Debatida há anos em São Paulo, a eventual privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) pelo próximo governador do Estado opõe nesta reta final de campanha os dois postulantes ao cargo. Apesar de não incluir a proposta em seu plano de governo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) deixa a porta aberta para a venda, e Fernando Haddad (PT) tem elevado o tom nos últimos dias ao dizer que esta seria “a pior coisa que poderia acontecer ao Estado”. O lucro da empresa foi de R$ 1,4 bilhão somente no primeiro semestre deste ano – em 2021, chegou a R$ 2,3 bilhões.
A estratégia petista é argumentar que tal medida poderia resultar em uma alta na conta de água paga pela população paulista, com base na comparação dos valores praticados em São Paulo e no Rio, onde a distribuição foi privatizada. Não por acaso, a relação se dá com o Estado onde Tarcísio nasceu.
Já a postura do ex-ministro da Infraestrutura segue a lógica do mercado, otimista com o negócio desde que o candidato passou ao segundo turno na liderança. De lá pra cá, as ações da companhia subiram 17% e a tendência, caso a privatização ocorra, é que uma ação possa ser negociada a R$ 87. Nesta quarta, 19, fechou a R$ 56,40.
No início do ano, o candidato chegou a afirmar que a venda renderia ao Estado de R$ 60 bilhões a R$ 80 bi. Segundo a própria Sabesp, no entanto, o valor de mercado da empresa é de cerca de R$ 31,26 bilhões.
Criada em 1973, a Sabesp é atualmente uma sociedade de economia mista que fornece água para 28,4 milhões de pessoas em 375 municípios paulistas. Para o período de 2022-2026, a empresa afirma que pretende investir R$ 23,8 bilhões em projetos que ampliem a segurança hídrica no Estado e o alcance do saneamento básico ofertado à população, ainda distante da universalização – cerca de 30% dos paulistas não têm tratamento de esgoto e 10% nem sequer a coleta. No caso da água encanada, o acesso chega perto dos 97%.
Conta
De olho na demanda por ambos os serviços, tão essenciais como a energia elétrica e o gás de cozinha, Haddad ampliou o espaço dedicado ao tema em sua campanha. Os programas eleitorais veiculados no rádio e na TV nesta quarta-feira, 19, por exemplo, destacaram o suposto risco da privatização especialmente para os mais pobres. “Ninguém deveria ser obrigado a escolher entre pagar o boleto de água e o mercado. Entre matar a sede ou matar a fome no final do mês”, diz.
Durante agenda de campanha nesta quarta em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, o petista argumentou que a Sabesp já é uma empresa de capital aberto. “Já funciona como uma empresa privada, pode fazer parcerias, emitir ações e debêntures, fazer associações. Vender o controle acionário não é o caminho. Isso vai onerar a conta de água, como está acontecendo no Rio. A Europa está voltando atrás, reestatizando suas companhias. Por quê? Porque a água é bem essencial”, disse.
Ao Estadão, a campanha petista reafirmou, em nota, que a “privatização aumentará os preços impedindo o acesso da população de baixa renda aos serviços, que são essenciais a sua saúde”. Haddad também ressalta que apenas uma entre as dez cidades mais bem colocadas no ranking de saneamento brasileiro tem serviço privado. É Limeira, no interior.
Ao ser perguntado sobre o tema, Tarcísio não deixa claro como e quando pretende privatizar a Sabesp, caso eleito. O certo é que a medida exigiria a aprovação de um projeto de lei na Assembleia Legislativa e a concordância dos prefeitos das cidades atendidas pela companhia. No final do ano passado, 21 deputados estaduais formaram uma frente parlamentar contra a privatização, prometida também pelo ex-governador João Doria.
Em fevereiro, o ex-ministro se mostrou a favor de vender o controle da Sabesp com a justificativa de que o custo operacional da empresa é 20% maior que o seu custo regulatório. “Quando isso acontece o acionista está perdendo valor e com o tempo a empresa vai enfrentar dificuldade de financiamento”, disse à plataforma para investidores TC.
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Em nota ao Estadão, a campanha de Tarcísio reforçou que o plano de governo do candidato não prevê a privatização, mas a antecipação das metas de universalização de saneamento de 2033 para 2027. “Esta meta será analisada pela eventual equipe de governo em conjunto com a Sabesp, sem aumento real de tarifa para o consumidor final e de forma a garantir a qualidade no abastecimento”.
Modelo do Rio
Com previsão de cerca de R$ 32 bilhões em obras, a concessão dos serviços da Cedae, a companhia estadual de saneamento do Rio, foi considerada pelas autoridades federais e fluminenses como a maior desestatização do País desde a venda das companhias telefônicas nos anos 1990. Os leilões, em abril e dezembro de 2021, levantaram R$ 24,9 bilhões em taxas para o governo estadual e as prefeituras.
Desenhado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o modelo, no entanto, não foi o de uma privatização simples, ou seja, a Cedae não foi vendida. Pelo contrário, a Cedae continua existindo, como estatal controlada pelo governo do Rio. Só que ela encolheu – e vai encolher mais.
Pouco usado em outros países, o formato escolhido parte da divisão dos serviços de água e esgoto. A Cedae, estatal, continua responsável pelos serviços de captação, tratamento de água e venda aos parceiros privados, que respondem, sob concessão, pelos serviços de distribuição da água tratada, coleta e tratamento do esgoto, e a cobrança das tarifas.
Após o negócio, a região operacional da estatal fluminense foi dividida em quatro áreas, repassadas para três empresas: Aegea, Iguá Saneamento e a Águas do Brasil, num consórcio com a BRK Ambiental.
Tarifas
De fato, as tarifas de água e esgoto no Rio são mais caras do que as cobradas em São Paulo pela Sabesp, como tem dito o candidato Fernando Haddad. Só que a conta de água dos fluminenses já era mais alta do que a dos paulistas antes da concessão dos serviços. A tarifa social da Sabesp é de R$ 22,42 ao mês, na soma dos serviços de água com os de esgoto. No Rio, esse mesmo modelo de tarifa está em R$ 40,52. Com um reajuste que passará a valer em novembro, a conta para os mais pobres subirá para R$ 45,30 ao mês. Em 2019 e 2020, antes da privatização, a tarifa social com os dois serviços era de R$ 36,90 por mês.
Na mesma propaganda eleitoral, Haddad cita o valor de R$ 65 como a tarifa residencial média mensal em São Paulo. Essa é a tarifa para a capital paulista, considerando a soma dos serviços de água e esgoto para unidades com consumo de até 10 metros cúbicos por mês, equivalente a 10 mil litros de água por mês – consumo para três pessoas. No Rio, para comparação, uma unidade com o mesmo consumo por mês paga uma conta de R$ 100,10, valor que será reajustado para R$ 111,92. Em 2019 e 2020, quando a Cedae cuidava de toda a operação dos serviços de água e esgoto, cliente em condições semelhantes pagava R$ 91,10 ao mês.
As discrepâncias nos preços da Sabesp e dos parceiros da Cedae levou Tarcísio de Freitas a ter mais cautela quando o assunto é a privatização da Sabesp. O candidato afirmou à reportagem que “projetos de saneamento ambiental, que incluem saneamento básico, acesso à água e disposição adequada de resíduos são prioritários em seu planejamento” e que uma eventual gestão sua no Estado terá como prerrogativa adotar medidas para superar a crescente demanda hídrica, assim como ações para reduzir perdas na rede e aumentar a utilização de água de reuso. Tudo em conjunto com a Sabesp.
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