O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou nesta quinta-feira, 16, resolução em que defende a culpabilização e punição de todos os envolvidos nos ataques golpistas do dia 8 de janeiro, inclusive os militares e especialmente o ex-presidente Jair Bolsonaro, sob a palavra de ordem “sem anistia”.
O texto se refere ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como “golpe” e chama de “quadrilha” os antigos procuradores da Operação Lava Jato e o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR), além de defender a revisão da autonomia do Banco Central, da taxa de juros e das metas de inflação.
Dilma sofreu impeachment em 2016 por promover as chamadas pedaladas fiscais. A prática consiste em uma manobra fiscal a fim de permitir ao governo cumprir as metas fiscais - portanto, indicando falsamente haver equilíbrio entre gastos e despesas nas contas públicas. A prática foi divulgada pelo Estadão.
Para entender
- Impeachment: A ex-presidente Dilma sofreu impeachment em 2016 por realizar pedaladas fiscais. A prática consiste em uma manobra fiscal a fim de indicar, sem relação com a realidade, equilíbrio entre gastos e despesas públicas.
- Lava Jato e Lula: Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá e mantido preso de abril de 2018 a novembro de 2019. Em 2021, o STF anulou todas as condenações por questões processuais, sem analisar o mérito.
- Lava Jato e Moro: A anulação indicava que o processo deveria ser julgado pela vara do Distrito Federal e não pela de Curitiba. A Corte concluiu que Moro foi parcial, o que fez com que as provas colhidas durante esse período fossem vetadas em eventuais processos futuros.
- Empreiteiras: Empreiteiras como Novonor, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC buscam revisar acordos de leniência com a Lava Jato. Acertos de pagamento somaram R$ 8 bilhões, uma indicação de que as investigações mostraram desvios.
- Balanço: De acordo com balanço do Ministério Público Federal, a operação teve 79 fases e incluiu mais de 1.400 mandados de busca e apreensão e 295 prisões (163 temporárias e 132 preventivas). Números reunidos pelo Projeto Comprova, apontam que foram propostas 35 ações de improbidade administrativa, dois acordos de colaboração homologados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e 138 acordos homologados no STF.
“As falsas denúncias engendradas contra nossos governos, nosso partido e nossas lideranças, desde o primeiro governo do presidente Lula e que se seguiram nos governos da presidenta Dilma, mostram que está mais do que claro que a criminalização da política e a destruição da democracia constituem um mesmo projeto”, afirma a resolução. O texto ignora os escândalos que marcaram as gestões, em especial o mensalão e a corrupção na Petrobras. Só neste último caso, investigado como parte da Operação Lava Jato, foi revelado um esquema que envolvia licitações fraudulentas com empreiteiras e o pagamento de propinas. Oficialmente, a Petrobras divulgou rombo de R$ 6,2 bilhões em seu balanço financeiro em 2015.
Onde de violência
O documento responsabiliza o governo Bolsonaro por provocar uma onda de “violência, ódio, intolerância e discriminação” na sociedade brasileira. “Os quatro anos de Bolsonaro permitiram que o ‘ovo da serpente’ fosse chocado”, diz o texto. “Por isso, seguir na luta pela culpabilização e punição de todos os envolvidos, inclusive os militares – desde os terroristas de Brasília até os grandes financiadores – é fundamental para a luta intransigente em defesa da democracia.”
“A palavra de ordem ‘SEM ANISTIA’ deve ser um imperativo do Partido para culpabilizar os responsáveis e exigir que Bolsonaro e seus cúmplices respondam pelos seus crimes.” Ao fim de reuniões do Diretório Nacional, a sigla costuma divulgar resoluções como uma espécie de “guia” para seus filiados e manifesto à sociedade, apresentando sua versão de como avalia o cenário político, econômico e social. O documento divulgado nesta quinta é o primeiro depois da posse de Lula para o terceiro mandato.
Após os atos violentos do 8 de janeiro, Lula admitiu ao Estadão que “perdeu a confiança” em parte dos militares da ativa. Na época, o chefe do Executivo ainda afirmou que as Forças Armadas “não são o poder moderador que pensam ser”. A crise na relação fez com que o governo aprovasse uma série de exonerações que atingiu, principalmente, militares de baixa patente, sem posição na cadeia de comando da segurança institucional, mas que atuavam no Gabinete de Segurança Institucional e na estrutura do Planato. A tensão levou Lula a trocar o comandante do Exército ainda nas primeiras semanas de governo. O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que chefiava o Comando Militar do Sudeste, assumiu o posto no lugar de Júlio César Arruda, que resistia a retirar a indicação do antigo ajudante de ordens de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, para a chefia do Batalhão de Ações e Comandos de Goiânia.
