O volume de emendas parlamentares liberadas pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), bateu recorde. Foram R$ 263,7 milhões em 2022 – o maior montante destinado a vereadores em sete anos –, de acordo com levantamento do Estadão. Parte das verbas constitui um orçamento secreto, que, segundo a descrição divulgada pela Prefeitura, foi destinada a “obras”, “melhorias nos bairros”, “eventos” e “aquisição de insumos”, entre outras rubricas. Não é possível saber, no entanto, quais “obras”, “melhorias”, “eventos” ou “aquisições” foram feitas com as emendas dos vereadores.
O aumento em relação a 2021, quando foram autorizados R$ 200,4 milhões, é de 30%. Ocupantes das 55 cadeiras da Câmara Municipal costumam divulgar os feitos em redutos eleitorais. Os vereadores usam faixas, cartazes ou folders eletrônicos, em redes sociais, com menção à destinação das emendas para uma determinada ação nos bairros. Porém, falta clareza na forma como as verbas são investidas, o que dificulta o acompanhamento pelos cidadãos do uso do dinheiro público.
O Estadão detectou que 6% do total das emendas liberadas no ano passado – R$ 26,9 milhões – caiu em uma espécie de limbo da transparência. Oriundo da Câmara, onde exerceu dois mandatos antes de assumir a Prefeitura após a morte de Bruno Covas (PSDB), em 2021, Nunes cumpre à risca a liberação das emendas, mesmo sem execução obrigatória na capital. O atual governo é chamado de “gestão parlamentarista”. A Prefeitura diz, em nota, cumprir a lei, de forma transparente.
No entanto, para descobrir como foi usado o recurso destinado a “eventos”, por exemplo, a orientação oficial da gestão Nunes é para que o munícipe registre um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) na internet, processo que pode demorar até 30 dias. Porém, a via-sacra pelo dado começa antes, na busca pelo código da emenda, número cadastrado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura.
Para se chegar até o SEI, o caminho é acessar o site da Secretaria da Casa Civil, que, por sua vez, não tem nenhum link direto para a área relativa às emendas parlamentares. Nessa altura da pesquisa, pode-se fazer uma busca pela palavra ou abrir cada aba para descobrir emendas sob o guarda-chuva da Coordenadoria de Ações Municipais (CAM). Na sequência, listas por ano mostram os empenhos liberados, mas sem a possibilidade de pesquisa avançada por partido ou parlamentar.
Vitrine
Enquanto há obstáculos para acompanhar a aplicação dos R$ 5 milhões anuais aos quais os vereadores têm direito de manejar no orçamento com custeio de equipamentos públicos, ações de zeladoria e contratações artísticas, entre outras dotações possíveis, há vereadores que divulgam todas as agendas externas nas redes sociais. É o caso de Edir Sales (PSD).
Em 2022, a parlamentar destinou quase R$ 600 mil para “apoio à realização de eventos na cidade de São Paulo”. Nem a vereadora nem a Prefeitura explicam de maneira transparente como a verba foi gasta. Sem ter acesso a uma lista detalhada das emendas, a reportagem questionou a assessoria da vereadora sobre a festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul. Nas fotos, ela posa diante de uma faixa de apoio estendida na entrada do mercado municipal, mas, segundo seu gabinete, o evento não contou com emenda.
Outros R$ 2,1 milhões foram usados em infraestrutura do esporte amador, campeonatos de skate e luta-livre e equipamentos de ginástica. Como já revelado em 2020 pelo Estadão, o investimento prioritário dos vereadores tem sido o custeio de eventos esportivos, culturais e festas de bairro. No ano passado, praticamente todos os colegas da vereadora destinaram recursos para “revitalização de campo de futebol”, “ampliação de atendimento do SUS” e outros tantos gastos secretos.
