A segunda etapa da corrida eleitoral pela Prefeitura de São Paulo promete dar destaque aos “tetos de vidro” do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), diluídos no primeiro turno em meio a embates com outros então candidatos, em uma arena política marcada por agressões físicas e verbais, sobretudo envolvendo um candidato que, muitas vezes à margem das regras, embaralhou o jogo.
Concorrendo com o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que deve trazer à tona durante as próximas semanas de campanha investigações que envolvem o atual prefeito, Nunes agora será o foco da artilharia do adversário.
Navegue neste conteúdo
Contra ele, o oponente deve explorar investigações envolvendo a gestão municipal, suspeitas de ligação da Prefeitura com o crime organizado e até um caso pessoal, envolvendo a esposa.
Um deles, inclusive, já foi usado pelo candidato do PSOL nas suas redes na primeira semana da nova etapa da campanha. Como mostrou o Estadão, ele recebeu críticas de seus próprios apoiadores e eleitores nas redes sociais após explorar o boletim de ocorrência registrado pela esposa de Nunes em 2021, por suposta violência doméstica.
‘Máfia das creches’
O assunto foi citado durante debates do primeiro turno. Em uma das ocasiões, no encontro promovido pelo SBT em 20 de setembro, o candidato Pablo Marçal (PRTB) afirmou que o prefeito está “envolvido com mais de cem pessoas na máfia das creches”.
O ex-coach se referia a um inquérito da Polícia Federal (PF) que apura o suposto desvio de verbas públicas destinadas ao atendimento de crianças de zero a três anos na cidade de São Paulo. Em julho, a PF indiciou 117 suspeitos de participar do esquema. Nunes não está entre eles, mas foi alvo de um pedido da PF à Justiça para a abertura de um inquérito específico, para apurar a relação dele na época em que era vereador com duas empresa envolvidas no esquema.
Leia também
Em relatório, a PF descreve o tema como um “complexo esquema de desvio de valores públicos, inclusive verbas federais, que estaria sendo realizado por Organizações Sociais e Mantenedoras de Centros de Educação Infantil e creches que prestam serviços para a Prefeitura de São Paulo”.
Em nota oficial após os indiciamentos da PF, Nunes criticou o que qualificou como “manobra rasteira” às vésperas do período eleitoral. “Ricardo Nunes é, sempre foi e sempre será o maior interessado no esclarecimento desses fatos”, diz o posicionamento do prefeito. “É perversa e muito suspeita essa manobra rasteira às vésperas de uma eleição, em tentativa de prejudicar a reputação do líder das pesquisas de intenção de voto à reeleição.”
Leia mais
B.O. por suposta violência doméstica
Também colocado no centro do debate por Marçal em mais de uma ocasião, o caso sobre o boletim de ocorrência registrado pela empresária Regina Carnovale, esposa de Nunes, também está sendo explorado agora por Boulos. O fato se refere a um registro de 18 de fevereiro de 2021, na 6 ª Delegacia da Mulher, em Santo Amaro, zona sul da capital paulista.
O documento foi registrado como ocorrência por violência doméstica, ameaça e injúria contra Nunes. Segundo o boletim, o casal estava separado havia sete meses e Nunes estava “inconformado com a separação” e não “dava paz” a Regina. A empresária afirmou que o companheiro efetuava “ligações proferindo ameaças”, além de enviar “mensagens ameaçadoras todos os dias”, o que a deixava “com medo”. O documento não cita agressões físicas.
Já em 14 de março de 2011, um mês depois da queixa da companheira, Nunes registrou um boletim de ocorrência contra Regina, como confirmou em entrevista ao Estadão. O documento afirmava que, “em conversa referente à pensão, veio a autora (Regina) por agredir a vítima (Ricardo Nunes)”. O então vereador informou o teor da queixa, que foi registrada como “lesão corporal”.
Ambos deram declarações recentes sobre o caso. Em julho deste ano, Nunes chegou a afirmar que o documento de Regina contra ele era forjado, mas depois voltou atrás alegando que quis dizer que a história elaborada em torno da queixa é que havia sido inventada, e não o documento em si. Regina chegou a levantar-se na plateia do debate realizado pela TV Bandeirantes quando quem trouxe o assunto foi a deputada federal Tabata Amaral (PSB), gritando: “Não fala da minha família!”.
