BRASÍLIA – O projeto de resolução aprovado na última semana pelo Congresso tem ao menos três trechos que driblam determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares ao Orçamento.
Desde agosto do ano passado, o ministro Flávio Dino vem exigindo que o Congresso deixe de adotar modelo que dificulta a fiscalização e impede a identificação do parlamentar que indica gastos com recursos da União em seu reduto eleitoral. Dino é relator de ações que questionam o “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pela Corte em 2022, e as “emendas Pix”.
No início do mês, o Supremo homologou um acordo entre Executivo e Legislativo para atender às exigências e liberar o pagamento de recursos indicados nas emendas parlamentares. No acordo, o Congresso cedia em um dos pontos mais sensíveis da controvérsia: a identificação nominal dos autores das emendas de comissão. No entanto, o texto aprovado nesta quinta-feira, 13, relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), não torna essa identificação obrigatória.
O projeto de resolução permite que as emendas de comissão sejam analisadas por cada colegiado a partir das indicações feitas pelos líderes partidários, escondendo o nome dos verdadeiros solicitantes. O Psol já entrou com um pedido no processo apontando que a resolução descumpre decisões da Corte e inaugura “uma nova fase do orçamento secreto”.
Técnicos do Orçamento ouvidos pelo Estadão/Broadcast divergem sobre um possível descumprimento das decisões do Supremo. Segundo uma das avaliações, o projeto mantém a indicação de emendas de comissão na mão dos líderes, além de abrir a possibilidade de que os presidentes de comissões modifiquem a posteriori as indicações votadas na comissão. Em outra análise, o texto “pressupõe” que a indicação pelos líderes é uma exceção, e que o habitual é a indicação individual.
O artigo em questão diz o seguinte: “As indicações das emendas de comissão, quando encaminhadas pelos líderes partidários para deliberação das comissões, constarão de ata da reunião da bancada partidária, aprovada pela maioria dos membros”.
Veja, abaixo, os pontos centrais das determinações do Supremo e como o projeto aprovado pelo Congresso abordou cada uma delas:
Identificação dos autores das emendas coletivas
O que disse o STF: “Tais emendas devem ser deliberadas nas respectivas bancadas e comissões, sempre com registro detalhado em ata, na qual deve conter, inclusive, a identificação nominal do parlamentar solicitante”, afirmou Dino em decisão de dezembro de 2024.
Dino destaca que as emendas de comissão podem ser solicitadas por qualquer parlamentar, inclusive pelos líderes partidários, “os quais não detém monopólio de sua autoria”.
A respeito das emendas de bancada estaduais, o STF também veda o “rateio”. Por meio dessa prática, deputados e senadores passaram a dividir as emendas de bancadas em pequenos montantes, a serem enviados para prefeituras e entidades, tratando-as, na prática, como emendas individuais.
O que disse o Congresso: O projeto estabelece que as emendas de comissão serão encaminhadas para deliberação das comissões pelos líderes partidários, o que na prática impede a identificação do real solicitante da emenda.
Em relação às emendas de bancada, o projeto não cita a identificação nominal dos parlamentares proponentes das emendas, apenas a divulgação da ata da reunião do colegiado.
Deputados ouvidos pelo Estadão/Broadcast admitem que a resolução é insuficiente nesse sentido e que cabe judicialização, mas afirmam que a resolução avançou em dar “noção” sobre a distribuição do recurso.
Há também um argumento de que a exigência de individualização da indicação da emenda descaracteriza a emenda coletiva, cuja aplicação tem o aval de um conjunto de deputados e não poderia ser creditada a apenas um parlamentar.
Registro em ata
O que disse o STF: Em diversas decisões, Dino frisou que as reuniões das comissões e das bancadas para deliberação sobre emendas devem ter sempre registro em ata para dar transparência ao nome do parlamentar que solicitou determinado repasse. No ano passado, o ministro chegou a suspender o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas após o Congresso enviar um ofício assinado por 17 líderes ao governo com inclusão de novas indicações, mesmo após aprovação da ata.
O que disse o Congresso: O projeto atribui ao presidente das comissões o poder de alterar a indicação das emendas após a aprovação da ata, sem que seja realizada nova deliberação do colegiado. “Caso seja necessária alteração de indicação realizada em emenda de comissão, os ajustes deverão ser solicitados pelo Presidente da Comissão”, diz o trecho.
Limite para crescimento das emendas
O que disse o STF: O limite para o crescimento das emendas deve ser corrigido pela receita corrente líquida (RCL), pela variação das despesas discricionárias do Executivo, ou pelo limite do arcabouço fiscal, o que for menor entre os três.
O que disse o Congresso: A resolução vincula o crescimento das emendas a apenas uma das hipóteses, a RCL. Os repasses serão aprovados no limite de 2% da RCL do exercício anterior.
Vinculação federativa das emendas
O que disse o STF: Em decisão de 1º de agosto de 2024, o ministro Flávio Dino determinou que deputados e senadores só podem destinar emendas para o Estado pelo qual foi eleito, exceto em projetos de âmbito nacional cuja execução ultrapasse os limites territoriais do Estado do parlamentar.
O que disse o Congresso: O projeto de resolução cumpre a decisão do STF ao estabelecer que os parlamentares devem destinar recursos para seu próprio Estado, exceto quando se tratar de projetos de amplitude nacional.
Critérios para destinação de emendas
O que disse o STF: No acordo firmado entre os Três Poderes em agosto do ano passado, foi combinado que as emendas de bancada deveriam ser destinadas a projetos estruturantes em cada Estado e no Distrito Federal. No caso das emendas de comissão, foi acertado que a rubrica deve ser destinada a projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo.
O que disse o Congresso: A lei já previa a destinação de emendas de comissão a projetos de interesse nacional, e agora foi incluída a previsão do interesse regional. Também foi incluído trecho que prevê “elementos que permitam aferir os benefícios sociais e econômicos para a população beneficiada pela respectiva política pública”.
O projeto ainda cita as áreas prioritárias para destinação de emendas de bancada, como educação, saneamento, habitação e saúde.