Projeto da minirreforma eleitoral pode livrar da cassação quem comprar voto ou fizer gasto ilícito

Iniciativa será votada no plenário nesta quarta-feira; organizações de transparência falam em ‘consternação’ com projeto inicial

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Foto do author Levy Teles
Atualização:

BRASÍLIA — O projeto da minirreforma eleitoral, a ser protocolado nesta terça-feira, 12, abre brechas para que candidatos que praticaram compra de votos ou que realizaram gastos ilícitos durante a campanha possam não ter o mandato cassado. O texto cria uma outra opção de punição para esses casos, porém mais branda: pagar multa que varia entre R$ 10 mil e R$ 150 mil. Caberá ao juiz eleitoral fazer a avaliação e definir a pena segundo a gravidade do caso.

No texto que trata da compra de votos, a mudança foi sutil. A irregularidade na lei atual prevê duas punições que se somam: cassação do diploma e multa. A conjunção “e” foi substituída, no novo texto, pela “ou”. Assim, o candidato que for condenado pela compra de votos pode ser multado ou perder o diploma de eleito. No outro caso, agora a Justiça eleitoral poderá só aplicar a sanção financeira ao infrator. Organizações de transparência eleitoral criticam a medida.

Os deputados Dani Cunha e Rubens Pereira Júnior fazem parte do Grupo de Trabalho que elabora texto da minirreforma eleitoral Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

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Essas mudanças fazem parte do texto inicial apresentado na manhã desta segunda-feira, 11. Espera-se que o texto final, após reunião do grupo de trabalho, apresente mudanças.

“Estive em reunião com outras organizações sobre o tema e posso dizer que o clima é de consternação”, disse Arthur Mello, coordenador de advocacy do Pacto Pela Democracia. “Esses dois artigos são alguns dos que a gente olha com muita preocupação.”

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Esse é apenas um dos tópicos controversos os quais a minirreforma pretende alterar. A proposta também altera a lei da Ficha Limpa, flexibiliza aspectos de transparência dos partidos e dos candidatos e fragiliza a promoção de candidaturas de mulheres e de pessoas negras.

A reforma também limitará o prazo de inelegibilidade dos candidatos em oito anos com ajustes na forma de conter esse prazo em que o político fica impedido de disputar uma eleição. Políticos que chefiem o Executivo — como presidentes, govenadores e prefeitos — cumprirão o período de afastamento a partir da data da renúncia. Anteriormente, o prazo valia para os oito anos após o término do mandato.

Como mostrou o Estadão, a minirreforma poderá afetar a gestão de recursos para candidaturas negras, abrindo margem para que os partidos possam manejar o recurso como quiserem. A jurisprudência do TSE fala que o repasse há de ser proporcional. Isto é, se há 40% de candidaturas negras, 40% dos recursos devem ser destinados ao grupo. Na minirreforma eleitoral não há referência sobre o valor a ser destinado para pleitos raciais.

O texto passou pela discussão de integrantes do GT na tarde desta segunda-feira, 11, ato final dos trabalhos dos integrantes. A proposta será protocolada na terça-feira para ir a plenário na quarta-feira. O projeto, fatiado em dois, acelerou na Casa em poucos meses porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deseja que a nova lei possa valer para as eleições municipais de 2024. Para isso, o texto precisa ser sancionado até o dia 5 de outubro de 2023. A proposta tem previsão de passar por votação em plenário da Câmara na quarta-feira. Caso aprovada, irá ao Senado.

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Veja os principais pontos da minirreforma:

Brecha para para não cassar diploma em caso de compra de voto e gasto ilícito na campanha

Uma nova redação na legislação eleitoral abre a oportunidade para que a Justiça eleitoral apenas aplique uma multa entre R$10.000 e R$ 150.000 para quem, comprovadamente captar ou gastar ilicitamente recursos para fins eleitorais ou para quem fizer a compra de votos. No caso de gasto ilícito, atualmente, só há duas possibilidades de punição: a negação do diploma ao candidato, ou a cassação, se já houver sido outorgado

Projeto protege partidos de punições em caso de não prestação de contas

A minirreforma também pretende trazer uma nova redação para o caso de punições no caso da falta de prestação de contas de partidos. O novo trecho apenas quer punir as legendas com a suspensão de novas cotas do fundo partidário (e não do eleitoral) enquanto perdurar o não-pagamento. Antigamente a legislação perimitia o cancelamento de registro civil caso fique provada a não-prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Ausência de limite de tamanho para anúncios políticos

A minirreforma retira o limite 0,5m² como tamanho limite para anúncios políticos em adesivos plásticos colados em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais.