Embora tal fato não tenha sido citado na resolução, a desconfiança citada por Lula sobre os militares se reflete também numa ofensiva no Congresso para alterar o artigo 142 da Constituição, que trata do papel das Forças Armadas como instituição.
Lava Jato e Mensalão
Como mostrou o Estadão, o texto passou pelo crivo da cúpula petista horas antes do ato pela comemoração dos 43 anos da sigla, com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e recebeu emendas. A resolução afirma que os governos petistas, a sigla e suas lideranças foram alvos de “falsas denúncias” desde o início do governo Lula, em 2003. “Um projeto articulado de fora, numa guerra ‘soft’ envolvendo redes sociais, mídias empresariais variadas e a parte cooptada do judiciário brasileiro, cuja maior expressão foi o ex-juiz Sergio Moro e sua quadrilha de procuradores”, afirma o texto.
Moro foi um dos juízes responsáveis pela Operação Lava Jato, conhecida como a maior investigação sobre corrupção já feita no Brasil, que tinha como objetivo apurar e desarticular um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro na Petrobras. Durante a investigação, Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá e preso de abril de 2018 a novembro de 2019, sendo impedido de disputar as eleições de 2018.
Confira também:
Em 2021, o STF anulou todas as condenações do petista no caso sob a alegação de que o processo teria de ser analisado pela vara do Distrito Federal e não pela de Curitiba, onde atuava Moro. A Corte também concluiu que a atuação do agora senador no caso do tríplex foi parcial, o que fez com que as provas colhidas durante esse período fossem vetadas para uso em eventuais processos futuros sobre o caso.
Ao Estadão, o senador Moro afirmou que o documento compartilhado pelo PT não apaga “os escândalos de corrupção” em que o partido esteve envolvido e que foram descobertos pelas autoridades.
“A Lava Jato recuperou R$ 6 bilhões que haviam sido saqueados da Petrobras durante os governos do PT. Alguns membros do partido foram condenados e presos por decisões de vários magistrados e instâncias, um deles recentemente pelo STJ. Esta resolução do Diretório do PT não apaga os escândalos de corrupção, como do mensalão e petrolão, descobertos pelas autoridades. ”, afirmou.
O escândalo do mensalão estourou em 2005, após o ex-deputado Roberto Jefferson revelar um esquema de troca de apoio político ao governo Lula no Congresso por dinheiro, de forma recorrente, daí a ideia de mesada.
O caso foi apurado em várias frentes e o Ministério Público Federal apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Vinte pessoas foram presas, entre elas cinco petistas do primeiro escalão do partido, acusados de corrupção. Levantamento feito pela Polícia Federal, MPF e Tribunal de Contas da União indicou que Marcos Valério, dono de uma empresa de publicidade com contratos no governo, e operador do esquema de corrupção, movimentou pelo menos R$ 101,6 milhões.
Política de juros
Na mira de Lula e sob forte ataque do presidente e aliados, a taxa de juros no alto e atual patamar voltou a ser alvo de críticas na resolução da sigla, embora em tom mais ameno do que o já adotado até aqui.
“O programa de governo apresentado pelo Presidente Lula, aprovado nas urnas e constantemente reiterado pelo próprio presidente, prevê uma política econômica que permita o crescimento econômico, por isso é essencial a queda nas taxas de juros praticadas pelo Banco Central bem como a revisão das metas de inflação. Economistas renomados questionam duramente essa política de juros altos e, mais ainda: criticam a maneira leviana e inverídica de justificar essa política de juros altos ao brandir com o temor da inflação, que sabidamente não é uma inflação de demanda, mas sim tem a ver com as consequências da pandemia e a guerra na Ucrânia”, diz a resolução.
Nessa segunda-feira, 13, economistas representantes do pensamento econômico desenvolvimentista encabeçaram e assinaram o manifesto “Taxa de Juros para a Estabilidade Duradoura: manifesto de economistas em favor do desenvolvimento do Brasil” apoiando as críticas feitas de Lula à política monetária contracionista do Banco Central (BC).
O partido, entretanto, não deixou de ressaltar que é e sempre foi contra a autonomia do Banco Central. “Nossas bancadas devem propor ao Congresso Nacional a convocação do presidente do Banco Central para que venha debater essa política, tal como prevê a própria lei que aprovou a autonomia do Banco Central de 2019; autonomia contra a qual o PT sempre se posicionou contrariamente, por meio de suas instâncias e do voto das bancadas no Congresso”.
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