Presidenciáveis se unem em ataques a Bolsonaro e falam em convergência pelo País

Luciano Huck, João Doria, Eduardo Leite, Ciro Gomes e Fernando Haddad participaram do painel de encerramento da Brazil Conference

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Por Adriana Ferraz e Paula Reverbel

Reunidos virtualmente pela primeira vez para debater os desafios do Brasil, potenciais candidatos ao Palácio do Planalto fizeram neste sábado, dia 17, duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e à conduta do governo federal na gestão da pandemia e em áreas sensíveis ao desenvolvimento do País, como meio ambiente, relações exteriores e educação. O ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes (PDT), os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o apresentador de TV Luciano Huck participaram do painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o Estadão. Quase sempre unidos em críticas ácidas ao presidente da República, eles também falaram em “convergência” num projeto de País e para derrotar Bolsonaro na eleição de 2022. 

Todos destacaram que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política”. Em clima de cordialidade, os cinco possíveis candidatos ao Planalto listaram uma série de características do governo Bolsonaro consideradas antidemocráticas, como o enfrentamento às decisões do Judiciário e às tentativas de interferir nas polícias militares estaduais. 

Ciro Gomes, Eduardo Leite, Fernando Haddad, João Doria e Luciano Huck, durante painel da Brazil Conference mediado por Eliane Cantanhêde e Hussein Kalout Foto: Reprodução

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Os mais vocais nas críticas foram Doria, Ciro e Haddad, que chegaram caracterizar como "genocida" a atuação do governo no combate ao coronavírus, destacando oportunidades perdidas para salvar vidas. Huck e Leite salientaram a questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou ainda os recordes nos índices de desmatamento, dados que têm sido motivo de desprestígio aos olhos de outros países do mundo.

 O painel, denominado Desafios do Brasil, foi mediado por Eliane Cantanhêde, colunista do jornal, e pelo ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República no governo Michel Temer, Hussein Kalout.

Pandemia

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Logo desde o início da transmissão, os presidenciáveis salientaram a urgência do combate ao coronavírus e a inação do Planalto nesse aspecto. "Temos um problema de curtíssimo prazo que precisa ser salientado aqui, temos um problema pandêmico que exige providências do governo, que não estão sendo tomadas", disse, defendendo aumento da pressão sobre o governo para que se acelere o cronograma da vacinação. "Lembrando que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Isso significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia", afirmou. 

"Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando", acrescentou Haddad, argumentando que a palavra "genocida" não é modo de falar, mas uma descrição.

Ciro abriu a sua fala caracterizando o governo dessa maneira. "A Constituição de 1988 anunciou a reinstitucionalização dos nossos costumes democráticos, que nós jamais imaginamos que iria voltar a estar em discussão por esse governo fascista que nós temos de um genocida boçal como é – na minha opinião, com todo respeito com quem pensar diferente – o governo do senhor Jair Messias Bolsonaro", afirmou.

Doria criticou o governo federal por não ter comprado o máximo de vacinas que poderia. "Eu elenquei aqui alguns pontos do que o Brasil mais precisa no momento, começando por vacinas. Vacinas para salvar, para proteger. São as vacinas que vão ajudar o Brasil a voltar à sua normalidade. O governo Bolsonaro errou e errou gravemente ao não fazer a compra de várias vacinas desde agosto do ano passado, quando poderia ter feito. Negou as vacinas, negou a pandemia e negou, literalmente, o direito à vida de milhões de brasileiros e milhares que já se foram, infelizmente", defendeu.

A maioria das vacinas aplicadas no Brasil foi viabilizada pelo governo de São Paulo por meio do Instituto Butatan.

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2022

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Sem abordar diretamente a corrida eleitoral do ano que vem, nenhum dos debatedores citou a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal que tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegível novamente – e possível candidato em substituição a Haddad. A eventual polarização entre Lula e o Bolsonaro nas eleições tem forçado o chamado centro político a buscar mais rapidamente um projeto em comum.

Com exceção do ex-prefeito, os demais participantes do debate já assinaram em conjunto, mês passado, um manifesto em defesa da democracia e contra o autoritarismo. Ciro, Doria, Leite e Huck –  além do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta – , são apontados como os nomes possíveis hoje para tentar impedir que a disputa entre o petismo e o bolsonarismo se repita em 2022.

