Enquanto parlamentares demonstram preocupação com distribuição de emendas, valor do fundo partidário e articulações políticas, os brasileiros que participam ativamente dos levantamentos populares nos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal se mobilizam para assuntos muito distintos.
Entre os levantamentos mais acessados dos últimos meses estão a diminuição da carga horária de trabalho, a criação de piso salarial diferenciado para os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias, o projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro, e a regulamentação do uso da inteligência artificial.
No Senado, o interessado em participar das enquetes precisa fornecer um e-mail para receber permissão para votar no levantamento do Legislativo. Atualmente, há questionamento popular sobre alertas de desaparecimento de crianças. O resultado será divulgado em breve.
Entre as pesquisas recentes, “81% dos participantes acreditam que o uso da inteligência artificial deve ser regulamentado para garantir a proteção dos dados das pessoas e 70% para garantir o emprego e a renda das pessoas”.
Já a Câmara dos Deputados informa que “o objetivo dessa ferramenta é oferecer à sociedade mais um canal direto de manifestação. As enquetes não têm rigor científico, pois não representam uma amostra da sociedade. Seus resultados ficam disponíveis para os relatores das propostas, que podem considerar as manifestações na preparação do texto a ser votado”.
Uma das propostas mais polêmicas dos últimos tempos, o projeto de lei 1.904/2024, encabeçado por Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), prevê pena de homicídio simples para mulher que abortar ou para qualquer pessoa que provoque o aborto. A proposta equipara a situação ao caput do artigo 121 do Código Penal (CP), que determina pena de seis a 20 anos no regime inicial fechado. Assinaram a proposta outros 31 parlamentares.
Mais de 1,1 milhão de votos foram depositados em enquete sobre o tema na Câmara dos Deputados. A maioria esmagadora (88%) é “totalmente contra a proposta”, o que representava 979 mil votos (no começo de dezembro). Cada pessoa pode votar apenas uma vez. Já 12% escolheram a opção “totalmente favorável”. São 125 mil apoiadores.
A Câmara também destaca os comentários que mais conseguiram engajamento. “Esse PL misógino tenta criminalizar mulheres que recorrem à interrupção da gravidez como último recurso. O aborto é uma questão de saúde pública e não religiosa. As mais penalizadas são as mulheres pobres, que não dispõem de recursos para pagar clínicas seguras. Muitas mulheres que recorrem ao aborto são menores de idade, vítimas de violência e estupro. O PL é uma violência contra as mulheres. É inacreditável que os deputados gastem recursos públicos para atacar os direitos das mulheres”, disse Sonia Maluf ao comentar sobre a proposta em tramitação no Legislativo. A mensagem recebeu apoio de quase 197 mil pessoas.
Já o comentário com maior apoio entre os favoráveis à proposta, de Daniel Pinto, disse que o projeto “impede assassinato de bebês/fetos por causa de um crime não cometido por eles”. Foram pouco mais de 14 mil votos registrados no momento da consulta feita pelo Estadão.
Em trecho da justificativa da proposta, os parlamentares citam que “em 1940, quando foi promulgado o Código Penal, um aborto de último trimestre era uma realidade impensável e, se fosse possível, ninguém o chamaria de aborto, mas de homicídio ou infanticídio”. Apresentada em 17 de maio último, a proposta está na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.
Internautas não apoiam fim do papel-moeda
Apesar do aumento de pagamentos por meio eletrônico no País, há ainda os que preferem quitar boletos com dinheiro em espécie. Em votação no site da Câmara, 90% se declararam contra ao projeto que acaba com dinheiro em papel no Brasil. O número representa a manifestação de 1.453 pessoas.
Os apoiadores da proposta de Reginaldo Lopes (PT-MG) somam 7% (102 pessoas). “O projeto atenta contra a liberdade econômica e o direito de escolha dos cidadãos quanto aos meios de pagamento”, registrou em agosto de 2020 Mauricio Medeiros. Por outro lado, Silvio Sergio demonstrou simpatia ao projeto porque reduz “custos com a Casa da Moeda”.
A proposta do petista Lopes, apresentada sob o número 4.068/2020, está na Comissão de Desenvolvimento Econômico. De acordo com o projeto, as notas de R$ 50, R$ 100 e R$ 200 sairiam de circulação em até um ano depois da aprovação da proposta. As notas menores (R$ 20, R$ 10, R$ 5 e R$ 2) sairiam de circulação no Brasil em até cinco anos.
“A tecnologia proporciona todas as condições para que pagamentos, inclusive de pequenos valores, possam ser feitos sem a necessidade de se portar dinheiro em espécie”, disse o deputado em trecho da justificativa da proposta.
Debate sobre redução de jornada de trabalho ocorre desde 2019
Nos últimos meses, ganhou força nas redes sociais a proposta da parlamentar Érika Hilton (PSOL-SP) para acabar com a jornada de trabalho na escala 6x1. Apesar de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ainda engatinhar, outro projeto sobre jornada de trabalho tramita desde 2019 no Congresso Nacional.
De autoria do petista Reginaldo Lopes, a PEC 221/19 reduz de 44 para 36 horas a jornada semanal do trabalhador brasileiro. A redução, se aprovada, terá prazo de dez anos para se concretizar.
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O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Pela opinião popular, 85% (721) são totalmente favoráveis ao projeto, enquanto 7% concordam com a maior parte do texto proposto e 7% discordam totalmente. “Precisa reduzir urgentemente a carga horária do trabalhador para proporcionar qualidade de vida e gerar mais empregos”, comentou Sebastião Melo Virtuoso.
“Sem um estudo eficiente que demonstre com números um bom resultado para essa alteração na jornada, não tem o que se discutir. Comparar a jornada de trabalho e salário do nosso país com outros muito mais desenvolvidos é fácil, o difícil é aplicar a mesma forma de cobrança de impostos, mesma forma eficiente do destino dos impostos. O Brasil é sustentado em sua maioria pelos micros e pequenos empresários. Quem vai pagar as contas quando eles falirem?”, questionou Isabelle Arruda Tomasi, em comentário feito no último dia 13.
Historiador classifica Congresso como ‘desconectado da população’
A forma como as pesquisas são feitas é vista pelo historiador Eduardo Lima como protocolar. Isso porque, quando o projeto é de interesse do governo em exercício ou de parlamentares, as articulações ocorrem entre os políticos. “É um canal que permite que a população participe ativamente da política com suas opiniões, sugestões. Mas é um espaço parecido com ‘painel de leitor’. Você dá sua opinião, ela é publicada e pronto”, disse.
Lima lembra também que poucas iniciativas populares que culminaram em projetos de lei ocorreram nas últimas décadas. “Na história republicana brasileira, o Congresso esteve mais desconectado do que conectado com a população. Após a Constituição de 1988, ocorreram poucos projetos de iniciativa popular e, ao mesmo tempo, uma participação nos pleitos cada vez menor. É só olharmos os números de abstenção nas eleições. Isso vai, então, desconectando cada vez mais o Congresso dos anseios populares”, afirmou.
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