Os protestos às vezes violentos que vêm abalando o Chile desde 18 de outubro reverberaram nas discussões do Summit Estadão Brasil – O que é poder? Pelo menos dois participantes do evento referiram-se às conflagrações no país governado por Sebastián Piñera como uma advertência para o Brasil. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ao pontuar que a democracia não deve ser entendida como a ditadura da maioria, observou que minorias que têm seu direito à expressão abafado podem se tornar uma ameaça à vida democrática: “Vejam o que está acontecendo no Chile”, alertou.
A secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Patrícia Ellen da Silva, falou da pressa que todo governante deve ter para levar educação e oportunidades para os desassistidos, e usou o Chile para enfatizar a urgência da tarefa: “A gente está vendo o que está acontecendo no Chile agora. A gente não tem mais tempo: vai ter que trocar a turbina com o avião no ar”. Entusiasta do modelo liberal seguido pelo Chile, o ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou o significado da revolta recente: “Porque uma milhão de pessoas se reuniram e protestaram, você vai negar 30 anos de acerto?”, provocou.
Não é só no Chile que o descontentamento popular tem ganhado as ruas. Eduardo Leite lembrou, com propriedade, que o Brasil já viveu turbulência similar no passado. Em 2013, multidões levaram suas pautas difusas às ruas de todo o País seguindo protestos que começaram em São Paulo, por causa de um aumento de 20 centavos na tarifa do transporte público – valor quase equivalente aos 30 pesos de aumento na passagem do metrô em Santiago que deram origem aos protestos chilenos. Na Colômbia, protesta-se por educação; na Bolívia, contra a reeleição (com suspeitas de fraude) do presidente Evo Morales. Na França, os chamados “coletes amarelos” que protestam contra o governo de Emmanuel Macron vêm incorporando preocupantes elementos de antissemitismo a suas ações. A revolta não tem cor partidária definida: tem feito pressão sobre governos de esquerda e de direita.
Pelo menos desde a chamada Primavera Árabe, em 2011, as redes sociais têm sido o canal para chamar e organizar protestos de massa. Mas no Brasil, pelo menos, o agressivo sectarismo ideológico que transpira do Twitter e do Facebook não encontra eco fora da internet. Pelo menos, essa é a percepção que o apresentador da rede Globo Luciano Huck, muito ativo no Twitter, levou ao Summit Estadão Brasil. “Não enxergo nas ruas a temperatura das redes”, avaliou Huck.
Paparicado por Fernando Henrique Cardoso, o astro do Caldeirão do Huck vem sendo citado como possível candidato a sucessor de Jair Bolsonaro. No evento, porém, ele se apresentou apenas como um “cidadão ativo” que, por força da profissão, rodou todo o País e viu de perto os dramas sociais dos brasileiros. Empenhado nos movimentos RenovaBR e Agora!, que pretendem qualificar a política, Huck demonstrou preocupação sobretudo com a desigualdade – um problema grave que, diz ele, não será resolvido pelos esforços conjugados de entidades da sociedade civil: só o Estado teria o poder de corrigi-lo. Huck, porém, adverte que, para tanto, o Estado tem de ter gestão eficiente, e não pode descuidar da responsabilidade fiscal: “Só vai conseguir cuidar das pessoas quem souber cuidar de suas contas”.
Se Luciano Huck faz o papel do articulador, circulando entre as periferias onde busca personagens para seu programa e as salas de figurões da política, Catarina Lorenzo trouxe ao evento a energia e o frescor do protesto jovem que vem fazendo pressão global pelo meio ambiente. Era a participante mais jovem do Summit: 12 anos. Surfista, ela começou a se preocupar com o aquecimento global quando sentiu a água demasiado quente na praia em que costumava nadar, nas imediações de Salvador, e viu sinais de degeneração nos corais. Na condição de ativista ambiental, Catarina foi a Nova York participar de encontros na ONU, e lá conheceu a sueca Greta Thunberg, porta-voz mundial do movimento jovem que pede reduções drásticas – irreais, dizem os críticos – no consumo de combustíveis fósseis. Quando o vazamento de óleo que tem poluído praias do Nordeste chegou ao litoral baiano, Catarina juntou-se aos voluntários que tentaram limpar a areia. O óleo, lamenta, atrapalha a prática do surf: “Quase não estou conseguindo mais treinar”.
A urgência de quem exige tudo agora, tão própria dos mais variados movimentos de rua pelo mundo, ganha em sua voz uma nota singela: “Se não fizermos alguma coisa agora, no futuro, não haverá o que fazer, e nós, das novas gerações, teremos de pagar as consequências”, disse Catarina.
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