PTB bolsonarista filia integralistas e ruma à extrema-direita

Grupos extremistas saúdam guinada do partido cuja marca era o trabalhismo; mudança é conduzida por Roberto Jefferson, com discurso 'anticomunista' e armamentista

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Por Caio Sartori/RIO

Depois do trabalhismo dos anos pré-64 e do fisiologismo posterior à redemocratização, o integralismo, versão brasileira do fascismo, chegou ao PTB. Fundada em 1945 por Getúlio Vargas, a sigla foi a casa das duas primeiras gerações trabalhistas, inclusive do presidente João Goulart, mas está cada vez mais radicalizado à direita.

Seu presidente, o ex-deputado Roberto Jefferson - preso no mensalão -, passou a personificar o bolsonarismo: tem discurso armamentista, religioso e anticomunista. A atitude contrasta com posições dos anos 80, 90 e 2000. Na época, os petebistas sinalizavam se importar menos com ideologia; priorizavam cargos e verbas.

Integrantes do Movimento Integralista Brasileiro se reunem no centro de São Paulo em 2019 Foto: Hélvio Romero/Estadão

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Um dos marcos da direitização do partido que o regime militar considerou reduto de esquerdistas - e voltou, em 1979, em encarnação ultrapragmática -é a recepção, em suas fileiras, a grupos declaradamente fascistas. No último mês, integrantes da Frente Integralista Brasileira (FIB), entre eles o presidente Moisés José Lima, filiaram-se ao PTB em São Paulo. O grupo, continuidade dos primeiros fascistas brasileiros, afirmou em comunicado que a sigla se converteu numa casa para os integralistas que quiserem disputar eleições no ano que vem e em 2024.

Fundado em 1932 pelo jornalista Plínio Salgado, o integralismo imitava o fascismo italiano, de Benito Mussolini. O brasileiro, inclusive, havia se encontrado pouco antes com o Duce. Em 1938, o movimento tentou um putsch para derrubar o Estado Novo de Vargas. O regime começara um ano antes, com um golpe, e fora recebido com entusiasmo pelos integralistas. Logo, porém, eles se desiludiram por não integrar o governo. Atacaram o Palácio Guanabara, no Rio, onde o ditador dormia com a família. Não conseguiram vencer a resistência e foram presos. Salgado se exilou no Portugal salazarista.

Mais de 80 anos depois, a FIB aponta a guinada petebista do pragmatismo para a direita extremista ao explicar sua entrada no PTB.

“Por mais contraditório que pareça a alguns, o fato de (o PTB) ter certa ligação no passado com Getúlio Vargas, a realidade é que a única ligação é histórica: desde sua refundação nos anos 80 até recentemente, o partido seguiu certo pragmatismo que já era observado no PTB de décadas anteriores”, disse em seu site a Frente Integralista. “Tendo no último ano uma revisão doutrinária intensa, assumiram-se como bandeiras estatutárias a defesa da vida, o patriotismo, a família tradicional e os valores cristãos.”

Autor do livro ‘O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo’ em parceria com Leandro Pereira Gonçalves, o historiador Odilon Caldeira Neto diz que os grupos neointegralistas sempre buscam aproximação com algum partido político estabelecido. Essa prática começou, afirma, com o antigo Prona, de Enéas Carneiro, passou pelo PRTB de Levy Fidelix e agora dá sinais de que tentará o mesmo com o PTB.

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“Parece que, nesse sentido, o Roberto Jefferson virou o novo Levy. Foi Levy, na eleição de 2010, quem ajudou a popularizar certas ideias radicais. Com a emergência das chamadas novas direitas, ele e o PRTB fizeram um grande esforço em prol da sua radicalização”, afirma Neto. 

O historiador estima que a FIB não tenha mais que algumas centenas de militantes, o que também é uma característica de grupos neofascistas de outros países. Eles não tentam ser uma organização de massa - diferentemente do passado, quando protagonizavam desfiles de massa,militarizados, uniformizados de verde e com braçadeiras com o sigma. Preferem se aproximar de grupos mais amplos, que tenham poder. Nos anos 50 e 60, chegaram a se reorganizar no Partido de Representação Popular (PRP), sem expressão.

Espécie de guia e interlocutor da FIB com a institucionalidade, o advogado Paulo Fernando Melo da Costa foi secretário especial da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). Ele atuou pela soltura dos militantes bolsonaristas Sara Giromini e Oswaldo Eustáquio, acusados de atentar contra a democracia. Foi Costa quem articulou as filiações de integralistas ao PTB. 

