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Justiça aceita denúncia e agente penal que matou petista no Paraná vira réu

Promotoria mudou qualificadora e vê motivo fútil e não torpe, como apontou o inquérito da Polícia Civil

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Por Bruno Zanette
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO/FOZ DO IGUAÇU - O agente penal federal Jorge Guaranho se tornou réu nesta quarta-feira, 20, pelo assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu. A Justiça do Paraná aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual, de homicídio duplamente qualificado cometido por “preferências político-partidárias antagônicas”. Guaranho é bolsonarista.

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Diferentemente do inquérito concluído em cinco dias pela Polícia Civil do Paraná, a Promotoria entendeu que o crime foi motivado por “preferências político-partidárias antagônicas” e trocou uma qualificadora, de torpe, como concluiu a polícia, para fútil. Na prática, a mudança não altera a pena caso Guaranho seja condenado, que pode chegar a 30 anos.

Arruda foi morto no dia 9, quando comemorava seu aniversário com o tema do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT, na Associação Recreativa Esportiva Saúde Física (Aresf). Bolsonarista, Guaranho foi até ao clube ao ter acesso a imagens do local e provocou quem estava ali com gritos de “aqui é Bolsonaro” e atirou em Arruda, que revidou. O petista morreu no local. Guaranho teria saído da UTI na terça-feira, segundo informações da CNN.

Pela legislação, o assassinato não tem embasamento jurídico necessário para ser considerado como crime político, embora os promotores reconheçam que a prática se deu em razão de divergências políticas.

“De acordo acordo com a lei 14.197/2021, é considerado crime politico a violação da soberania nacional, as instituições democráticas, violar o funcionamento dessas instituições democráticas no processo eleitoral e os serviços essenciais. O crime de Guaranho foi um homicídio gravíssimo, duplamente qualificado, notoriamente praticado por divergências político-partidárias, o que o torna motivo fútil e que colocou em risco a vida de outras pessoas”, disse o promotor Tiago Lisboa.

A decisão do MP de divergir da autoridade policial, portanto, se restringe à mudança de entendimento sobre a dinâmica do crime.

Jorge José da Rocha Guaranho é apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

No inquérito apresentado pela Policia Civil, os dois momentos em que Guaranho se aproxima do local da festa de aniversário com temática do PT estão divididos. As primeira vez, na presença de esposa e filha de três meses, foi para provocar o aniversariante Marcelo Arruda. Após ter o carro atingido por objetos como terra e pedras, Guaranho retornou, segundo a conclusão daquele inquérito, para tirar explicações por ter se sentido humilhado.

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Agora, o MPPR entende que todo o contexto é apenas um, o motivo banal da discussão por ideologias políticas diferentes. O que reforça isso, é o depoimento de uma testemunha que fazia a vigilância do local e disse ter escutado Jorge Guaranho gritar “aqui é Bolsonaro”, antes de efetuar o primeiro disparo contra Marcelo Arruda.

A partir desta percepção, a promotoria defende que a qualificadora do crime não foi torpe, por entender que este motivo só é enquadrado quando pressupõe o recebimento de vantagem ou algum tipo, como econômica. Trata-se de uma definição técnica e jurídica que não muda o teto da pena que Guaranho pode receber, se condenado.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, o motivo torpe está relacionado à desqualificação vil e cruel da vítima, que desmerece ontologicamente o sujeito, enquanto a causa fútil implica uma desproporcionalidade.

“Acredito que a mudança ocorreu porque na visão da acusação, matar por preferências político-partidárias antagônicas (ou ódio político), é algo desproporcional, insignificante, mesquinho”, defendeu o advogado criminal mestre e doutor em direito penal pela USP, Cristiano Maronna.

