BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível. O julgamento, que teve início na quinta-feira, 22, foi concluído nesta sexta-feira, 30, após quatro sessões. Os oito anos sem poder concorrer às eleições são contados de forma corrida a partir do primeiro turno da eleição de 2022 – ou seja, dia 2 de outubro. Portanto, Bolsonaro não poderá disputar as eleições municipais de 2024 e 2028 e as eleições gerais de 2026. O ex-presidente poderá concorrer novamente às eleições gerais em 2030, por apenas quatro dias. Daqui a sete anos, o pleito será realizado em 6 de outubro.
Para especialistas consultados pelo Estadão, o fato de a eleição ser quatro dias depois do tempo de inelegibilidade é suficiente para assegurar sua participação nas eleições, mesmo em um período tão curto entre a berlinda e a ficha limpa. “Caso condenado, a inelegibilidade será aferida cada vez em que ele pretender disputar uma eleição. Então, em 2024, por exemplo, ele pode apresentar um pedido de registro de candidatura e vai ser indeferido. Mesma coisa para 2026 e 2028″, diz Silvana Batini, professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
“Em 2030, no dia em que ele pedir o registro, ele estará inelegível, mas poderá recorrer, já que ele adquire elegibilidade no curso do processo eleitoral. E aí a lei permite que ele se candidate, mesmo sendo uma diferença de quatro dias”, afirmou. É o que diz a Súmula nº 70 do TSE: “O encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia da eleição constitui fato superveniente que afasta a inelegibilidade”.
No entanto, para Batini, o entendimento do TSE sobre a inelegibilidade de políticos tem flutuado e pode mudar, a depender das próximas composições da Corte. “É uma coisa que gera perplexidade, estranheza. O mais sensato seria contar as eleições disputadas nos oito anos seguintes, e não por dias corridos”, disse.
A professora exemplifica com as eleições municipais de 2020, quando, em razão da pandemia de covid-19, o primeiro turno do pleito foi adiado de 4 de outubro para 15 de novembro. “Muitos que estavam inelegíveis puderam concorrer. É um entendimento que fica na dependência de um calendário, um critério aleatório que dá um tratamento diferente para pessoas que estão na mesma situação.”
A visão da especialista é corroborada pelo professor de Direito do Estado na Universidade de São Paulo (USP), Vitor Rhein Schirato. Para ele, a marca de oito anos é simbólica. “São dois ciclos eleitorais. A lei foi pensada para tirar a pessoa do jogo por dois ciclos eleitorais. Ela não pode entrar no jogo por quatro dias de diferença, no meu entendimento”, afirmou, considerando as eleições gerais.
O que é inelegibilidade
A decisão do TSE de tornar Bolsonaro inelegível não acarreta na perda ou na suspensão dos direitos políticos, como direito ao voto e de participação na organização partidária, do ex-presidente.
A inelegibilidade e a suspensão dos direitos políticos são punições eleitorais diferentes. Enquanto a primeira proíbe o condenado de ser candidato a qualquer cargo político pelo período de oito anos, a outra cassa o direito ao voto, à filiação e participação partidária e, consequentemente, a elegibilidade do alvo do processo.
“A inelegibilidade é uma sanção que está prevista na Lei da Ficha Limpa, usada como um dos argumentos jurídicos no voto do ministro Gonçalves. A punição acarreta na perda da capacidade eleitoral passiva, isto é, somente ser votado. Não pode ser candidato. É menos abrangente que a suspensão e a perda dos direitos políticos”, explicou o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.
- Inelegibilidade: proíbe o condenado de ser candidato a cargos eletivos e, consequentemente, de ser votado.
- Suspensão dos direitos políticos: suspende todos os direitos políticos do condenado em processos criminais e de improbidade administrativa com trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso). Os direitos políticos incluem o direito ao voto, a se candidatar para cargo eletivo ou ser nomeado para certos cargos públicos não eletivos. Também significa ter o direito de votar em plebiscitos e referendos, apresentar projetos de lei pela via da iniciativa popular e propor ação popular.
- Perda dos direitos políticos: a perda definitiva só é possível para estrangeiros em caso de cancelamento da naturalização e perda da nacionalidade brasileira.
Entenda o julgamento
A ação foi proposta pelo PDT, do então candidato à Presidência Ciro Gomes, três dias depois do início oficial da campanha presidencial. Com os incisivos votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Alexandre de Moraes, presidente da Corte eleitoral, Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por 5 votos a 2 para obter benefícios na eleição de 2022. O então presidente reuniu embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, para atacar, sem provas, o sistema de votação eletrônico brasileiro.
Cármen Lúcia e Moraes acompanharam o voto do relator Benedito Gonçalves, assim como Floriano de Azevedo Marques Neto e André Ramos Tavares. Restaram vencidos os ministros Raul Araújo e Kassio Nunes Marques, alçado ao Supremo pelo ex-presidente.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.