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Quase 90% das cidades paulistas têm indícios de irregularidades orçamentárias, segundo o TCE

Maiores municípios de São Paulo determinaram cortes de gastos na tentativa de diminuir problemas de caixa e melhorar quadro fiscal depois de alertas emitidos pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

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Foto do author Heitor Mazzoco

Dos 644 municípios paulistas fiscalizados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), 567 (88%) receberam alertas com indícios de irregularidades na gestão orçamentária e precisam de providências para ajustar os caixas públicos e evitarem problemas fiscais.

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Descumprimentos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) podem levar o prefeito a responder por improbidade administrativa e ficar inelegível. Os alertas emitidos pelo TCE no fim do ano passado apontam para os gestores a falta de investimento regular em saúde, educação, gastos excessivos, arrecadação abaixo do previsto e necessidade de ajustes fiscais.

Um dos principais problemas apontados pelo TCE nos últimos alertas emitidos é a despesa superar em 95% a receita corrente, o que obriga o gestor municipal a cortar custos. As medidas a serem cumpridas estão no artigo 167-A, da Constituição Federal, que proíbe reajustes salariais, criação de cargos, alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, contratações temporárias ou realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias, criação ou majoração de auxílios, bônus, abonos, criação de despesa obrigatória, medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação inflacionária, criação ou expansão de programas e concessão de incentivo ou benefício tributário.

Entre os 10 maiores municípios de São Paulo, a pior situação é de São José dos Campos, que compromete 99,33% da receita com despesas correntes, segundo documento emitido pelo TCE em dezembro do ano passado. O Estadão procurou a Prefeitura de São José dos Campos, que não respondeu até a publicação deste texto.

Na sequência, Santo André tem a segunda pior situação com 95,34%. Ribeirão Preto, Sorocaba, Guarulhos, São José do Rio Preto, Campinas e São Bernardo do Campo também compõem o rol de municípios em alerta entre os grandes do Estado. A Capital não faz parte do levantamento pois é fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) e não pelo TCE.

Em outubro do ano passado, o prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB), decretou corte de gastos na gestão pública, por meio do decreto 18.175/2023. Entre as medidas, revisão contratual com a finalidade de reduzir gastos em 25%, suspensão temporária de contratação de aprovados em concursos e suspensão de participação em capacitações, cursos, seminários, feiras e congressos, aquisição de materiais permanentes com recursos do Tesouro ou que demandem contrapartida, hora extras, aditamentos e começo de obra que demande recursos do Tesouro.

Para evitar problemas, prefeituras ouvidas pelo Estadão afirmaram tomar medidas para diminuir custos, mesmo sem atingir o índice de 95%. Em São Bernardo do Campo, por exemplo, a gestão de Orlando Morando (PSDB) proibiu “despesas como horas extras, assinatura de periódicos e anuidades” e solicitou “revisão dos saldos de empenhos de contratos, além da instituição do Programa de Regularização Tributária, voltado à diminuição da inadimplência e aumento da arrecadação”.

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Em São José do Rio Preto, “as Secretarias de Planejamento e Fazenda estão concluindo as apurações dos resultados e análises das indicações do Tribunal de Contas para sugerir os possíveis ajustes, se necessários”, que serão avaliados pelo prefeito Edinho Araújo (MDB).

Alerta do TCE aponta que São José dos Campos precisa de ajustes fiscais Foto: Divulgação | TCE-SP

Mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos Freitas diz que prefeitos são obrigados a cumprir metas para adequação de apontamentos feitos pelo TCE. “O prefeito é obrigado a cumprir limitação de pessoal. O que ele não é obrigado é atender imediatamente o que o Tribunal está recomendando. O Tribunal dá o alerta e mostra que os problemas podem levar à reprovação de contas, tornar o prefeito inelegível, problemas com Lei de Responsabilidade Fiscal. Para evitar, o sinal do Tribunal é sugestão. Os prefeitos podem tomar outras medidas e também não fazer nada, mas aí arquem com as consequências”, disse.

