BRASÍLIA – A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) se define como uma pessoa que carrega muitas mulheres em uma só. Na Câmara, o seu grupo representa menos de 1% do total dos 513 parlamentares. Ela é uma dos cinco congressistas indígenas da Casa. Diferentemente do usual, ela não teve nenhuma outra carreira política antes de chegar ao centro do Legislativo nacional.
“Fui eleita a terceira mulher mais votada do Estado. Eu que nunca fui nem presidente de associação, nunca fui vereadora, nunca fui candidata a deputada estadual. No entanto, Minas Gerais deu uma resposta importante, superando o racismo da ausência”, afirmou.
Mesmo novata, ela é presidente da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara e é relatora-parcial da Comissão de Fiscalização de Rompimentos de Barragens e Repactuação.
Célia Xakriabá é a entrevistada deste sábado do “Joga na Busca”. O quadro traz as dúvidas mais comuns dos brasileiros sobre figuras influentes da política brasileira. Ao programa, a deputada contou das origens, revelou que, mesmo aos 34 anos, as pessoas dizem que ela “tem alma de 80″ e falou sobre suas tradicionais vestimentas.
Ela mesma faz algumas das roupas que usa para discursar no plenário da Câmara e nas comissões. “Chegamos aqui também para reflorestar e descolonizar. E às pessoas que gostam da minha roupa, eu que penso nas minhas roupas”, disse. Segundo a deputada, ela também trabalha com mulheres indígenas e outros artistas para pensar em como se vestirá. “Nossa moda é ancestral.”
É uma das principais vozes na Câmara contra a tese do marco temporal, que diz que indígenas teriam direito a reivindicar apenas áreas territoriais que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O resultado final vai determinar o futuro de mais 300 territórios ocupados por povos originários em todo o País.
Em maio, a própria Câmara, com protesto da maioria dos parlamentares indígenas, votou favoravelmente a um projeto de lei que institucionaliza o marco temporal em uma tentativa de se antecipar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), que prevê avaliar a constitucionalidade de uma data limite como “trava” para a demarcação de terras indígenas.
“Não é possível caminhar para um Brasil de pé tentando colocar os direitos indígenas no chão”, discursou, no dia de votação do PL.
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Veja a entrevista de Célia Xakriabá ao Estadão:
Quem é Célia Xakriabá?
Célia Xakriabá carrega muitas mulheres dentro de mim. Célia Xakriabá é território, é território, Célia Xakriabá é Cerrado, é Amazônia, é Mata Atlântica, é Pampa, é Pantanal. Mas eu nasci no território Xakriabá, estou lá no Norte de Minas (Gerais), região Sudeste do Brasil, que sempre estudou na escola indígena. Depois, fui fazer faculdade na Universidade Federal de Minas Gerais, fiz mestrado na Universidade de Brasília, depois fui para o doutorado e me tornei deputada federal por Minas Gerais.
Célia Xakriabá é de que partido?
Meu partido é a luta, meu partido é a inteireza, nós somos o povo de raiz que está indo para cima, mas atualmente estou no PSOL, que é o partido de luta, que é o partido que tem a ministra dos Povos Indígenas, que é o partido que tem a bancada do cocar, que é o partido que tem mulheres trans, que é o partido que defende as pautas das emergências climáticas e a emergência do planeta.
Célia Xakriabá foi eleita?
Fui eleita a terceira mulher mais votada do Estado de Minas Gerais. Eu que nunca fui nem presidente de associação, nunca fui vereadora, nunca fui candidata a deputada estadual. No entanto, Minas Gerais deu uma resposta importante, superando o racismo da ausência. E é Minas Gerais também me emprestando para o Brasil e para o mundo.
Qual a história de Célia Xakriabá?
Eu saio do território Xakriabá, na verdade, meus pais moram no território Xakriabá, assim como eu também moro no território Xakriabá, meu avô, que tem 83 anos. Sempre estudei ali, até o ensino médio, e depois percorri o chão da aldeia para o chão do mundo.
Célia Xakriabá tem quantos anos?
Eu tenho 34 anos. Meu pai e todo mundo que me conhece fala que eu tenho 34 anos com a alma de 80. Mas o importante é entender que a nossa idade é para além da relação com o calendário. Podemos ser mais velhos na sabedoria, mas queremos também sempre permanecer com o espírito jovem.
Uma curiosidade sobre a senhora...
Eu adoro pequi. E também todas as pessoas falam da autonomia vestimental. Mas chegamos aqui também para reflorestar e descolonizar. E às pessoas que gostam da minha roupa, eu que penso nas minhas roupas, mas também produzo com mulheres indígenas, junto com outros artistas, sejam do território, sejam artistas que pensam a moda decolonial, porque a nossa moda é ancestral.
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