O repasse se acentuou e chegou a quase R$ 200 milhões em 2021 e 2022 às mais variadas competições, shows musicais, produções audiovisuais, desfiles de moda e até mesmo locação de autódromo, entre eles o de Interlagos, para a promoção de eventos privados. É o que fez, de forma recorrente, o vereador Sidney Cruz (Solidariedade), no ano passado. Foram R$ 325 mil em nove aluguéis. A maior parte dos vereadores propagandeia, assim como Edir, as realizações dos mandatos. De acordo com eles, a publicidade dá transparência à função, além de servir como uma espécie de prestação de contas.
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No quesito falta de transparência, há exceções. Segundo o site da Casa Civil, o vereador Fernando Holiday (Novo) é um dos poucos que especificam para onde vai o dinheiro das emendas. O parlamentar inclui até o CNPJ da instituição contemplada, como o da Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela gestão do Hospital do Rim e contemplada com R$ 500 mil para a aquisição de equipamentos. Já Bombeiro Major Palumbo (PP) chega a citar o termo de convênio com o Corpo de Bombeiros que resultou no repasse de R$ 2 milhões em emendas para compra de veículos novos.
‘Parlamentarismo’
Pelas regras, os parlamentares podem dividir a cota milionária como desejarem. Há quem opte por priorizar a execução de uma ação específica, mais cara, e outros pulverizam os valores. Em 2022, por exemplo, Gilson Barreto (PSDB) destinou R$ 3 milhões para a compra de equipamentos para ampliar a capacidade de atendimento da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Foi a emenda mais alta liberada pela Prefeitura, mas sem o detalhamento de quais produtos foram adquiridos nem para qual unidade da rede.
Com estratégia oposta, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) aprovou a indicação de R$ 1,5 mil para ajudar a pagar a festa de 30 anos do Grêmio Vila Industrial. Seus colegas de partido costumam adotar a mesma prática: reduzir o valor da emenda para atender a um número maior de demandas. Assim como os parlamentares de outros partidos, os vereadores do PSOL, que fazem oposição a Nunes, têm sido atendidos. “Mas, no nosso caso, o que percebemos é que as emendas demoram mais a serem executadas”, disse Silvia Ferraro (PSOL).
Na comparação com os dois primeiros anos da gestão passada (João Doria/Covas), o atual governo aumentou em 40% a liberação de verbas parlamentares. Segundo especialistas, os dados mostram a influência da Câmara no dia a dia da cidade e, ao mesmo tempo, a dependência do Executivo em relação ao apoio do Legislativo.
“Como ex-vereador, Nunes sabe o impacto das emendas para os parlamentares em seus redutos e também sabe que é esse apoio que pode ajudá-lo a se tornar mais conhecido entre os eleitores. Mais do que qualquer outro, ele precisa dessa visibilidade agora”, disse o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Já o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), afirmou que a construção do orçamento é tarefa conjunta entre Legislativo e Executivo. “Esse mecanismo de destinar recursos por meio das emendas é, além dos projetos de lei, uma forma que os parlamentares têm de transformar as realidades locais. Portanto, ao cumprir o que foi definido no orçamento, o prefeito, que é ex-vereador, também reconhece a importância do papel da Câmara na definição das prioridades da cidade”, afirmou.
Discricionariedade
Em nota, a gestão Nunes afirmou que cumpre a legislação. Segundo a Prefeitura, “é justamente a discricionariedade de escolha do legislador – que pode alocar recursos para uma ação muito específica, como a reforma de uma praça, ou abrangente, como destinar recursos a políticas de segurança alimentar – que levam a uma ausência de padronização no nível de detalhamento, sempre constando o objeto ao qual se destina o recurso”.
De acordo com a administração municipal, “todo o processo de emenda é transparente e acessível”. No caso de a emenda ter sido classificada como atendimento a eventos ou obras, a Prefeitura afirmou que sua execução específica pode ser solicitada por meio do E-SIC, o portal eletrônico usado pela administração para o registro e tratamentos dos pedidos de acesso à informação. Após questionamento do Estadão sobre os dados deste ano, a Prefeitura publicou a lista de emendas liberadas desde janeiro. O total está em R$ 83 milhões e, assim como nos anos anteriores, parte das informações segue sem detalhamento.
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