamentar que vai demandar uma ADI”, criticou Lira, propondo que menos entidades estivessem aptas a manifestar ações do gênero.
Quanto à declaração de Lula sobre o STF “se meter em tudo”, Gilmar afirmou se tratar de “autocrítica ao próprio sistema”.
Fux: ‘Brasil não tem governo de juízes’
Durante o julgamento do STF que descriminalizou o porte de maconha, o ministro da Corte Luiz Fux reforçou que “o Brasil não tem governo de juízes”, reiterando que o mérito debatido era jurídico.
“As críticas em vozes mais ou menos nítidas e intensas de que o poder Judiciário estaria se ocupando de atribuições próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular, reservadas apenas aos poderes integrados por mandatários eleitos. Nós não somos juízes eleitos, o Brasil não tem governo de juízes”, afirmou Fux.
Fux alegou que a Corte estava adotando uma postura “minimalista” sobre a matéria, “respeitando as autoridades competentes”. “O dissenso científico sobre a matéria orienta a Corte a adotar, no meu modo de ver e com respeito aos magníficos votos que foram aqui proferidos, uma postura minimalista, de não intervenção direta e de respeito às autoridades competentes”, afirmou o ministro.
Toffoli: ‘Deferência ao Congresso’
O voto do ministro do STF Dias Toffoli determinou que o Executivo e o Legislativo criem, no prazo de 18 meses, uma política pública capaz de separar juridicamente as condutas de uso pessoal de maconha e tráfico de drogas. Ao fim da sessão, o magistrado reforçou que seu voto se portava como uma “deferência ao Congresso” e às atribuições do legislador. Disse ainda que o mérito debatido, pelo qual votou a favor da descriminalização, versou meramente sobre um tema jurídico.
“Meu voto, ao não fixar um valor de gramas, dá a deferência ao Congresso, mas não significa que o Congresso pode vedar ou criminalizar o consumo”, disse Toffoli. Na quarta, 26, o STF fixou que pessoas abordadas com até 40 gramas de maconha, ou seis plantas fêmeas, devem ser tratadas como usuárias. Este critério prevalece até uma disposição do Congresso.
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“Deferindo” a competência ao Congresso, Toffoli criticou, por outro lado, órgãos do poder público que “lavam aos mãos” diante de suas responsabilidades. Para exemplificar, citou a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), que não versou sobre a importação de canabidiol para tratamentos terapêuticos e fez com que o tema chegasse ao plenário do Supremo.
“Omissão do Estado, de uma agência reguladora importantíssima. E aí esses temas vêm parar no Judiciário”, afirmou Toffolli, comparando a inanição com um “lavar de mãos”.