Ciro foi o único a assumir a intenção de disputar a Presidência. Ao listar suas prioridades, disse que buscará o equilíbrio para se alcançar um “governo musculoso”, que mescle investimentos público e privados. Reformas estruturantes também foram destacadas por Leite. Segundo o tucano, o Brasil se meteu numa “enrascada” por aumentar gastos públicos, gerando desconfiança, recessão e desemprego. “Para retomar a confiança, o País vai ter de mostrar comprometimento com equilíbrio fiscal, a partir de privatizações, reforma administrativa, melhora do ambiente de negócios.

Milícias

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Perguntado sobre interferências do governo federal nas forças militares estaduais, Leite afirmou que a gestão Bolsonaro tentou, em inúmeras ocasiões, "desestabilizar a relação dos governadores com os seus policiais militares". Além disso, o governador criticou o mandatário federal por alardear que fez repasses de recursos para Estados quando muitos dos valores enviados eram obrigatórios. 

"Mentiras, fake news e desestabilização da relação com as polícias militares é sem dúvida uma forma de tentar subtrair poderes de governadores e de outras instituições. São os ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao Parlamento", afirmou Leite. 

Ao citar tentativas do governo federal de "se apropriar, se conectar com as polícias militares dos Estados", Leite citou a tentativa do Planalto de interferir nas contribuições previdênciarias das PMs. "O sistema constributivo é definido pelos Estados em relação a seus servidores civis e militares. O governo federal buscou atrelar os sistema previdenciário para os militares das polícias militares ao projeto da reforma da previdência militar dos militares federais. Isso já foi uma interferência do governo", exemplificou.

Doria reiterou que também acredita que as movimentações do mandatário têm viés autoritário: "Esse é um governo que flerta permanentemente com o autoritarismo. Tentou, com essa deliberação, tornar as PMs milícias do governo federal". Nesse ponto, houve dobradinha com Ciro Gomes, que pediu a palavra para lembrar do motim de policiais no Ceará, ocasião em que seu irmão, o senador Cid Gomes (PDT), foi baleado. "O delírio do Bolsonaro é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima", defendeu.

Depois, as falas dos três sobre o tema foram elogiadas por Huck.

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Passado

No painel, Huck criticou a forma de fazer política olhando para o passado e foi imediatamente rebatido por outros presidenciáveis. “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Não acho que seja bom”, disse ele. “Não adianta pensar com a cabeça do século passado e perder as oportunidades que vêm pela frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”, continuou.

O apresentador prosseguiu com o seu raciocínio, dizendo que não é mais possível ficar citando “centímetros a mais” que um ou outro governo avançou em algumas áreas no passado. Isso porque, de acordo com ele, o Brasil precisa avançar quilômetros.

 Imediatamente, os demais participantes rebateram a posição de Huck quando tiveram a oportunidade de falar. Haddaddisse que “olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente os que se fazer no presente. Já Ciro disse que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos.

Nome do ministro da Educação

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Ao reclamar do descaso do governo federal com a área da educação, alguns palestrantes admitiram que nem sequer lembram quem é o atual ministro da área, já que, desde o início da gestão Bolsonaro, quatro já foram anunciados para a pasta. 

"Se perguntar a todos aqui rapidamente quem é o atual ministro da Educação,provavelmente ninguém saberá dizer nem sequer o nome.Já é o quarto ministro da Educação em dois anos, em um governo que despreza a educação", afirmou Doria.

A afirmação foi ecoada por Huck. "O Doria falou aqui, eu adoro isso, fiquei pensando... Fiquei tentando lembrar quem é o ministro da Educação, acho que só se a gente for no Google!", reiterou, diante de sorrisos dos demais. "Temos até um bom (ex-)ministro da Educação aqui (entre os palestrantes). Acho que o Haddad deve ter pensando, não sei nem se ele sabe quem é o nome do ministro", concluiu.

Mais adiante, Doria voltou ao tema e admitiu que também não sabe quem é o atual titular da pasta: "Não quero aqui fulanizar o atual ministro da Educação, nem sei o nome dele. Mas não estou falando isso para desprezá-lo. É que o grau de desimportância que o governo Bolsonaro da à Educação, com quatro ministros em menos de dois anos, é o retrato disso".

O titular da pasta é o pastor e professor Milton Ribeiro, que tomou posse há menos de um ano e é o segundo mais longevo deste governo. Ricardo Vélez Rodríguez ficou no cargo por 3 meses e 1 semana. Abraham Weintraub permaneceu por 14 meses. Carlos Alberto Decotelli não chegou a tomar posse devido a diversas polêmicas que surgiram quando o seu nome foi anunciado

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"Posto Ipiranga"

No painel, Leite afirmou ainda que não é possível delegar todas as decisões ao "Posto Ipiranga". Este é o termo usado pelo presidente Jair Bolsonaro para se referir ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes, desde a campanha presidencial de 2018.