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Recursos dos partidos não poderão ser dados como garantia

De acordo com o texto, os recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário não poderão mais ser dados em garantia ou bloqueados, veda a determinação judicial de bloqueio dos bens com a única exceção em casos de má administração dos bens.

Neste caso, quem trabalhou ou prestou serviços a um candidato durante o pleito podem ficar sem receber recursos sem serem pagos.

‘Boca de urna’ nas redes

O texto apresentado permite a propaganda eleitoral no dia da eleição, mas veda o impulsionamento pago dos anúncios para alcançar mais público. O especialista em Direito eleitoral Alberto Rollo vê aqui uma “boca de urna” em ambientes digitais, ainda que não textualmente legalizada.

“Fazer propaganda na internet no dia da eleição não deixa de ser boca de urna na internet. O eleitor abre as redes sociais e vê propaganda eleitoral, é uma boca de urna diferente, mas é uma boca de urna”, afirmou.

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“Nada consta”

O projeto de lei dispensa a apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos. Esses documentos acabam revelando a lista de processos quando o político responde a processos judiciais.

Candidatas femininas não perderão mandato em caso de irregularidade na cota de gênero

O texto impede que sejam aplicadas sanções de perda de mandato de candidatas ou candidatos que não tenham preenchido a cota de gênero caso a decisão implique na redução no número de candidatas eleitas. Ou seja, desde que haja uma única mulher eleita a mais, a fraude não trará consequências.

Hoje é preciso que partidos apresentem pelo menos 30% de candidaturas totais de mulheres. A minirreforma também quer que a proporcionalidade seja feita em relação ao número nacional. Isto é que o total de mulheres candidatas represente um terço de todas as candidaturas de um partido no País.

Regras para fraude de gênero e ampliação da classificação de violência política

A minirreforma apresentam fatores que caracterizariam fraude à cota de gênero em candidaturas. São estas: a não realização de atos de campanha, a não realização de despesas de campanha, ausência de repasse de recursos financeiros e obtenção de votação “que revele não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.

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A candidata que desistir da candidatura deverá fazer uma declaração justificada, sob pena de responsabilização caso comprovada alguma alegação falsa.

O rol de vítimas de violência política contra mulher também será ampliado. Agora, na nova redação, não apenas a candidata, mas a pré-candidata a um cargo, detentora de mandato ou qualquer mulher em razão de atividade partidária política ou eleitoral pode ser enquadrada como vítima de violência política de gênero.

Partidos podem não precisar destinar uma quantidade mínima de recursos para candidaturas negras

Um dos parágrafos do projeto diz que a destinação de recursos a candidaturas específicas “observará a autonomia e o interesse partidário”, dando a única ressalva às candidaturas femininas. O texto abre brecha para a interpretação que não é preciso um valor reservado para candidaturas negras. A atual jurisprudência do TSE fala em proporcionalidade do repasse dos fundos em relação às candidaturas.

Regras para barrar ficha suja

A proposta de minirreforma eleitoral pretende alterar as regras de contagem de tempo para um político condenado ser impedido de disputar eleição. O relator optou que a data da eleição é o marco inicial para o prazo de máximo de oito anos de contagem para a inelegibilidade. Isso pode encurtar o prazo de um político disputar uma eleição. Atualmente este prazo começa a correr “após o cumprimento da pena”.

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Mesmo assim, aponta o especialista em Direito Eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a alteração ainda não unifica o prazo. “O prazo continuará a depender da “sorte” ou do “azar” dos candidatos, baseado no dia em que recai o primeiro domingo de outubro nas eleições subsequentes”.

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