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Professor da FGV-RJ e conselheiro do IBCCRIM, Thiago Bottino corrobora a tese. Para ele, o MP muda o entendimento, como titular da ação penal, por entender que seria mais fácil enquadrar a motivação política como uma futilidade. “O que ele (MP) vai fazer durante o processo é tentar provar isso. Dentro da estratégia ele acha que é mais fácil provar ou entende que seja o caso de acusar por motivo fútil”, aponta.

A Promotoria denunciou Guaranho mesmo depois de pedir à Justiça que o inquérito fosse devolvido à Polícia Civil para novas oitivas. O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) solicitou que uma testemunha que estava no churrasco junto com Guaranho antes de ir para a festa de aniversário de Arruda fosse ouvida novamente.

O motivo era para que fossem identificados outros diretores da Aresf e que estavam presentes no churrasco com Guaranho no clube da Associação de Empregados da Itaipu Binacional (Assemib), próximo da Aresf. Esses diretores teriam acesso as imagens das câmeras de segurança da Aresf através do celular.

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Defesa concorda com denúncia

O advogado de defesa da família de Marcelo Arruda concordam com o teor da denúncia apresentada. ”Entendemos que foi fundamental pelo Ministério Público de que a motivação politica nesse caso do primeiro momento e segundo, quando Guaranho retorna ao final da festa e efetua os disparos é a mesma. Entendemos como coerente, independente da tipificação legal de torpe para fútil”, avaliou Ian Vargas, advogado da família. A defesa agora seguirá acompanhando comi assistente de acusação, junto ao Ministério Público, inclusive durante o julgamento, em caso de tribunal do júri.

Relembre o caso

Na sexta-feira, 15, a delegada Camila Cecconello, responsável por comandar as investigações sobre a morte de Arruda, informou que Guaranho ficou sabendo que uma comemoração com temática do PT estava ocorrendo na Aresf porque as imagens das câmeras de segurança da festa foram mostradas a ele durante um churrasco. A identidade da pessoa que tinha acesso às imagens das câmeras não foi revelada. Segundo a delegada, a testemunha afirmou que não teria mostrado as imagens por maldade e não sabia das intenções de Guaranho.

Guaranho saiu do churrasco e esteve na festa de aniversário de Marcelo Arruda por duas vezes, na noite do dia 9. Na primeira, estava na companhia da esposa e um bebê de três meses no banco de trás do carro, com som alto em uma música de apoio a Bolsonaro. De acordo com testemunhas, ao parar o veículo na entrada da festa e abaixar os vidros, Guaranho começou a gritar palavras de apoio ao presidente, tais como “aqui é Bolsonaro” e “mito”, além de fazer xingamentos ao PT. Houve um princípio de discussão entre ele e Arruda, que jogou pedras e terra em direção ao carro. Nesse momento, Guaranho apontou a arma para Arruda e a esposa do guarda municipal, Pâmela Suellen Silva, interveio.

Após deixar a esposa e bebê em casa, Guaranho retornou à festa. Em depoimento à Polícia Civil, a esposa de Guaranho disse que pediu ao marido para não retornar, mas ele havia se sentido humilhado por ter sido atingido por terra e pedras. Já de volta à festa, ele saiu do carro armado - Arruda também estava armado. Guaranho atirou primeiro. Dos quatro tiros que deu, dois acertaram Arruda, que, mesmo ferido, conseguiu revidar com dez disparos, dos quais quatro acertaram Guaranho.

Caído ao chão, Guaranho ainda recebeu diversos chutes no rosto de pelo menos três pessoas. Arruda chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu, deixando esposa e quatro filhos.

Internado desde o dia 10 de julho, Jorge Guaranho saiu da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), nesta quarta-feira, 20, do Hospital Costa Cavalcanti. Segundo o boletim médico anexado na denúncia, o paciente se recupera bem. Há uma escolta policial no hospital, pelo fato de Jorge Guaranho estar em prisão preventiva e, tão logo tenha condições, prestará depoimento e quando receber alta, deverá ser colocado em cárcere privado.

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