BRASÍLIA - No último domingo, 1, a Marinha do Brasil publicou em suas redes sociais um vídeo de um minuto e dezesseis segundos em homenagem ao Dia do Marinheiro, comemorado em 13 de dezembro. Na peça publicitária, a Força contrapõe sacrifícios e trabalho árduo e perigoso dos militares a civis em atividades de lazer e descanso. No fim do filme, uma marinheira questiona: “Privilégios? Vem para a Marinha!”.
Em agosto deste ano, o irmão do chefe do departamento responsável pelo vídeo, que também é da Marinha, recebeu em dólares o equivalente a R$ 216,3 mil líquidos, entre salário, verbas indenizatórias e gratificações. Procurada, a Marinha disse que os pagamentos no Exterior são feitos de acordo com a lei e que a peça busca “destacar e reconhecer o constante sacrifício de marinheiros e fuzileiros navais”.
Desde abril de 2023, o contra-almirante Alexandre Taumaturgo Pavoni é o diretor do Centro de Comunicação Social da Marinha (CCSM), responsável por divulgar as ações da armada brasileira. O departamento foi o responsável pelo vídeo do Dia do Marinheiro deste ano.
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O capitão-de-mar-e-guerra Leonardo Taumaturgo Pavoni, irmão mais novo do chefe do CCSM, atuou como assessor do Conselheiro Militar da missão permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU), na sede da entidade, em Nova Iorque. Em agosto, recebeu US$ 14.163,58 de salário líquido, e mais US$ 21.593,00 em verbas indenizatórias.
A portaria que designou Leonardo para o cargo foi publicada no Diário Oficial da União de 12 de maio de 2021. Leonardo Taumaturgo Pavoni ocupou o posto entre 30 de setembro de 2022 e 29 de setembro de 2024.
Apesar do elevado valor, Leonardo Taumaturgo Pavoni não foi o militar da Marinha com o maior contracheque em dólares em agosto. O recorde pertence ao capitão-de-mar-e-guerra Alexandre Nonato Nogueira, que recebeu o equivalente a R$ 220,8 mil naquele mês. A última portaria de Nogueira mostra que ele esteve em serviço na Ilha da Madeira, um território pertencente a Portugal no meio do Oceano Atlântico.
Em agosto deste ano, a Marinha remunerou em dólares 821 pessoas. Somadas, a remuneração líquida desses militares e mais as verbas indenizatórias chegam a US$ 7,2 milhões, o equivalente a R$ 44 milhões. Dentro desse grupo, há uma elite de 41 oficiais que tem soldo equivalente a mais de R$ 100 mil, somando as verbas indenizatórias de vários tipos e os salários líquidos, já com descontos. O mês de agosto foi escolhido pela reportagem do Estadão por ser o último com os dados abertos completos disponíveis no Portal da Transparência.
Além dos militares que ocupam postos de combate em outros países, a Marinha também envia adidos militares para atuar em embaixadas brasileiras espalhadas pelo mundo. O terceiro lugar na lista de maiores contracheques em dólares em agosto pertence a outro capitão-de-mar-e-guerra, Marcelo Maza Quadros. Atualmente, ele é adido militar da embaixada brasileira na Arábia Saudita. O salário líquido dele em agosto foi de US$ $ 16.497,21, ou seja, já com descontos. Também recebeu US$ $7.789,82 em verbas indenizatórias. O quarto lugar é de Christian Drummond Hingst, que representa a Marinha em Londres, capital do Reino Unido.
Corte de gastos na previdência militar
O vídeo da Marinha vem depois do Ministério da Fazenda, comandado pelo ministro Fernando Haddad (PT), fechar um acordo com a Defesa para endurecer as regras da previdência dos militares. São quatro principais medidas, inclusive a criação de uma idade mínima para a aposentadoria, de 55 anos. O acordo também inclui o fim da chamada “morte ficta”, que é o recebimento de pensão por parte das famílias de militares expulsos por mau comportamento; e o fim da transferência de pensões.
O filmete inclui um sósia de Fernando Haddad rastejando na lama com um fuzil – a Força nega que a peça seja uma resposta às mudanças na previdência militar. No Palácio do Planalto, o vídeo foi recebido com críticas e considerado um “desastre”. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chamou a produção da peça de um “grave erro”.
“Ao chegarmos em dezembro, homenageamos os Marinheiros e Fuzileiros, que abdicam de suas famílias e dos momentos de lazer para proteger as riquezas do Brasil no mar”, escreveu a Marinha ao publicar o vídeo no X (antigo Twitter). A publicação recebeu uma proposta de “nota da comunidade”, ou seja, uma retificação adicionada pelos usuários. “O vídeo apresentado não reflete a realidade. Os militares da Marinha recebem benefícios e salários superiores à média da população brasileira. Por outro lado, grande parte dos brasileiros enfrenta jornadas de trabalho longas e exaustivas”, diz o texto, que ainda está em avaliação.
Marinha: minoria dos miitares serve no exterior
Em nota à reportagem do Estadão, a Marinha reiterou que os pagamentos foram feitos de acordo com a lei.
“O pagamento de militares no exterior cumpre rigorosamente o previsto na Lei n° 5.809/72, que dispõe sobre a retribuição e direitos do servidor público, do empregado público e do militar das Forças Armadas. Cabe ressaltar que, após anos de serviços prestados, cerca de 0,002% do efetivo total de Oficiais e Praças da MB são selecionados, por meritocracia, para exercerem cargos importantes nas relações internacionais e na diplomacia, devido à responsabilidade de representar e assessorar as missões diplomáticas nos assuntos militares e afetos à Defesa, da mesma forma que ocorre em outras carreiras de Estado”, diz a Força, em nota.
“Em relação ao vídeo alusivo ao Dia do Marinheiro, a Força informa que a peça publicitária tem a intenção de destacar e reconhecer o constante sacrifício de marinheiros e fuzileiros navais, que trabalham incansavelmente para a Defesa da Pátria e o desenvolvimento nacional, atividades essenciais para que a sociedade em geral possa desfrutar de vida mais próspera e segura”, disse a Marinha.
“A peça tem, ainda, o objetivo de inspirar e atrair jovens genuinamente vocacionados para a carreira naval, chamando atenção para a realidade da vida na Marinha, marcada por desafios e dedicação integral ao serviço”, diz. “O vídeo foi elaborado pelo CCSM e, para tal, nenhuma agência de publicidade ou atores foram contratados, assim como não foram utilizados recursos de inteligência artificial”, informa a Marinha.
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