BRASÍLIA – Dirigentes do PT avaliam que a comunicação do governo Lula precisa de uma guinada na segunda metade do mandato, a partir de 2025. A inesperada ascensão do influenciador Pablo Marçal na campanha pela Prefeitura de São Paulo serviu para que petistas cobrassem um plano de ação, com o objetivo de disputar as mídias digitais com a direita.
Há no comando do PT o diagnóstico de que a maioria dos ministros não “vende” as ações do governo como deveria, fazendo com que a percepção popular da administração seja pior do que a realidade.
Outro problema apontado diz respeito ao estilo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, embora seja um comunicador experiente, muitas vezes comete gafes e transforma o que poderia ser um fato positivo para o Palácio do Planalto em manchete negativa.
Nos bastidores, até mesmo interlocutores de Lula admitem que ele já deu vários tiros no pé ao falar sobre determinados assuntos, como a crise política na Venezuela, sendo obrigado a corrigir a rota quando sua popularidade cai.
“O governo tem de entrar menos em bola dividida e transformar os ganhos da economia em valores”, disse o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). “Além de não capitalizar as entregas, o governo erra ao entrar em falsas polêmicas.”
Ex-presidente do diretório do PT de Minas Gerais, Lopes afirmou que ministros deveriam traduzir o “economês” para a população porque ninguém entende o que é arcabouço fiscal nem meta de inflação.
“Precisamos sair da armadilha da pauta de costumes, que é uma agenda da direita”, insistiu. O publicitário Sidônio Palmeira, marqueteiro de Lula na campanha de 2022, concorda com esse raciocínio. “Economia, para o povo, é feira”, resumiu.
Partido vai inaugurar estúdio para divulgar ações do governo
Em setembro, o PT vai inaugurar um estúdio de TV e rádio, na liderança do partido na Câmara, para que deputados e senadores possam divulgar suas atividades e falar bem da gestão Lula.
“Quem mais divulga o governo é o próprio presidente. Ele tem sido um garoto-propaganda importante, mas os ministros são muito tímidos”, avaliou o secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto. “O governo precisa ter uma estratégia de comunicação unificada para que todos falem a mesma linguagem. Hoje não tem isso.”
Tatto disse, ainda, que as redes do PT ganharam mais seguidores com a divulgação de notícias sobre projetos do governo, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Pé de Meia. Atualmente, são cerca de 5 milhões em plataformas como Instagram, X (antigo Twitter), Facebook e YouTube.
“Estamos impulsionando coisas que o governo não impulsiona. Nós, sim, temos uma estratégia para fortalecer o partido e nossas bandeiras”, alfinetou o deputado.
Em julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu uma licitação da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) para gerenciamento de redes sociais do governo, no valor de R$ 197,7 milhões, após ver ali indícios de vazamento de propostas. Nesta sexta-feira, 30, a Secom anulou a concorrência, que já havia selecionado quatro empresas de comunicação digital.
O ministro Paulo Pimenta vai reassumir a chefia da Secom neste mês de setembro, depois de ter ficado quatro meses no comando da Secretaria Extraordinária da Presidência para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.
Quando Pimenta deixou o Planalto, em maio, havia uma avaliação no governo e no PT de que ele poderia ser deslocado para outro ministério, pois sua gestão à frente da Secom era alvo de ataques. Lula, porém, não está disposto a fazer uma reforma na equipe às vésperas das eleições municipais.
Ao Estadão, Pimenta disse que não comentaria as críticas dos colegas de partido. “Não faço debate com petista pela imprensa, mas, sim, nos espaços adequados”, afirmou.
Na prática, o crescimento do candidato Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo, calcado em uma estratégia agressiva e forte atuação nas redes sociais, assustou o governo Lula, além dos adversários do ex-coach, como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado Guilherme Boulos (PSOL), apoiado pelo PT.
Foi a partir do “fator Marçal” que políticos petistas e de partidos da base aliada do Planalto se debruçaram sobre a urgência de investir nas mídias digitais.
“O peso Marçal é a prova do peso das redes virtuais, às vezes nada virtuosas”, resumiu o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). “Trata-se de uma linguagem nova, desafiadora, e o governo está perdendo essa corrida para a extrema direita.”
Lula diz que ‘Tik Tok vale mais do que um discurso’
Na noite de quarta-feira, 28, ao participar do lançamento do livro de Sidônio Palmeira em Brasília, Lula manifestou inconformismo com o que tem chamado de “algoritmo do pessimismo”.
Diante de uma plateia formada por amigos, no Museu Nacional da República, ele observou que as pessoas, agora, estão sendo educadas para não argumentar porque só querem saber de informações rápidas.
“O Tik Tok vale mais do que um discurso”, lamentou o presidente. Sem citar Marçal ou o ex-presidente Jair Bolsonaro, Lula afirmou ter saudade de campanhas do passado contra Geraldo Alckmin, hoje seu vice, José Serra e Fernando Henrique Cardoso. “A gente terminava de debater, se cumprimentava e cada um ia para um canto”, lembrou. “Como era bom brigar com Mário Covas e até com (Paulo) Maluf.”
Com baixa audiência, a live semanal de Lula, intitulada “Conversa com o Presidente”, saiu de cena no fim do ano passado. O podcast foi substituído por entrevistas, principalmente para rádios regionais.
A partir do monitoramento de redes e testes de engajamento, o Planalto define quais conteúdos devem ser produzidos para cada região do País.
“Só que em São Paulo o Tarcísio está dizendo que o PIB industrial e da agricultura cresceu e ninguém do governo federal fala que isso é resultado da política econômica”, criticou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) ao mencionar o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Derrapadas dão munição para bombardeio
Nas entrevistas de rádio e mesmo em atos políticos fora de Brasília, Lula tem cometido derrapadas e tropeços verbais que acabam repercutindo contra sua gestão. No caso do impasse após as eleições na Venezuela, por exemplo, o vaivém do presidente deu munição para o bombardeio.
Embora desde o início da crise Lula tenha dito que Nicolas Maduro – a quem não chama de ditador – precisava apresentar as atas de votação, suas declarações de que a briga no país vizinho era algo “normal” atiçaram as redes sociais.
Dias depois, o petista definiu o regime da Venezuela como “muito desagradável”. Mais adiante, vislumbrou a saída de um “governo de coalizão” entre Maduro e a oposição, seguido por novas eleições.
Na sexta-feira, 23, Lula comprou uma briga considerada desnecessária dentro do próprio governo com o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres. Em discurso, ele afirmou que a Anvisa precisava “andar um pouco mais rápido” para liberar medicamentos.
Barra Torres reagiu e divulgou nota dizendo ter alertado várias vezes o governo de que a Anvisa estava “sucateada” e com falta de servidores.
Na tentativa de contornar o mal-estar, o Ministério da Saúde também soltou uma nota, no sábado, 24, para sublinhar que “o governo federal reconhece todo o trabalho e excelência da Anvisa”.
Meses antes, na primeira reunião ministerial do ano, em março, Lula chamou Bolsonaro de “covardão”. O xingamento acabou tomando conta do noticiário, quando à epoca a equipe apostava no anúncio das medidas adotadas pelo governo para reverter a queda de popularidade.
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