Projeto da anistia beneficia Bolsonaro? Entenda as brechas que podem incluir o ex-presidente

Apesar de ter sido protocolada antes do 8 de Janeiro, proposta original de perdão recebeu sete apensamentos que ampliam alcance a envolvidos nos ataques

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Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA — O discurso formal de Jair Bolsonaro (PL) e de seus aliados sobre a anistia do 8 de Janeiro tem se concentrado nos militantes presos. Mas o projeto de lei articulado na Câmara dos Deputados que propõe perdoar os crimes referentes àquele episódio têm brechas para beneficiar diretamente o ex-presidente.

Como mostra o Placar da Anistia do Estadão, levantamento exclusivo divulgado neste domingo, pelo menos um terço (174) dos 513 parlamentares da Câmara dos Deputados apoia a proposta – um número suficiente para garantir a apresentação da proposta de urgência do projeto de lei no plenário da Casa.

Apesar de o projeto original, proposto pelo então deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), ter sido protocolado em 24 de novembro de 2022, mais de um mês antes dos ataques aos Três Poderes em Brasília, a proposição recebeu sete apensamentos para abarcar os acontecimentos consecutivos.

Jair Bolsonaro durante visita a uma exposição em homenagem às vítimas do holocausto, no Senado Foto: Wilton Junior/Estadão

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O texto de Vitor Hugo prevê anistia a manifestantes, caminhoneiros, empresários e a todos os que tenham participado de manifestações “em qualquer lugar do território nacional” — Bolsonaro estava na Flórida no momento dos ataques golpistas —, mas um dos parágrafos amplia o perdão a quem tenha participado também do “financiamento, organização ou apoio de qualquer natureza”.

“A anistia de que trata o caput compreende crimes políticos ou com estes conexos e eleitorais. Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”, diz um parágrafo do documento, que recebeu críticas da ministra da Secretaria de Relações Institucionais do governo Lula, Gleisi Hoffmann (PT), neste sábado, 22.

“Em linguagem clara: além dos atentados de 8 de janeiro, dos acampamentos nos quartéis, bloqueios de estradas, da bomba no aeroporto de Brasília, seriam perdoados como “crimes conexos” os decretos do golpe, o plano de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, a conspiração com os chefes militares, todos os crimes praticados por Bolsonaro e seus cúmplices contra a democracia, inclusive os crimes eleitorais. Não é, nunca foi para as ‘senhorinhas da Bíblia’. O PL da Anistia é para livrar Bolsonaro da cadeia”, escreveu Gleisi numa rede social.

Quando a proposta foi protocolada, os apoiadores de Bolsonaro tinham migrado das rodovias para a frente dos quartéis fazia pouco tempo, e episódios como o 8 de Janeiro ainda não estavam no horizonte. Foi somente em 12 de dezembro que a violência recrudesceu. Naquele dia, data da diplomação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), bolsonaristas radicais tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, incendiaram carros e ônibus e bloquearam vias em Brasília.

Já naquele dia, o deputado José Medeiros (PL-MT) protocolou um projeto para anistiar “todos aqueles que, no período entre 1º de junho de 2022 até a data de entrada em vigor desta Lei, tenham se manifestado, por meio de atos individuais ou coletivos, ou tenham financiado ou participado de tais manifestações e protestos, relacionados às eleições de 2022 e temas a ela pertinentes”.

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A brecha para abranger a situação de Bolsonaro, hoje denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado e condenado duas vezes à inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, foi ampliada em outros projetos de lei.

A proposta de Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e sua bancada na Câmara concede anistia aos participantes de manifestações com motivação política ou eleitoral, ou que as apoiaram com contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em redes sociais. Reforça que a anistia compreende os crimes com motivação política ou eleitoral.

A justificativa do texto critica as “abundantes prisões” no 8 de Janeiro, mencionado como episódio que gerou “a maior comoção” entre as manifestações e definido como “excepcionalidade”. Crivella se refere à sua proposta como “apaziguadora, de arrefecimento de espíritos e congraçamento dos contrários por meio do perdão soberano”.

Adilson Barroso (PL-SP) foi o mais célere a propor um projeto mirando no perdão a Bolsonaro — foi protocolado no mesmo dia em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou o ex-presidente à inelegibilidade por ataques à democracia, em 30 de junho de 2023. Concede anistia “a todos aqueles que, no período das eleições de 2022 tenham praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política e eleitoral.”

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De maneira semelhante, o projeto do deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) propõe anistiar todos os acusados e condenados pelos crimes antidemocráticos ocorridos no 8 de Janeiro. “Vale ressaltar que não estamos propondo uma anistia ampla, mas apenas para esses crimes específicos, dada a impossibilidade de identificar objetivamente a intenção de cometê-los. Permanecendo as acusações e condenações pelos crimes de dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa, porventura ocorridas em razão das manifestações”, diz o texto.

O texto do Delegado Ramagem (PL-RJ) e cinco correligionários visa separar os vândalos dos apoiadores, financiadores e organizadores do 8 de Janeiro. Propõe alterar o Código Penal para incluir o termo “violência contra a pessoa” no artigo que trata de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito”. O objetivo é afastar interpretações que enquadrem como “atentado ao Estado democrático de direito o que seja em verdade dano ao patrimônio público, depredação e congêneres”.

O projeto de Hélio Lopes (PL-RJ), outro da tropa de choque de Bolsonaro na Câmara, foi o único apensado ao de Vitor Hugo que mira nos condenados de menor poder aquisitivo em vez de favorecer os “peixes grandes” do episódio. O texto prevê livrar de pagamento de prestação pecuniária (pena alternativa à prisão, que consiste no pagamento de uma quantia em dinheiro à vítima) aqueles bolsonaristas presos que estejam inscritos no Cadastro Único ou comprovem que não têm condições de arcar com o pagamento “sem prejuízo ao seu sustento próprio ou de sua família”.

Por fim, ainda que decrete a revogação das punições e crimes atribuídos a todos os envolvidos “nos eventos de 8 e 9 de janeiro de 2023”, a proposição de Marcos Pollon (PL-MS) restringe o perdão às acusações e condenações de crimes de “associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado e incitação ao crime”.

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Prevê que a anistia não impede a continuidade de investigações sobre eventuais crimes cometidos durante o ato — isto é, restariam as punições a vandalismo contra o patrimônio público, por exemplo. Cita “punições desproporcionais” e “penas pesadas” em razão de um “erro na tipificação das condutas”, uma vez que, segundo o autor, houve uma excessiva generalização das condutas, tipificando como tentativa de golpe ações menos graves.

Apesar das brechas, Bolsonaro e os aliados têm centrado o discurso nos militantes presos e por vezes se esquivado de responder se cabe o perdão ao ex-presidente. Em fevereiro, durante uma ida ao Senado Federal, ele foi questionado se teria votos suficientes para também aprovar a sua própria anistia. Ele respondeu que o seu caso poderia ser resolvido com uma revisão da Lei da Ficha Limpa, e não um projeto de lei para perdoar seus crimes.

“Não é anistia o meu caso. O meu caso é mudar a Lei da Ficha Limpa. Deixa amadurecer um pouquinho mais. O pessoal está entendendo que a Lei da Ficha Limpa é usada para perseguir a direita, só isso”, declarou Bolsonaro na ocasião. Ao contrário do que diz Bolsonaro, PT e PL tiveram quase o mesmo número de candidatos barrados pela Ficha Limpa em 2024.

Como mostrado pelo Placar da Anistia do Estadão, pelo menos 43 deputados são favoráveis à extinção ou redução das penas dos envolvidos no atos, mas são contra estender esse benefício ao ex-presidente.

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