BRASÍLIA - Uma comissão de juristas que elabora uma proposta para alterar o Código Civil incorporou pontos do PL 2630 das Fake News e revogou um artigo do Marco Civil da Internet no texto que será apresentado ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O anteprojeto será debatido no plenário do Senado nesta quarta-feira, 17. Um trecho da proposta vai tratar especificamente de Direito Digital e prever também a possibilidade de incluir redes sociais em testamento e apontar critérios para a inteligência artificial criar imagens de pessoas mortas.
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O Código Civil é um conjunto de normas que impactam o dia a dia dos cidadãos brasileiros, como, por exemplo, regras sobre casamento, divórcio, herança e contratos. A atual legislação foi sancionada em 2002 e entrou em vigor no ano seguinte, em substituição à lei anterior, de 1916. Até 2023, o Congresso havia feito 63 alterações no Código Civil. A proposta de mudanças dos juristas é ampla e sugere mais de mil revisões e atualizações na lei.
“O Código Civil é o diploma que rege a vida do cidadão comum, rege toda a nossa vida em sociedade. Nós temos um código que, embora ele tenha pouco mais de 20 anos, a comissão que elaborou essas primeiras regras é de 40 anos atrás”, afirmou o presidente do grupo e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão, ao Estadão.
“Nesse meio tempo, a sociedade mudou muito. Houve impactos da tecnologia que transformaram todas as relações jurídicas. Contratos, reprodução assistida, direito digital. É preciso, e todos os países do mundo estão fazendo isso, adaptar as legislações, atualizando seus preceitos para proteção de dados, para essa vida que migra do analógico para o digital.”
A comissão com 38 juristas foi instituída por ordem de Rodrigo Pacheco, em agosto do ano passado, e instalada em setembro. O prazo de encerramento dos trabalhos é na sexta-feira, 12. Uma das inovações apresentadas pela comissão é a inclusão de um livro sobre Direito Digital no Código Civil. Em vez de os temas ligados à tecnologia entrarem na legislação em capítulos pré-existentes, por sugestão de Salomão, eles vão compor um único módulo.
“Desde Roma, o Direito Civil é dividido em livros. Você tem o livro das obrigações, de contratos, de sucessões e assim por diante”, explicou o advogado e integrante da comissão, Ricardo Campos. “Como a vida e a economia migraram para o meio digital, ter um livro de Direito Digital é muito importante. A internet virou centro de tudo.”
Campos é professor da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha) e especialista nas áreas de proteção de dados, regulação de serviços digitais e direito público. Ele é um dos autores das sugestões do livro de Direito Digital. A proposta pretende, por exemplo, revogar o artigo 19 do Marco Civil da Internet que trata da responsabilidade das plataformas digitais. O trecho prevê que as empresas só podem ser punidas por conteúdos “nocivos” gerados pelos usuários se, após uma ordem judicial específica, não tomarem providências.
Os juristas propõem que as empresas poderão ser responsabilizadas administrativamente e civilmente por danos causados por conteúdos de usuários distribuídos por meio de publicidade nas plataformas. Este trecho consta do PL das Fake News. Também há possibilidade de punição às empresas por danos provocados por conteúdos de usuários quando houver “descumprimento sistemático” de deveres e obrigações previstas no Código Civil.
O artigo 19 é discutido em uma ação que corre no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro da Corte Dias Toffoli liberou o processo para a pauta no ano passado. Em maio do ano passado, em meio à discussão sobre o PL das Fake News na Câmara, a então presidente do STF, Rosa Weber, adiou o julgamento da ação.
Outros pontos da proposta dos juristas vão ao encontro de artigos do projeto de lei das Fake News. Os juristas sugerem, por exemplo, que os termos de uso das plataformas tenham linguagem de fácil compreensão, pedem que as redes criem mecanismos eficazes de reclamação e de verificação da idade de crianças e adolescentes e proíbam direcionamento de publicidade para este público - temas que constam no texto de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
A proposta de alterar o Código Civil foi criticada pelo ministro do STF Dias Toffoli. “É difícil ter segurança jurídica em um país que a cada 20 anos cria comissão no Congresso para rever o Código Civil, né?”, disse o ministro durante uma sessão do plenário da Corte, na quarta-feira, 4.
Entre 1º e 5 de abril, a comissão discutiu, alterou e votou pontos do relatório que reúne todas as propostas de mudança. O livro sobre Direito Digital foi aprovado por unanimidade e sem emendas.
Com quem fica o Instagram de alguém que morreu? E milhas aéreas?
Um dos capítulos do livro sobre Direito Digital sugerido pela comissão trata do patrimônio que uma pessoa constrói no ambiente virtual. O módulo inclui, por exemplo, dados financeiros, senhas, contas de redes sociais e de jogos cibernéticos, fotos, vídeos, criptomoedas e milhas aéreas.
“A transmissão hereditária dos dados e informações contidas em qualquer aplicação de internet, bem como das senhas e códigos de acesso, pode ser regulada em testamento”, propõe o grupo.
Segundo Ricardo Campos, uma conta com 20 milhões de seguidores em uma rede social, por exemplo, pode valer até mais do que um imóvel. “Se um apartamento você pode botar no testamento, você não vai colocar uma conta de rede social? Não faz sentido”, disse. “A gente procurou regular relações, novas formas patrimoniais que só existem se existir a internet.”
Outro trecho da proposta dos juristas estabelece critérios gerais para uso de inteligência artificial em caso de pessoas mortas. No ano passado, uma campanha publicitária juntou a cantora Maria Rita e a mãe, Elis Regina - morta em 1982 - e provocou discussões sobre o uso da tecnologia.
O livro sobre Direito Digital estabelece cinco condições para “a criação de imagens de pessoas vivas e falecidas por meio de inteligência artificial”. Por exemplo, obtenção prévia e expressa de consentimento da pessoa e “respeito à dignidade, à reputação e ao legado da pessoa natural representada”. Segundo a proposta, a criação de imagens não deve ser difamatória, desrespeitosa ou contrária ao modo de ser ou de pensar da pessoa retratada.
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