Programas de Bolsonaro frustram policiais militares

Representantes de entidades policiais avaliam promessas não cumpridas e indicam diálogo com outros pré-candidatos

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Foto do author Vinícius Valfré

A relação entre o presidente Jair Bolsonaro e os policiais militares sofreu abalos. Representantes da categoria que, há poucos meses, era vista como uma possível apoiadora do governo numa eventual ruptura democrática, tamanha a fidelidade, avaliam agora promessas não cumpridas. Apesar do apoio orgânico ao presidente, sobretudo entre os praças das corporações, eles estão dispostos a abrir diálogo com outros pré-candidatos ao Palácio do Planalto em 2022.

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O programa de crédito habitacional lançado em setembro pelo governo para agradar o setor teve efeito contrário e virou nova fonte de reclamação da classe, que integra a base de apoio. A insatisfação se soma a outras, provocadas também por medidas que limitaram progressões e ganhos salariais principalmente para as tropas de fora de Brasília – a polícia do DF tem os maiores salários do País e conseguiu um reajuste em plena pandemia de covid-19.

O Habite Seguro, que visa facilitar a aquisição de imóveis por agentes da segurança pública com juro baixo, foi lançado, via medida provisória, em cerimônia no Palácio do Planalto que contou com a presença dos principais ministros do governo. A iniciativa foi elaborada para atender a uma demanda de associações de policiais. Dois meses depois, as mesmas entidades reprovam o programa por considerá-lo demasiado restritivo e avaliarem que não cumpre o propósito. As queixas já chegaram ao governo, que tenta contorná-las.

O presidente em encontro com PMs no DF: setor afirma que lhe deu 18 milhões de votos em 2018. Foto: Alan Santos/PR

Escalado para receber as reclamações, em um encontro com representantes das polícias em Santa Catarina, no último dia 11, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, prometeu levá-las a Bolsonaro. Os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Anderson Torres, da Justiça, foram acionados para estudar providências.

As entidades estimam em 53% o déficit habitacional nas polícias, situação que empurra agentes de segurança para as periferias, e apontam que as exigências para adesão ao Habite Seguro o tornam menos atraente do que outros programas do governo, como o Casa Verde e Amarela. O plano habitacional está sendo considerado uma “barca furada”, segundo interlocutores das polícias com o governo, por entenderem que há mais marketing do que resultado.

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As reclamações aparecem também nas redes sociais de Bolsonaro. “Vossa Excelência poderia analisar juntamente com o senhor ministro Paulo Guedes as condições do programa Habite Seguro? Sou policial militar da Bahia e na cidade onde moro o valor disponível não é suficiente”, escreveu um policial. “Tornaram tão burocrático que duvido um funcionário da segurança pública comprar sua casa própria. Parece até que não querem conceder a subvenção. Acho que foi algum esquerdista que fez as regras”, disse outra apoiadora.

Queixas

Líderes das entidades representativas destacam que os militares e suas famílias entregaram milhões de votos a Bolsonaro, em 2018. Agora, reclamam um “reconhecimento” que ainda não veio em três anos de governo. Eles se queixam, principalmente: da carona na reforma da Previdência dos militares da União, em 2019, que os diferenciou de civis, mas não era o “plano A”; da lei complementar 173, que suspendeu promoções funcionais e ajustes nas remunerações durante a pandemia; da PEC emergencial com congelamento temporário de bônus; da perda de espaço com a extinção do Ministério da Segurança Pública; e da falta de prioridade com a proposta de mudança na Lei Orgânica das PMs no Congresso. Em paralelo, Bolsonaro possibilitou no passado reajuste de até 25% nos salários das polícias do Distrito Federal, onde estão os maiores vencimentos, a um custo anual de meio bilhão de reais.

O tratamento dispensado por Bolsonaro cria uma ameaça de debandada dos PMs, ao menos institucionalmente. “Eu vejo que as entidades vão ter que conversar com todos os candidatos. Na outra eleição, estava na onda do Bolsonaro e não quiseram ouvir, mas dessa vez tem que ouvir, até porque o que já tem a gente já sabe. Temos que descobrir a opinião dos outros candidatos”, afirmou Leonel Lucas, sargento da PM do Rio Grande do Sul e presidente da principal entidade de representação dos policiais, a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais e Bombeiros Militares.

A disposição para ampliar o diálogo com políticos do campo de fora do bolsonarismo também está posto entre representantes dos praças. “Todas as reformas não vem do gosto da maioria. O governo sempre restringe algumas coisas. Na LC 173, o pior foi a questão do impacto de não dar reajuste salarial em razão da pandemia. Lógico que o governo tem suas cautelas e não dá tudo o que a gente precisa, mas não é o que queremos. É o que precisamos”, afirmou o cabo da PM Wilson Morais, presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo. “Temos que ouvir os candidatos, independentemente de serem de partidos de esquerda ou direita.”

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Para solicitar o crédito, o policial precisa estar apto junto a instituições financeiras (SPC/Serasa) e ganhar até R$ 7 mil. O auxílio financeiro para a entrada é limitado a R$ 12 mil. Foram reservados para o primeiro ano do programa R$ 100 milhões. Estima-se que o montante poderia atender a no máximo oito mil homens.

O Habite Seguro é criticado não apenas por policiais, mas por especialistas em segurança pública. Em audiência pública na Comissão de Segurança da Câmara, o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afirmou que o programa é importante, mas o modelo não é adequado. Ele considera que a iniciativa, como está, não é capaz de promover melhorias na vida dos policiais.

Executivo

O governo não informou à reportagem o total de atendidos até o momento. A Caixa, que opera o programa, disse que os dados deveriam ser solicitados ao gestor do programa, o Ministério da Justiça. A pasta, por sua vez, informou que ainda não tem um balanço porque o programa começou a funcionar de fato no início de novembro, quase dois meses após o lançamento.

A exigência de “nome limpo” para conseguir o crédito é um dos principais gargalos. Pesquisas indicam que são mais de 80% os policiais com dívidas em Estados como Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, os interessados devem submeter respostas de um questionário social aos seus comandantes diretos. O aval do superior é exigido para solicitar o crédito à Caixa. “A revolta é muito grande. Criou-se uma expectativa com uma moradia. O pessoal vai na Caixa e não consegue. É mais fácil pegar o crédito pelo Casa Verde e Amarela”, diz o sargento Lucas.

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Na última semana, em uma esvaziada entrega de equipamentos de segurança para os Estados, o presidente Jair Bolsonaro, ao lado do ministro da Justiça, voltou a se escorar na retórica ideológica para acenar às polícias. Defendeu o excludente de ilicitude, um tipo de perdão a agentes de segurança pública que matam em confronto. Sem a pressão do governo, a proposta não saiu do papel, no fim de 2019. “Se a gente aprovar isso um dia, se o Braga Netto (ministro da Defesa) autorizar, eu boto a farda e vou à luta. É a maneira que temos de melhorar o Brasil”, disse o presidente. 

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