Superfaturamento em obras emergenciais sem licitação
Em setembro do ano passado, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) apontou um superfaturamento de R$ 67,1 milhões em 18 obras emergenciais contratadas pela gestão de Nunes entre 2021 e 2022. Conforme apontou o órgão, os gastos com contratos emergenciais saltaram de R$ 80 milhões em 2020, na gestão Bruno Covas (PSDB), para R$ 2,06 bilhões em 2022 — um aumento de 2.475%. O prefeito afirmou que o relatório é “irresponsável”.
Como mostrou o Estadão, o documento diz que em 90% das obras se constata que a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB) “agiu com insuficiente planejamento para o enfrentamento de problemas históricos da cidade e, ao invés de promover licitações, celebrou contratos emergenciais. Esse tipo de contratação distingue-se da emergência real, denominando-se ‘emergência fabricada’”. Ainda foi apontado um sobrepreço de R$ 80 milhões nos contratos analisados.
O assunto foi trazido a debates pelos adversários políticos de Nunes; eles citaram obras contratadas nessa leva que agravaram problemas de alagamentos em algumas regiões, ou que já estão degradadas pouco tempo após serem construídas. A Prefeitura, em nota, refutou a possibilidade de superfaturamento, enquanto o prefeito atribuiu o relatório à “proximidade com a eleição” e afirmou que “não há o que se falar em questão de superfaturamento”.
Servidor da Prefeitura ex-cunhado de Marcola do PCC
A relação de um servidor de carreira da Prefeitura com o chefe da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) também já foi usado como munição política dos adversários contra Nunes.
Boulos questionou o atual prefeito a respeito da atuação de Eduardo Olivatto, chefe de gabinete da Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) da Prefeitura, citando reportagem do portal UOL que mostra que o servidor é ex-cunhado de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe do PCC.
Nunes respondeu que o chefe de gabinete é funcionário de carreira, nomeado em 1988 pela então prefeita Luiza Erundina. “Ele é chefe de gabinete, não mexe com nada dessas questões de licitação.” Boulos rebateu afirmando que foi na gestão de Nunes que o servidor “se tornou chefe e passou a assinar”.
A Prefeitura afirmou que o servidor “exerceu uma série de funções em diferentes pastas” e que, desde 1988, não tem “ingerência sobre processos licitatórios”.
Empresas de ônibus acusadas de usar dinheiro do PCC
Outro assunto sobre o qual Nunes já foi cobrado, e provavelmente seguirá sendo no segundo turno, é o que envolve investigações que tentam barrar a infiltração da facção criminosa no poder público da capital.
Como mostrou o Estadão em abril, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica apontaram, após quatro anos de investigação, para a existência de um cartel montado pelo crime organizado para se apossar do chamado Grupo Local de Distribuição do sistema municipal de transportes.
Duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo foram acusadas de terem sido criadas com o dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC): a UPBus, controlada por integrantes da cúpula do PCC e seus parentes, segundo as investigações; e a Transwolff, a terceira maior empresa do setor na cidade, com 1.111 veículos circulando.
Poucos dias após a Operação Fim da Linha, Nunes afirmou que a Transwolff não iria mais administrar o sistema de ônibus aquáticos na represa Billings, na zona sul de São Paulo
Leia também
Denúncias de extorsão na GCM
Em junho deste ano, o Ministério Público de São Paulo afirmou que abriria investigação pelo suposto envolvimento de agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) em casos de extorsão de comerciantes da região da Cracolândia. Segundo as denúncias, os guardas cobravam para oferecer proteção às lojas e aos condomínios da região, marcada por roubos, furtos e um fluxo constante de usuários de drogas.
Sobre as denúncias, o prefeito defendeu a prisão dos suspeitos de envolvimento e reiterou que condutas assim são a exceção na corporação. Questionado sobre o caso em debate, Nunes afirmou ter demitido os agentes envolvidos.
Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.