Especialista em direito administrativo, Alex Basílio Alves explica a diferença no artigo 167-A, da Constituição. “Faço uma análise conservadora. O município não é obrigado a fazer uma lei, mas precisa fazer ajuste fiscal. A lei dá a possibilidade para o município fazer o ajuste fiscal da forma que achar melhor, mas que volte para índice abaixo dos 85%. O limite prudencial é de 85% e, o limite máximo, 95%. Se estiver acima de 85%, o município criar mecanismos de ajuste fiscal e os demais órgãos (no Município) não precisam cumprir integralmente. Se estiver acima dos 95%, todos devem fazer, como Câmara, Autarquias”, afirmou.

Impacto negativo no orçamento de Campinas foi de R$ 400 milhões, segundo secretário de Finanças

Maior cidade do interior de São Paulo, Campinas também enfrenta problemas no orçamento. Um dos motivos, segundo o secretário de Finanças, Aurílio Caiado, foi a queda de repasse no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e dívida ativa. “Foi um ano muito difícil em função dessa frustração orçamentária pela redução do repasse do ICMS, que beirou os R$ 300 milhões, e cortar isso é muito complicado. Nós tivemos que cortar do orçamento 2023 e não prever a receita em 2024. Tivemos que projetar um orçamento de 2024 praticamente sem nenhuma taxa de crescimento em relação a 2023, graças à frustração do ICMS e também da nossa dívida ativa, de cobrança. Essas duas frustrações impactaram em R$ 400 milhões”, afirmou Caiado ao Estadão.

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Apesar de Campinas não estar acima do limite de 95% no gasto de despesa corrente como prevê a Constituição, a gestão de Dário Saadi (Republicanos) analisa medidas para retornar ao patamar de 85%. “O primeiro limite é de alerta, o TCE faz questão e está correto em alertar os municípios que ultrapassam os 85% do limite. Obrigação efetiva é quando se atinge 95%, e Campinas está longe, mesmo assim, a gente passa a tomar medidas para retornar aos 85%”, disse Caiado.

O secretário, que é doutor em economia pela Universidade de Campinas (Unicamp), fez uma previsão nada positiva para os municípios a médio e longo prazo. “A tendência é de piora, na medida em que foi implantada a previsão da Reforma Tributária de fim do ISS e implantação do IBS, a tendência é o município perder autonomia e perder gestão sobre a própria receita. Em Campinas, por exemplo, mais de 60% da receita é arrecadação municipal. Dá um grande grau de autonomia ao município na formulação de políticas públicas. Você controla suas receitas e consegue planejar melhor suas despesas. Ao sair de sua alçada o controle de receita, a gente perde governabilidade sobre a formulação de política pública. Isso nos preocupa a médio e longo prazos”, afirmou.

Secretário de Finanças de Campinas, Aurilio Caiado, citou perda orçamentária na faixa de R$ 400 milhões na cidade Foto: Carlos Bassan

No âmbito nacional, o Estadão mostrou, no fim do ano passado, que prefeituras em todas as regiões do Brasil planejam medidas drásticas para economia dos cofres públicos. Para isso, prefeitos buscam demitir funcionários, deixar carros na garagem, desativar equipamentos, suspender serviços essenciais e reduzir despesas de custeio. As medidas foram apontadas por municípios que fecharão as contas deste ano no vermelho, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que Estadão mostrou com exclusividade.

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Pelos números, 1.214 municípios informaram enfrentar problemas para fechar os cofres municipais no azul e, portanto, começam o ano eleitoral com déficit. À CNM, a opção mais apontada como solução utilizada pelas administrações para enfrentar o caso foi a redução de despesas de custeio, (1.072 prefeituras), seguida da redução no quadro de funcionários (748) e desativação de veículos (709).

O que diz a Prefeitura de Guarulhos

“Guarulhos, a exemplo da maior parte dos municípios brasileiros, teve dificuldades em cumprir as metas orçamentárias em 2023, principalmente devido à queda na arrecadação do ICMS, que ficou bastante aquém do esperado.

Desta forma, o município, baseado no Art. 9 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que prevê a limitação de empenho quando do não alcance da receita orçada, executou despesas no limite do que a receita arrecadada comportava a fim de não ultrapassar os limites da LRF sem deixar de cumprir as metas fiscais fixadas para o exercício.

O artigo 167-A foi incluído por meio da emenda constitucional nº 109/2021. Desde então o município tem apurado a relação entre despesas correntes e receitas correntes, evitando que a mesma supere o limite estabelecido em seu caput, que é de 95%.

