BRASÍLIA – Atual presidente da Apex-Brasil, o ex-senador Jorge Viana (PT-AC) comprou um apartamento de luxo em fevereiro do ano passado, mas não o declarou à Justiça Eleitoral. A cobertura duplex está avaliada no mercado em R$ 4,2 milhões – valor maior do que todo o patrimônio de R$ 3,6 milhões informado pelo petista ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de outubro, quando disputou o cargo de governador do Acre.
O duplex de Jorge Viana tem uma área privativa de quase 320 metros quadrados – a área total chega a 543,5 considerando quatro vagas de garagem e a área comum. São quatro quartos, sendo duas suítes, além de salas de estar e de jantar, cozinha e hall íntimo. Na parte superior, a cobertura conta com jacuzzi, churrasqueira, ducha e uma vista privilegiada do Lago Paranoá.
O Estadão procurou Viana para saber por que o petista não declarou o imóvel à Justiça Eleitoral, mas o petista não se manifestou sobre este ponto. Após a reportagem ser publicada, a assessoria de comunicação do presidente da Apex afirmou que o apartamento foi declarado à Receita Federal na declaração do Imposto de Renda deste ano e que, por isso, o petista não o colocou na autodeclaração de bens à Justiça Eleitoral em 2022. Procurado, o TSE explicou que o artigo 27 da resolução TSE 23.609/2019 prevê a necessidade das candidaturas apresentarem a “relação atual de bens”.
O advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira explicou que a orientação é clara da Justiça Eleitoral de que “as informações de bens não se confundem com o Imposto de Renda e, portanto, não se orientam pelo calendário da Receita Federal”. Para o especialista, Viana tinha a obrigação, sim, de fazer constar o imóvel na declaração ao TSE. “Ele desrespeitou a regra”, afirma.
Nas eleições de 2022, quando tentou voltar ao cargo de governador do Acre, Viana informou ser dono de um apartamento de R$ 1,4 milhão e de uma casa de R$ 330 mil. A declaração não traz detalhes sobre as localidades desses imóveis. Juntos, os bens não chegam, contudo, à metade do valor do novo apartamento. O petista também declarou possuir outro R$ 1,7 milhão em terrenos.
O imóvel foi comprado quando estava em fase de construção. O duplex fica em um residencial recém-inaugurado na Asa Norte, próximo a um parque ecológico, o Olhos D’Água. O apartamento foi entregue em dezembro do ano passado. No site da imobiliária e na avaliação de dois corretores, o apartamento vale R$ 4,2 milhões, mas Viana disse, por meio da assessoria de imprensa, ter pago 60% desse valor.
Mais de um ano e meio depois da aquisição, contudo, o imóvel ainda segue no nome da imobiliária. O Estadão obteve no cartório acesso à certidão do duplex. Viana afirmou que a compra do duplex foi feita por financiamento e que o processo de transferência está em tramitação.
“Não é normal que uma pessoa adquira um apartamento, mesmo que por financiamento, e não passe o imóvel para o seu nome”, afirma a advogada Ana Carolina Osório, especialista em direito imobiliário. Em nota, a Cerejeira Empreendimentos afirmou que o imóvel ainda está em nome da imobiliária ate que o imóvel seja completamente quitado.
Jorge Viana também disse ter vendido outros dois imóveis, sendo um na Asa Norte, em Brasília, e outro em Rio Branco, no Acre, para comprar o apartamento. No entanto, pesquisas feitas em todos os cartórios da capital não acharam imóvel em nome de Viana na Asa Norte nos últimos 20 anos.
A declaração de bens é exigida pela Justiça Eleitoral para garantir que o eleitor possa acompanhar a evolução patrimonial do seu candidato e também para indicar se o postulante pode ou não doar dinheiro para sua própria campanha.
Advogados especialistas em direito eleitoral afirmam que a não declaração do novo imóvel ao TSE pode configurar crime de falsidade ideológica. “As omissões de candidatos em relação à declaração de bens podem acarretar efeitos em três searas: nas áreas tributária, um crime de sonegação fiscal, eleitoral e penal eleitoral, falsidade ideológica”, afirma o advogado eleitoral Walber de Moura Agra.
Segundo Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Eleitoral, como a candidatura já transitou em julgado, não é mais possível instaurar ação para levar a algum tipo de condenação. Caso Viana tivesse sido eleito, ele poderia ter de comprovar a evolução patrimonial ao longo do mandato e, para isso, teria que explicar por que não declarou o imóvel que já possuía.
Passagens
Mesmo tendo comprado o duplex em Brasília há um ano e meio, Jorge Viana, ao assumir a presidência da Apex-Brasil em janeiro, atuou para mudar regras internas do órgão e ganhar duas passagens de ida e volta por mês para Rio Branco, no Acre.
Como mostrou o Estadão, o benefício foi aprovado em 6 de março pelo Conselho Deliberativo da agência. Pela decisão, todos os membros da diretoria executiva do órgão passaram a receber bilhetes aéreos de ida e volta para suas cidades de “residência”.
Entre janeiro e maio, Viana viajou seis vezes para Rio Branco, segundo dados da transparência da Apex-Brasil. O Estadão mostrou que ele tem priorizado agendas no seu reduto eleitoral.
Viana chegou a ser afastado do cargo por não ter inglês fluente
Quando comprou o apartamento, Viana estava fora de cargos públicos. Após tentar – sem sucesso – se reeleger senador do Acre em 2018, o petista abriu uma empresa de consultoria, a Gestar Engenharia, e passou a dar aulas no IDP, a faculdade do ministro do STF Gilmar Mendes.
Sua renda era composta ainda pela aposentadoria do Senado, no valor de R$ 20 mil, e da pensão de ex-governador do Acre, de R$ 35 mil.
Viana assumiu a presidência da Apex-Brasil em 3 de janeiro deste ano. O salário é de R$ 65 mil.
Em março, o petista operou uma mudança no estatuto do órgão em benefício próprio ao eliminar a obrigatoriedade de inglês fluente para ocupar o cargo responsável por divulgar os produtos brasileiros no exterior. A informação foi revelada pelo Estadão. A assessoria de Viana admitiu que ele não domina o idioma.
Em maio, a 5ª Vara Cível Federal do Distrito Federal chegou a suspender a posse do petista devido às revelações da reportagem, mas a decisão foi cassada em menos de uma semana pelo desembargador Marcos Augusto de Sousa, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
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