Embora tenha ficado conhecida por pichar a frase “Perdeu, mané” usando batom na estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, Débora Rodrigues dos Santos pode ser condenada por cinco crimes referentes ao episódio.
No banco dos réus do Supremo Tribunal Federal (STF), a cabeleireira de 39 anos é acusada de ter praticado: associação criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Até agora, o relator do caso, Alexandre de Moraes, apresentou seu voto para condenar a ré pelos cinco crimes, com pena somada de 14 anos de prisão em regime inicial fechado. O ministro Flávio Dino acompanhou o voto do relator, mas o julgamento foi suspenso nesta segunda-feira, 24, após o ministro Luiz Fux pedir vista, ou seja, mais tempo para análise.

A denúncia foi oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) à Corte em julho do ano passado, apontando a comprovação da materialidade e da autoria dos crimes, com base em provas como reconhecimento facial e depoimentos, pedindo a condenação da ré.
A defesa de Débora pediu sua absolvição por incompetência do STF, inépcia da denúncia, falta de justa causa e provas insuficientes, ou subsidiariamente, o direito de recorrer em liberdade.
O que o relatório aponta sobre cada crime?
- Associação criminosa armada: A denúncia diz que Débora, de “maneira livre, consciente e voluntária” se associou a centenas de outras pessoas, algumas armadas, “praticando atos que se voltavam contra a higidez do sistema eleitoral”. Segundo a peça acusatória, isso ocorreu pelo menos a partir do início do processo eleitoral de 2022, até o dia 8 de janeiro de 2023, por meio de mensagens eletrônicas e encontros em acampamentos em frente aos quartéis. Pena aplicada pelo relator: um ano e seis meses de reclusão.
- Tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito: Segundo a denúncia, Débora, junto a milhares de outras pessoas, “tentou, com emprego de violência e grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo e restringindo o exercício dos Poderes Constitucionais” na tarde daquele domingo, na invasão dos prédios dos Três Poderes, em Brasília. Pena aplicada pelo relator: quatro anos e seis meses de reclusão.
- Tentativa de golpe de Estado: A denúncia também diz que, no mesmo dia, e em associação com centenas de pessoas, ela tentou “depor, por meio de violência e grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Pena aplicada pelo relator: cinco anos de reclusão.
- Destruição e deterioração de patrimônio da União: Débora é acusada de destruir e concorrer “para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, ao avançar contra as sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, fazendo-o com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para a União”. Pena aplicada pelo relator: um ano e seis meses de detenção e 50 dias-multa, fixando cada dia multa em 1/3 do salário mínimo.
- Deterioração de patrimônio tombado: Por esse crime, a justificativa da acusação é a mesma citada acima. Pena aplicada pelo relator: um ano e seis meses de reclusão e 50 dias-multa, fixando cada dia multa em 1/3 do salário mínimo.
O voto de Moraes menciona também que a Polícia Federal identificou indícios de que Débora apagou dados do celular referentes ao período das manifestações antidemocráticas e dos atos de 8 de janeiro de 2023.
A análise mostrou uma interrupção nos diálogos do WhatsApp entre dezembro de 2022 e a primeira quinzena de fevereiro de 2023, fato interpretado pela PF como uma tentativa de apagar provas do envolvimento dela nos atos.
O relator argumenta que, quando um investigado, ciente do contexto, apaga registros do seu telefone, “é razoável presumir que a motivação não foi meramente casual”, pois a exclusão de dados ocorre geralmente de forma rotineira e não abrupta e pontual.

Moraes ainda cita que “a ré estava indiscutivelmente alinhada à dinâmica criminosa, como se infere do vídeo divulgado por sites jornalísticos, no qual a acusada vandaliza a escultura e, após, mostrando as mãos conspurcadas de batom vermelho, comemora, sorrindo em direção à multidão que invadira a Praça dos Três Poderes e outros prédios públicos”.
A PGR também apontou que Débora participou do acampamento golpista em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, em 2022.
Até agora, mais de 1,4 mil pessoas foram presas pelos atos de depredação. O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncias contra 1,7 mil envolvidos e mais de 430 pessoas já foram condenadas. Mais de 500 outras, denunciadas por crimes considerados menos graves, assinaram acordo de não persecução penal como MPF.
Relembre o caso
Débora foi presa pela Polícia Federal (PF) em 17 de março de 2023, na 8ª fase da Operação Lesa Pátria, que mirava envolvidos nos ataques. A operação investigou os radicais e os financiadores dos atos de vandalismo e chegou até a 29ª fase, em agosto de 2024.
A cabeleireira moradora de Paulínia, em São Paulo, está presa na Penitenciária Feminina de Rio Claro, também no interior paulista. Débora tem dois filhos, de 7 e 10 anos.
Em depoimento, ela confirmou que vandalizou a escultura com batom vermelho. Na audiência de instrução do processo, a mulher leu uma carta destinada a Moraes, pedindo desculpas por sua atitude.
Débora afirmou que desconhecia, à época, a importância da escultura e que outra pessoa começou a escrever na obra, mas pediu que ela continuasse porque sua letra era mais bonita.
Segundo a acusação, Débora foi identificada pela Polícia Judiciária como a responsável pelo vandalismo da estátua. “O monumento, de autoria do escultor mineiro Alfredo Ceschiatti e avaliado entre dois e três milhões de reais, foi vandalizado com a ‘frase perdeu, mané’, em material de coloração vermelha.”
A frase escrita por Débora na estátua faz referência à resposta do ministro do STF Luís Roberto Barroso a bolsonaristas que o hostilizaram durante viagem aos Estados Unidos.
PL da Anistia
Débora tem sido usada como “símbolo” por bolsonaristas para fundamentar a narrativa de que os prédios públicos foram depredados por “velhinhos” e “mães de família”, todos desarmados.
Na última sexta-feira, 21, início do julgamento, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atribuiu ao Congresso Nacional a responsabilidade de “salvar” Débora de uma condenação criminal por meio da aprovação de anistia. O fato dela ser mãe de duas crianças também é usado pelos bolsonaristas para tentar afastar a responsabilização pelos crimes.
O projeto de lei, que pode beneficiar o ex-presidente, acusado pela PGR de tramar a tentativa golpista que culminou nos ataques, busca perdoar os crimes cometidos no 8 de Janeiro. Segundo o Placar da Anistia do Estadão, pelo menos um terço (182) dos 513 parlamentares da Câmara aprova o perdão político aos golpistas.