As categorias de despesa se classificam entre despesas correntes e de capital. As correntes garantem o funcionamento e a manutenção da máquina pública, enquanto que nas despesas de capital encontram-se os investimentos e a amortização da dívida. Historicamente o município apresenta como resultado da execução orçamentária um percentual de investimento inferior a 5%.

O § 1º do artigo 167-A faculta a implementação das medidas indicadas em seu caput, entretanto o município vem aumentando os investimentos por meio da obtenção de financiamentos devidamente aprovados pela Secretaria do Tesouro Nacional e a aplicação em diversas obras. A relação entre despesas correntes e receitas correntes considerando o orçamento atualizado do exercício de 2023 é de aproximadamente 93%.

Assim como ocorre com as contas da Prefeitura, o Ipref compatibiliza suas despesas com o real ingresso de recursos. Importante esclarecer que nenhuma despesa previdenciária deixou de ser cumprida no período.”

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O que diz a Prefeitura de Campinas

A frustração de arrecadação se deu principalmente por conta da queda nos repasses do ICMS, uma das principais fontes de recurso do município. Essa redução também afeta o Fundeb, que também apresentou diminuição considerável em 2023. Diante da frustração da receita ao longo do ano, o governo trabalhou para reduzir as despesas correntes. Vale ressaltar que para o Orçamento de 2024 as previsões de arrecadação foram atualizadas de acordo com as mudanças ocorridas em 2023.

O município ficou acima dos 85%, porém ainda se encontra abaixo dos 95%, que é de fato o limite imposto pelo § 1º do artigo 167-A da Constituição Federal de 1988. Porém, seguindo o que aponta o artigo 167-A, que se sugere que já sejam implementadas algumas medidas quando atingido o patamar de 85%, o governo municipal vem trabalhando para reduzir os gastos correntes, apesar das limitações decorrentes dos reflexos do represamento de dois anos de pandemia sem reajuste na folha e nos contratos, que tem causado enorme pressão nas contas públicas municipais diante da atualização desses valores. Apesar desse cenário adverso, é importante destacar que nos últimos bimestres se verificou uma certa estabilidade no índice, rompendo a tendência de alta que vinha desde o fim de 2022.

O resultado primário sofre impacto das operações de crédito em andamento. Isso porque as operações de crédito são consideradas receitas não primárias, mas são fonte de financiamento das obras, que são consideradas despesas primárias de capital.

Os gastos com educação ainda estão sendo apurados, mas a tendência é de superar os 25% com certa folga orçamentária, como vem acontecendo nos últimos exercícios.”

O que diz a Prefeitura de São Bernardo do Campo

“A Prefeitura de São Bernardo, por meio da secretaria de Finanças, esclarece que não há qualquer irregularidade ou desconformidade em sua situação orçamentária. A divergência apontada ocorre porque a meta de resultado primário da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e as publicações bimestrais do demonstrativo de Resultado Primário utilizadas pelo município acompanham a metodologia definida no Manual Demonstrativos Fiscais (MDF) 12ª edição, do Tesouro Nacional, o que gera divergências na base de cálculo em relação ao demonstrativo disponibilizado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

O demonstrativo do TCE-SP, por exemplo, não inclui as receitas e despesas intraorçamentárias, bem como considera a despesa orçamentária do exercício em sua fase de liquidação. Deste modo, a comparação entre os documentos fica prejudicada.

São Bernardo possui certidão vigente do TCE-SP, que atesta o pleno cumprimento do artigo 167-A. Para isso, o município acompanha todos os limites orçamentários e fiscais durante todo o exercício e edita resoluções de contingenciamento de despesas a fim de garantir o equilíbrio orçamentário. Em 2023, foram publicadas duas resoluções vedando despesas como horas extras, assinatura de periódicos e anuidades e solicitando revisão dos saldos de empenhos de contratos, além da instituição do Programa de Regularização Tributária, voltado à diminuição da inadimplência e aumento da arrecadação.”

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O que diz a Prefeitura de Santo André

“O apontamento trazido no questionamento não menciona que os resultados obtidos e demonstrados pelos relatórios anteriormente apresentados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo denotam uma atuação assertiva e abrangente desta administração municipal, visando o avanço contínuo e ordenado no que se refere às políticas públicas e, consequentemente, nas suas peças essenciais, no caso, às citadas LOA e LDO.