Questionado sobre como lidaria com a agenda econômica estando na Presidência da República, ele respondeu: "É preciso ter noção de gestão, ter uma rotina de acompanhamento com os ministros. Toda a energia do governo Bolsonaro está concentrada em destruir o opositor, o passado. E é preciso colocar energia em construir o futuro".

Ele ressaltou que Bolsonaro não acredita na agenda de reformas econômicas, e por isso não se esforça politicamente para viabilizar a aprovação no Congresso. "Atualmente, Bolsonaro só faz política para se sustentar no governo".

Em comentário sobre a fala de Eduardo Leite, o governador João Doria foi incisivo nas críticas a Paulo Guedes. "O Posto Ipiranga está falido, o Posto Ipiranga fechou".

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Sobre o cenário econômico, o ex-ministro e candidato à Presidência em 2018, Ciro Gomesressaltou que o modelo de mercado de crédito no Brasil é "gravemente distorcido". "Por isso, nós temos muito pouco investimento em projetos empreendedores, como venture capital."

Ele ressaltou ainda a importância da participação do poder público nos investimentos, ao contrário do que é pregado pela maioria dos economistas. "Os investimentos do poder público estão em um patamar muito baixo, a 2% do PIB. E isso precisa aumentar".

Haddad também defende a maior participação do Estado na agenda de investimentos. "É preciso investimento público. Não é inchar a máquina, mas fazer com que o Estado puxe uma agenda para aumentar a atratividade para o setor privado."

Para Ciro, um dos maiores problemas econômicos do Brasil é a desindustrialização. "O Brasil está no último lugar na fila não por causa do Bolsonaro apenas. Estamos dependentes de princípios ativos básicos, temos que importar um Tylenol", disse, citando um medicamento. Segundo ele, é preciso agir porque o mundo não vai conceder espaço para o Brasil.

O apresentador Luciano Huck também ressaltou a importância do Estado como transformador da sociedade, especialmente para reduzir a desigualdade. E, para ele, boa parte da solução passa pelo desenvolvimento tecnológico. Citou o exemplo da Índia. "Aqui, nós tivemos muitos problemas para pagar o Auxílio Emergencial. Filas enormes em meio a uma pandemia. Na Índia, foi feito um cadastro de 1,2 bilhão de pessoas, com biometria, e em duas semanas 300 milhões de pessoas receberam um auxílio de US$ 200, sem fila. Tudo por conta do investimento em tecnologia".

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Meio ambiente

Ao tratar meio ambiente, Huck defendeu que a Amazônia "tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global". "Tem muito dinheiro na mesa hoje. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos limpos – investimentos que iam para petroquímica, para óleo e gás – e que agora estão mudando para esse setor", afirmou, sobre a possibilidade de atrair quem queira apostar nessa área. 

Em sua fala, ele criticou a disparidade entre o que Bolsonaro afirmou em sua carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden – na qual ele prometeu eliminar o desmatamento ilegal até 2030 –, e a política que ele implementa de fato.

"A carta que eles mandaram para o Biden é uma piada", afirmou. "Se você pensa o que esse governo fez na agenda ambiental nos últimos anos, da história da boiada, aquela carta é uma peça de humor", acrescentou. Ele se referia a uma fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião fechada de governo na qual ele defendeu aproveitar que a atenção estava voltada à crise do coronavírus para passar "a boiada" e aprovar mudanças nas regras de proteção ambiental. As gravações da reunião foram tornadas públicas por ordem do STF.

"Entre a fala e a realidade tem uma imensidão a ser atravessada", concluiu Huck.

Democracia

Perguntados, Haddad, Ciro e Doria defenderam o respeito a diferentes visões e à democracia, um ponto salientado por Leite em sua fala inicial. Haddad, que é petista, citou a sua boa relação e respeito pelo ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso e manifestou solidariedade a Doria e Leite.

"Eu queria terminar me solidarizando com os dois governadores que estão aqui, que são do PSDB mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo e aos dois presentes em particular. Todo mundo aqui merece ser respeitado, já teve mandato, já teve cargo importante, todo mundo honrou da maneira que soube, deu o melhor de si. Então não é aceitável o que está acontecendo no Brasil", defendeu Haddad. Doria fez um gesto de aplauso à fala e, mais adiante, citou a transição democrática de quando o petista, derrotado nas eleições em 2016, lhe transmitiu a Prefeitura de São Paulo./ COLABORARAM CÉLIA FROUFE E RENATO CARVALHO