Prefeitos do ES e MG batem boca em grupo de WhatsApp por acordo de Mariana; ouça áudio

Ação em Londres coloca pressão para que poder público brasileiro chegue a novo entendimento com as mineradoras para reparar danos do rompimento da barragem ocorrido em 2015

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Foto do author Pedro Augusto Figueiredo
Atualização:

Quase oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, que matou 19 pessoas em Mariana (MG), os danos ambientais e sociais causados pelos rejeitos de minério ainda não foram reparados. O acordo firmado em 2016 com as mineradoras, que criou a Fundação Renova para executar a reparação, foi insuficiente e agora o poder público discute novos termos e a destinação de mais de R$ 100 bilhões para financiar novas ações.

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Na reta final da negociação, prevista para ser concluída até 5 de dezembro, áudios obtidos pelo Estadão mostram que um grupo de municípios impactados pela lama em Minas Gerais e no Espírito Santo rachou e os prefeitos trocaram ofensas, xingamentos e acusações no WhatsApp.

No Brasil, o governo federal e os dois Estados discutem a repactuação do acordo com as mineradoras Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. O valor debatido não é revelado oficialmente, mas a indenização deve variar entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões. Para representar as cidades atingidas, foi criado o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que representa 45 prefeituras mineiras e 7 prefeituras capixabas. A mediação do acordo é feita pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).

Cena do desastre em Bento Rodrigues, distrito que foi destruído depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015. Foto: Márcio Fernandes / Estadão

Porém, diante da demora do processo no Brasil — somente a repactuação é discutida há quase três anos —, 46 municípios, 700 mil pessoas atingidas e 2.500 empresas, autarquias e instituições religiosas entraram com uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, na qual pedem indenização de R$ 230 bilhões.

O julgamento está marcado para outubro de 2024, mas o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório que representa os atingidos, afirma que é possível um acordo em março de 2024, o que pressiona o poder público brasileiro a chegar a uma solução antes disso.

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‘B... lá do Espírito Santo’, ‘vai tomar no c.’ e acusação de acordo particular com Zema

Este é o pano de fundo que levou à briga no grupo de WhatsApp do Coridoce. O Estadão obteve acesso a áudios no qual o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (Solidariedade), acusou o presidente da entidade, o prefeito de São José de Goiabal (MG), José Roberto Gariff Guimarães (PSB), o Beto, de tentar enfraquecer a ação na Justiça britânica a pedido do governo de Romeu Zema (Novo-MG).

O governo de Minas não é parte no processo em Londres e, portanto, não receberia recursos oriundos de um eventual acordo firmado na Inglaterra. O governo do Espírito Santo e o federal também não.

“Ô seu Beto, pelo amor de Deus, você está entre o capeta ou Deus? Você ficar levando o pessoal para uma situação que você tem esse compromisso particular seu, que a gente não sabe qual é, junto com o governador, com deputado federal, tirando os prefeitos da ação inglesa, acho falta de respeito com todo mundo”, diz Lastênio no áudio.

Lastênio Cardoso (PSB-ES) acusa Beto (Solidariedade-MG) de ter "compromisso particular" com Zema

Lastênio Cardoso (PSB-ES) acusa Beto (Solidariedade-MG) de ter "compromisso particular" com Zema

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“Na ação inglesa, o povo vai receber. São 700 mil pessoas que vão receber. Essa repactuação hoje no Brasil, essa p…. que não funciona e não vai acontecer nunca, o povo não recebe um real. Nós estamos do lado do povo. Se você tiver contra o povo, problema de vocês. Mas todo mundo vai saber disso e eu vou divulgar em todos os municípios desse Vale do Rio Doce o prefeito que está contra o próprio povo”, continuou o prefeito de Baixo Guandu.

O prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (PSB), em reunião do Coridoce Foto: ASCOM/Prefeitura de Baixo Guandu

Beto respondeu que a reunião com os prefeitos da qual Lastênio se queixou foi convocada pelo advogado Tom Goodhead, que atua no Reino Unido e usou palavrões contra o congênere capixaba. O argumento implícito é que não faria sentido a acusação de que o prefeito de São José de Goiabal estaria atuando para minar a ação judicial no exterior.

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“Outra coisa, Lastênio, vai tomar no seu c..., rapaz. Eu não sou esse tipo de homem que você pensa que eu sou não. Vai à m..., vai pra p… que te pariu. Você e seu olheiro. Tô de saco cheio. Tem dois anos que eu trabalho em função de todos, de todos, de todos no Coridoce, inclusive de Baixo Guandu, que não paga o consórcio, aliás. Então, meu amigo, lava sua boca para insinuar a meu respeito. Falou?”, continuou Beto no áudio também obtido pelo Estadão.

Beto xinga Lastênio: 'vai pra p... que pariu'

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Os prefeitos de São José do Goiabal, Beto Guimarães (Solidariedade-MG) e de Coronel Fabriciano, Marcos Vinícius Bizarro (PSDB-MG) Foto: Reprodução/Facebook José Roberto Gariff Guimarães

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Prefeito de Coronel Fabriciano (MG) e presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinicius Bizarro (PSDB), saiu em defesa de Beto e questionou como a população de Baixo Guandu poderia eleger um prefeito como Lastênio, a quem chamou de “otário”. “Aí vem um b... lá do Espírito Santo falar besteira. Tem que pedir desculpa todo esse povo que não trabalha, não fez nada, e fica aí enchendo o saco da gente”, disse Bizarro também em áudio enviado no grupo de WhatsApp do Coridoce.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Baixo Guandu disse que houve um “mal entendido” entre os prefeitos causado por uma “informação errada” recebida por Lastênio Cardoso e acrescentou que, ao contrário do que foi dito, está em dia com os pagamentos ao Coridoce.

“Quanto aos xingamentos e ofensas, entendemos que em alguns momentos, no calor das discussões, pode haver exaltação de quaisquer uma das partes, mas tudo já foi esclarecido e sanado. Não existe mais nenhum desentendimento entre os prefeitos. Todos estão trabalhando pelo mesmo objetivo, mas todo grupo possui opiniões diferentes, discordâncias podem acontecer”, diz a nota enviada ao Estadão.

'Aí vem um bosta lá do Espírito Santo', diz Marcos Vinícius Bizarro ao defender Beto

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Em um breve contato com a reportagem, o prefeito de São José do Goiabal, Beto Guimarães, afirmou que não houve briga e sim “pessoas de bem” que divergiram. “[Os xingamentos] São uma força de expressão de indignação. Me dou muito bem com o Lastênio e já chegamos em uma situação que é pra fazer o que é melhor para todos”, acrescentou.

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Chances de acordo diminuem se definição ficar para 2024, diz MPF

Procurador do Ministério Público Federal (MPF), que também está na mesa de negociação da repactuação, Carlos Bruno considera que a ação no TRF-6 é mais ampla do que a de Londres porque contempla reparação ambiental, fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios atingidos e saneamento básico para a bacia do Rio Doce, que foi contaminado pelos rejeitos de minério.

Ele classifica como “equívoco” a interpretação de que pessoas físicas não vão receber indenizações, pois isso está previsto no acordo debatido na Justiça brasileira. Ele menciona que parte dos bilhões pagos serão destinados para a realização de obras públicas e projetos definidos pela população local, a exemplo do que aconteceu com o acordo firmado com a Vale para reparação dos danos causados pela barragem da mineradora que se rompeu em Brumadinho (MG) em 2019.

“A data do dia 5 de dezembro para o Ministério Público Federal é quase impreterível. Se até o dia 5 de dezembro a gente não conseguir esse acordo, eu acho que realmente a viabilidade de um acordo no Brasil vai decair bastante”, disse o procurador. A data consta de cronograma definido pelo TRF-6.

