Quem criou a ‘saidinha’ de presos? Relembre história do direito que pode ser extinto

Parte da Lei de Execução Penal, que data de 1984, pode acabar caso projeto aprovado no Congresso seja sancionado pelo presidente Lula

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Atualização:

A “saidinha”, como é conhecido o direito previsto em lei que permite a saída temporária de presos do regime semiaberto, pode deixar de existir com a aprovação do projeto de lei sobre o tema pelo Senado Federal. O direito está previsto desde que a Lei de Execução Penal (7.210/84) entrou em vigor, em julho de 1984. A norma foi baixada pelo então presidente da República João Figueiredo (Arena), durante a ditadura militar.

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“Desde o começo do século XX, se percebeu que um dos objetivos da execução penal é a ressocialização. Para isso, foram criados diversos institutos voltados à adaptação paulatina para um retorno à sociedade, como a progressão de regime e as saídas temporárias”, explicou o advogado criminalista e professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Bottini.

A matéria que extingue o benefício tramitou rapidamente pela Casa. Com a aprovação no plenário, o texto retornará para a Câmara antes de seguir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Saidinha" é prevista em lei desde 1984 Foto: Constança Rezende/Estadão

A medida, por enquanto, vale para detentos que estejam no regime semiaberto, apresentem bom comportamento e já tenham cumprido ao menos um sexto da pena. Aos que se enquadram nesses requisitos, há a possibilidade, cinco vezes ao ano, de passar datas comemorativas fora dos presídios. É o caso de feriados como Natal, réveillon e Dia das Mães. O projeto que aguarda apreciação do Senado acaba com essas garantias, além de instituir novas regras para progressão de pena e para o uso de tornozeleira eletrônica.

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Desde 2018, cerca de 34 mil presos, em média, cumpriram os pré-requisitos que os possibilitaram acessar o direito – o que corresponde a 5,2% da população carcerária apenada em celas físicas no Brasil em junho de 2023, segundo dados do 14º Ciclo de Levantamento de Informações Penitenciárias. Cerca de 4% dos presos não retornaram às prisões após a saída temporária.

Relembre a tramitação do projeto

O texto é de 2011 e tramitou por dez anos até ser aprovado pela Câmara. De autoria do deputado federal Pedro Paulo (MDB-RJ), a matéria seguiu para o Senado em 2022, onde ganhou tração após a morte de um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais, em janeiro de 2023.

Assassinado em Belo Horizonte, capital mineira, o sargento Roger Dias da Cunha foi vítima de um homem de 25 anos identificado como um detento que não retornou ao sistema penitenciário após ser beneficiado com a saída temporária de fim de ano.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lamentou o ocorrido e disse que esse tipo de crime é de “gravidade acentuada” e recorrente, e que isso demandava revisão legislativa sobre a posse de armas e as ”saidinhas” de presidiários.

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No parecer do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), relator da matéria na Comissão de Segurança Pública do Senado, há uma emenda para que a norma, se aprovada, seja denominada como “Lei PM Sargento Dias”.

Flávio também acatou ainda uma emenda do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), que resguarda a possibilidade de os detentos do semiaberto frequentarem cursos supletivos profissionalizantes, ensino médio ou ensino superior. Essa possibilidade seria extinta pelo texto aprovado na Câmara e, com a intervenção de Moro, mantém-se como garantia da Lei de Execução Penal.

Sérgio Moro apresentou emenda ao projeto, que foi acatada por Flávio Bolsonaro Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Apesar de ter passado dez anos em apreciação da Câmara, a norma teve tramitação rápida desde o caso do sargento Dias. O texto deveria ter sido submetido ao crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No entanto, logo depois do aval na Comissão de Segurança, foi aprovado um requerimento de urgência que pautou a matéria diretamente no plenário da Casa.

Segundo Bottini, além de extinguir o direito dos presos à saída temporária, caso o projeto seja aprovado ele também dificultará a progressão de regime, o que, segundo ele, atrapalha a “progressiva readaptação do condenado ao convívio social”. Especialistas ouvidos pelo Estadão, elencaram três argumentos favoráveis e três contrários ao fim do benefício.

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