O historiador explica que os valores morais defendidos pelos neointegralistas são os mesmos de segmentos maiores do conservadorismo brasileiro, o que os aproxima do bolsonarismo. Mas vão além da defesa um tanto quanto genérica da “família” e cultivam visões de Estado inspiradas no fascismo. 

“Defendem um certo tipo de organização da sociedade: integral, antidemocrática, antiparlamentarista; a extinção dos partidos políticos, o controle da imprensa e assim por diante. Inspiram-se de forma muito afeiçoada no modelo de sociedade integral do tempo do fascismo.” 

Acusado do atentado contra a produtora Porta dos Fundos em 2019 - após a veiculação do especial de Natal em que Jesus é retratado como homossexual - , Eduardo Fauzi era integrante da FIB. A Frente, contudo, repudiou oficialmente o ataque e o expulsou da organização. Fauzi fugiu para a Rússia e teve sua extradição pedida pelo Brasil.

FIB nega ser fascista e diz que PTB não será sua única ‘casa’

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Procurada na manhã da quarta-feira, 28, para se pronunciar sobre seu ingresso no PTB, a Frente Integralista Brasileira respondeu na manhã desta quinta, 29, com uma nota em que nega ser versão brasileira do fascismo, ao contrário do que dizem historiadores.  “Diversas críticas ao fascismo e movimentos diversos foram feitas - durante e inclusive antes mesmo da AIB - por Plínio Salgado”, diz a nota, assinada por Lucas Carvalho, secretário-geral da FIB.

Ao explicar o ingresso de quadros no PTB, a Frente alega que o partido é alicerçado no trabalhismo cristão e na Rerum Novarum, encíclica escrita pelo papa Papa Leão XIII, “tendo portanto – como nós – a Doutrina Social da Igreja como base e não o marxismo.” Também diz que a sigla não passa a ser necessariamente a casa dos neointegralistas, que estão espalhados por outras legendas.

PTB que recebeu integralistas nasceu de racha do trabalhismo

Quando o Brasil caminhava para o fim da ditadura, os trabalhistas exilados - tendo como principal líder o ex-governador gaúcho Leonel Brizola - tentaram refundar o PTB. Inspiravam-se na social-democracia europeia e contavam com a ajuda da Internacional Socialista. O ano era 1979, e as conversas se deram em Lisboa, cinco anos após a Revolução dos Cravos derrubar a ditadura portuguesa. 

Uma sobrinha de Getúlio, Ivete Vargas, contudo, discordou da articulação - com apoio velado do regime militar. Ganhou na Justiça o direito de ficar com a sigla PTB. A derrota levou à fundação do atual Partido Democrático Trabalhista (PDT) por Brizola e seus aliados.

Um símbolo do escasso compromisso do novo PTB com qualquer orientação foi a filiação a seus quadros do ex-presidente Jânio Quadros. Estrela do conservadorismo que se opunha ao PTB pré-64, ele venceu a disputa para a prefeitura de São Paulo, em 1985. Durante a Nova República, o partido ficou mais conhecido pelo o apetite por cargos e verbas públicas. Dava, em troca, seu apoio aos governos, não importando a ideologia. 

Em novembro de 2012, Jefferson foi condenado a 7 anos e 14 dias de prisão pela venda de votos no Mensalão. Ganhou a liberdade condicional em 2015. Em 2008, em audiência na Justiça, confessara ter recebido R$ 4 milhões. Nos últimos anos, o ex-deputado aderiu ao bolsonarismo. Tem defendido suas causas mais radicais, como o ataque a instituições, como o Supremo Tribunal Federal. Também vem demonstrando simpatia por armas de fogo. 

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Além dos neointegralistas, Jefferson busca filiar nomes de peso do bolsonarismo. Também mantém as portas abertas para o próprio presidente Jair Bolsonaro, que foi do partido de 2003 a 2005, mas dificilmente retornaria. Em entrevista ao Estadão publicada nesta quarta-feira, 28, o ex-deputado manifestou a intenção de ter nos quadros do partido o general Braga Netto, atual ministro da Defesa. 

“Se o presidente resolver ir para outro partido e botar na vice o general Braga Netto, será uma honra para nós. Se o presidente disser ‘Ele vai para o PTB para a gente fazer a coligação’, vai ser um orgulho para mim”, disse.

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