Prefeitura de SP dá contrato de R$ 9,5 milhões a sócios de empresa condenada por improbidade

HospLog assume gestão logística do Hospital do Servidor Público Municipal em processo sem licitação; Secretaria de Saúde diz que contratação seguiu a legislação; grupo empresarial diz que condenação não transitou em julgado

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Foto do author Gustavo Côrtes
Atualização:

A Prefeitura de São Paulo vai deixar a gestão logística do Hospital do Servidor Público Municipal com uma empresa cujos sócios são os mesmos de uma companhia condenada por improbidade pela segunda instância da Justiça paulista, em 2020, e que teve parte de suas receitas bloqueadas dois anos antes, em uma ação no Rio de Janeiro. O contrato com a HospLog foi fechado sem licitação e custará aos cofres públicos R$ 9,5 milhões. A Secretaria de Saúde da capital afirma que o processo de contratação emergencial seguiu a legislação. Os sócios da empresa contratada ainda aguardam uma decisão final sobre questionamento apresentado contra a condenação imposta há quatro anos.

Fundada em 2019, a HospLog tem como sócios Domingos Gonçalves de Oliveira Fonseca e sua filha Mayuli Lurbe Fonseca. Os dois também são os únicos controladores da Unihealth Logística, a empresa que foi condenada por improbidade administrativa pela 9ª Câmara de Direito Público da Justiça paulista.

Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo Foto: Reprodução/Site Prefeitura de São Paulo

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A ação foi movida pelo pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) devido a um contrato de R$ 11,8 milhões firmado em 2006 entre a Unihealth e o Instituto Dante Pazzanese, que, na época, era comandado por Leopoldo Soares Pegas, padrasto de Mayuli Fonseca. Na visão dos desembargadores, o vínculo familiar entre os dois, ainda que não sanguíneo, feriu os princípios da moralidade e da impessoalidade na gestão pública. Uma das sanções previstas a partir da condenação é a proibição de a Unihealth fechar contratos com o poder público por um período de cinco anos.

Em recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a empresa conseguiu postergar o início da execução da pena sob o argumento de que uma alteração feita em 2021 na Lei de Improbidade Administrativa – que passou a punir somente casos em que o dolo seja comprovado – deveria ser aplicada retroativamente. Tal hipótese foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano seguinte e, em junho de 2023, a Procuradoria-Geral da República se manifestou pela manutenção da pena, que agora depende apenas de sentença do relator do caso no STJ, ministro Mauro Campbell Marques, para ser aplicada.

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Por meio de sua assessoria, o Grupo Unihealth lembrou que a sentença não transitou em julgado e que a condenação ainda é passível de reversão.

A HospLog e a Unihealth pertencem ao mesmo grupo empresarial, fornecem os mesmos serviços e têm quadro societário idêntico. As duas empresas ainda dividem o mesmo endereço comercial, em Barueri, na região metropolitana de São Paulo.

A HospLog foi criada um ano depois de a Unihealth sofrer um bloqueio parcial de suas contas e bens por determinação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). O Ministério Público fez essa solicitação em 2018 depois que a Secretaria de Saúde do Estado sofreu um prejuízo de R$ 173 milhões por causa do vencimento de 300 toneladas de remédios entre 2009 e 2015. A Central Geral de Abastecimento (CGA), onde os medicamentos eram estocados, era administrada pelo consórcio LogRio, formado pela Unihealth e pela Facility, do empresário Arthur Soares, o Rei Arthur.

Logo após a decisão da Justiça fluminense, o comando da Unihealth decidiu repassar para a nova empresa parte dos bens que não haviam sido alvo do bloqueio, como as licenças necessárias para participar de licitações públicas e contratos que já estavam em execução. A partir disso, a HospLog passou a ser responsável por todos os contratos públicos fechados anteriormente pela Unihealth, garantindo assim que o dinheiro pago pelos serviços prestados fossem depositados nos cofres da companhia recém-criada e não nas contas que foram alvo do bloqueio decidido pela Justiça do Rio.

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Um desses contratos foi firmado com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em 2018. O negócio está em vigor até hoje por conta de aditamentos sucessivos.

Segundo o Grupo Uniheatlh, as duas empresas “são pessoas jurídicas distintas, não sendo as únicas do conglomerado, constituídas por gestão estratégica de ampliação e organização das suas operações nas instâncias pública e privada, sob parecer de juristas especializados na área societária”. A HospLog, ainda de acordo com seus donos, foi criada para assumir contratos com o poder público, enquanto a empresa original se manteve encarregada de negócios com outros agentes privados.

A Unihealth também pontuou que eventual punição por improbidade administrativa com restrição de contratação por órgãos públicos pode ser aplicada somente junto ao próprio órgão contratante – neste caso, o Instituto Dante Pazzanese –, um município, um Estado ou a União. Este cenário, argumenta a companhia, “não justificaria tal recomposição do Grupo, especialmente pelo seu amplo e consolidado lastro de atuação de 20 anos também na esfera privada, bem como em âmbito internacional”.

Contratação pela Prefeitura de SP foi feita em caráter emergencial

A contratação da Hosplog pelo Hospital do Servidor Público Municipal foi feita em caráter emergencial e, por isso, não passou por licitação. Em vez disso, empresas convidadas fizeram propostas.

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Para justificar a situação emergencial, a autarquia citou a abertura de 18 processos administrativos por falhas contra a Human Concierge, atual gestora logística do hospital, que levaram à decisão de interromper em maio o contrato, firmado em setembro de 2022 e que poderia ser estendido por mais três anos. Assim, não haveria tempo hábil para se fazer um novo certame sem que o hospital ficasse sem funcionar. A HospLog assumirá a gestão do hospital do servidor no próximo mês. O contrato vale por 12 meses.

A Human Concierge protocolou representação no Tribunal de Contas do Município (TCM) contra a nova contratação e acusa a gestão da autarquia de “fabricar um cenário de emergência” em uma manobra para favorecer a HospLog, que havia ficado em segundo lugar na última licitação realizada para este contrato. Para refutar a alegação de falha na prestação do serviço, a Human Concierge anexou planilha na qual mostra que fiscais do contrato nunca deram a aprovação inferior a 95% à sua execução. O conselheiro Ricardo Torres analisa o caso.

Prefeitura de São Paulo contratou a HospLog em caráter emergencial por R$ 9,5 milhões para a gestão logística do Hospital do Servidor Público Municipal por 12 meses Foto: Guilherme Cunha/SMTUR

Outra empresa, a Logfarma, que concorreu na disputa para assumir a operação logística do HSPM, pediu ao TCM a suspensão da contratação e afirma que a HospLog enviou duas novas propostas com preços mais baixos que os inicialmente ofertados depois do prazo estabelecido para o envio das propostas.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a contratação citada ocorreu em caráter emergencial por se tratar de serviço que não pode sofrer interrupções e seguiu todos os critérios técnicos necessários. “Toda a documentação exigida foi apresentada e não foi constatado qualquer impedimento. Vale ressaltar que a substituição do prestador de serviço foi necessária após a instauração de 18 processos por falhas da então contratada. Caso seja acionada, a SMS apresentará todas as informações necessárias, dentro do prazo estipulado”.

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