No que tange à relação entre despesas correntes e receitas, nos termos do §1º do Art. 167-A da CF, cumpre informar que há não apenas o seu constante acompanhamento, como também a adoção e implementação de ações voltadas à contenção de gastos, destacando-se a edição do Decreto Municipal n. 18.175 de 06/10/2023, aplicável a todas as unidades da Administração Direta e Indireta com o fito de promover e efetivar os ajustes necessários ao equilíbrio orçamentário, econômico e financeiro das contas do Tesouro Municipal.

É necessário destacar a queda de arrecadação dos tributos que compõem as principais transferências correntes do município que tiveram resultado negativo, que deve-se em grande parte ao arrefecimento do desempenho da cota-parte de ICMS, resultado este que foi profundamente influenciado, entre outras razões, pela diminuição das alíquotas conhecidas como “blue chips” (telecomunicações, combustíveis e energia elétrica), que foram de 25% em fevereiro de 2022 para 17% em fevereiro de 2023 através da Lei Complementar nº 194/2022, de âmbito federal.”

O que diz a Prefeitura de Sorocaba

“A Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz) informa que está em período de apuração e fechamento do exercício orçamentário. Após o encerramento, no início do mês de fevereiro, poderá responder, devidamente, os questionamentos feitos pela reportagem. A Administração Municipal continua atenta aos alertas emitidos pelo TCE, procedimento que é realizado de praxe pelo órgão, de maneira que o Município está atenta a todos os apontamentos, a fim de que as situações sejam providenciadas sempre dentro do prazo previsto.”

O que diz a Prefeitura de Ribeirão Preto

“No caso de Ribeirão essa situação (resultado primário previsto na LOA ser inferior ao consignado na LDO) é positiva, o que o relatório aponta é que estamos bem abaixo do fixado, e espera-se que fique dessa forma durante todo exercício, uma vez que a meta fixada é um superávit primário de R$ 94 milhões de reais, até o 2o Quadrimestre Relatório apurado e publicado o Município apresenta um superávit primário de R$ 244 milhões, 2 vezes maior que o consignado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO.

Ressaltamos que esse mecanismo de ajuste será aplicado depois do encerramento do exercício o que ainda não ocorreu, dessa forma esses valores são preliminares com objetivo apenas de acompanhamento. Adicionalmente, informamos que o TCE emitiu o Comunicado SDG 35/2021, sobre as principais alterações promovidas pela citada Emenda da CF e também as medidas que deverão ser observadas pelos jurisdicionados. Em específico sobre esse item da relação Receita Corrente/Despesa Corrente, o Comunicado esclarece no item 2: “2. Incluiu o artigo 167-A para estabelecer que quando a relação entre receitas e despesas correntes apurada no período de 12 meses em todos os Poderes e Órgãos das esferas estadual e municipal superar 95% poderão adotar medidas de ajuste fiscal previstas nos incisos I a X assemelhadas àquelas tratadas pelo artigo 8º, da Lei Complementar nº 173, de 2020″; 3. Essas medidas de ajuste fiscal quando superado 85% da relação entre receita e despesa não excedendo os 95% o Chefe do Executivo e demais Poderes e órgãos autônomos poderão implementar total ou parcialmente as medidas indicadas no caput.” O artigo 167-A cita especificamente a superação dos 95% (não é o caso de Ribeirão Preto) para a aplicação de mecanismos de ajuste fiscal. No entanto o TCE-SP emitiu esse comunicado fixando o intervalo de 85% a 95% para acompanhamento e facultando o Ente a aplicação do mecanismo de ajuste fiscal.”

O que diz a Prefeitura de São José do Rio Preto

“A Secretarias de Planejamento e Fazenda estão concluindo as apurações dos resultados e análises das indicações do Tribunal de Contas para sugerir os possíveis ajustes, se necessários. A verificação do Tribunal de Contas foi realizada antes do encerramento do exercício 2023, sem os custos fixos (13°, mão de obra, etc). Após a inclusão, o valor chegou nos 25%.”

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O que diz a Prefeitura de São José dos Campos

Procurado, o município não se manifestou até o momento. O espaço está aberto.

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