O procurador da República, Carlos Bruno, durante audiência pública na Câmara dos Deputados Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Na visão de Bruno, um acordo no Reino Unido poderia atrapalhar o acordo no Brasil. “Supondo-se que houvesse acordo em Londres, seria natural, me parece, que as empresas dissessem que já fizeram um acordo em outra jurisdição e não gostariam de fazer o acordo aqui”, acrescentou o representante do MPF. Ele avalia, no entanto, que é pouco provável um entendimento no exterior pois a BHP Billiton, em posicionamentos já divulgados, considera a ação no Reino Unido desnecessária já que “duplica” questões que estão sendo tratadas no Brasil.

Em nota, a mineradora reforçou este posicionamento. “A BHP Brasil continua participando das negociações com entidades públicas no Brasil, como o local adequado para essas discussões, e prefere que qualquer acordo seja no Brasil. Como uma das mantenedoras da Fundação Renova, a BHP Brasil reforça as ações que já estão em andamento no Brasil, somando cerca de 430 mil pessoas indenizadas, com mais de R$ 31,61 bilhões destinados às atividades de reparação’, disse a empresa.

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Tom Goodhead, advogado que representa os atingidos em Londres, discorda que um eventual acordo no Reino Unido atrapalhe as negociações em andamento no Brasil. “Essa é uma notícia falsa que aparentemente algumas forças políticas e institucionais no Brasil, bem como as próprias empresas, espalham para acelerar e justificar qualquer acordo na repactuação - mesmo que seja um acordo ruim -, e potencialmente também por razões nacionalistas”, disse ele por meio de nota.

“As duas ações são quase totalmente diferentes: as mineradoras deveriam pagar indenizações totais e integrais a todas as pessoas, municípios e empresas impactadas na ação inglesa, bem como adotar todas as medidas reparatórias sociais e corretivas previstas pela repactuação aos estados e ao governo federal”, continuou o advogado.

O advogado Tom Goodhead representa os atingidos pelo rompimento na Justiça britânica Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

União e governo de Minas dizem não irão interromper negociação após dezembro

O poder público brasileiro negocia a repactuação do acordo de Mariana há quase três anos. Em agosto de 2022, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo interromperam as discussões após discordarem do prazo de pagamento pedido pelas mineradoras. Após a vitória de Lula (PT) na eleição no final de outubro, houve uma corrida, malsucedida, para fechar o acordo antes que o novo governo tomasse posse.

O Palácio do Planalto demorou alguns meses até se inteirar dos termos discutidos na repactuação. Em seguida, escolheu o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), para coordenar o grupo responsável pelo assunto. Em junho, o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede-SP), criou um grupo de trabalho que terá até dezembro para analisar as medidas de reparação ambiental propostas.

“Não há qualquer perspectiva de desistência do processo conciliatório pela União após 5 de dezembro, acaso não se chegue ao entendimento até essa data. A União mantém seu entendimento de que a repactuação é a melhor solução para resolver os impasses jurídicos e acelerar a recuperação socioambiental da bacia do Rio Doce e continuará trabalhando sob esta perspectiva”, informou a Casa Civil.

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O governo de Minas disse que não cogita, neste momento, interromper a negociação e que está empenhado em cumprir o cronograma que prevê a repactuação até o início de dezembro. O Executivo mineiro não comentou a acusação de Lastênio de que Beto teria um acordo com Zema.

“Reafirmamos, portanto, que o compromisso do governo é com a repactuação e com a justa reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem. Importante ressaltar que o Governo de Minas defende, nessa negociação, os interesses da população atingida e dos municípios mineiros, com a participação inclusive do Fórum de Prefeitos nesse diálogo”, declarou o Palácio Tiradentes. O governo do Espírito Santo não comentou.

A Samarco e a Vale disseram que seguem empenhadas com a reparação integral dos impactos do rompimento da barragem em Mariana e destacaram o processo de reparação e compensação que está em andamento por meio da Fundação Renova. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório”, acrescentou a Vale sobre a negociação mediada pelo TRF-6.

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