A Polícia Federal (PF) cumpre nesta quinta-feira, 8, mandados de busca e apreensão por suspeitas de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Entre os presos na Operação Tempus Veritatis, estão Filipe Martins e Marcelo Câmara, ex-assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dois já haviam sido alvos de pedido de indiciamento pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro.
Filipe Garcia Martins foi citado na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, por ter entregado ao ex-presidente uma proposta de decreto de lei que, se baixado por Bolsonaro, permitiria a instalação de um estado de sítio, com permissão para prender opositores e suspender o resultado da eleição de 2022.
Martins veio da militância virtual do bolsonarismo, integrou o gabinete do ex-presidente como assessor especial e foi o pivô de uma polêmica por um gesto atribuído a supremacistas. Também era considerado um dos mentores intelectuais do chamado “gabinete do ódio”, grupo que usava as redes sociais para difundir desinformações sobre adversários do ex-presidente.
Já o coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, teve pedido de indiciamento pela CPMI por ter intermediado um encontro de Walter Delgatti, o hacker da Vaza Jato, com autoridades do Ministério da Defesa. Havia um núcleo ligado ao ex-presidente que pedia ao hacker que invadisse o sistema das urnas para descredibilizar o resultado eleitoral. O relatório final da CPMI diz que Câmara “era conhecedor e participante das tratativas”.
Além disso, Câmara está no alvo de outras três investigações em curso contra Jair Bolsonaro. Ele teria participado das tentativas de vendas de joias do acervo oficial da Presidência, esquema revelado pelo Estadão. Também foi tido como suspeito pela PF na adulteração do cartão de vacina do ex-presidente e é citado como um dos assessores envolvidos no caso da “Abin paralela”.
Quem é Filipe Martins
Em delação à PF em setembro do ano passado, Mauro Cid afirmou que Filipe Martins entregou nas mãos do ex-presidente Bolsonaro uma minuta de golpe de Estado. Segundo o depoimento, tratava-se de um rascunho de um decreto que permitiria ao então presidente prender adversários e convocar novas eleições.
Em posse da minuta, diz Cid, o ex-presidente teria levado a proposta à alta cúpula das Forças Armadas, mas o plano não foi adiante pois os comandantes militares não aderiram à proposta.
Militante virtual e olavista
Filipe Martins emergiu da militância virtual do bolsonarismo. Ao Estadão, em 2019, ele contou que conheceu Eduardo Bolsonaro (PL-SP), hoje deputado federal e filho do ex-presidente, pela internet, em 2014. Logo foi apadrinhado e, do ativismo nas redes sociais, foi nomeado assessor especial de Assuntos Internacionais de Jair Bolsonaro, depois da eleição do ex-presidente, em 2018.
No governo, foi assessor do ex-chanceler Ernesto Araújo e integrou a chamada “ala ideológica” da gestão. Martins se diz entusiasta de Olavo de Carvalho, mentor intelectual do bolsonarismo. “Jamais serei capaz de descrever o impacto que a obra, a vida e a imensa generosidade do professor (Olavo) tiveram em mim”, disse Martins nas redes sociais no dia em que o filósofo faleceu.
Investigado por ato supremacista
Além de consultor de política internacional de Bolsonaro, o ex-assessor foi pivô de uma crise no governo por ter supostamente emitido um sinal supremacista, flagrado por uma transmissão ao vivo da TV Senado.
Durante uma audiência do Senado em março de 2021, Martins ajeitou o paletó juntando as pontas do indicador e do polegar, como se emitisse um sinal de “ok”, estendendo os três dedos restantes e movimentando a mão para cima e para baixo. O gesto é usado por extremistas e associado a símbolos de ódio.
O episódio rendeu a Martins um processo criminal por racismo. O Ministério Público Federal (MPF) pediu a condenação do assessor e disse que o sinal buscou reproduzir um acrônimo formado pelas letras “W” e “P”, aludindo à expressão racista White Power (”Poder Branco”, em inglês).
Martins foi absolvido na primeira instância, e o MPF recorreu. Em novembro de 2023, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou a absolvição e o ex-assessor voltou a ser investigado por suposta apologia ao movimento supremacista.
Martins não atualiza suas redes sociais desde 2022. Ele deixou o Brasil em dezembro daquele ano, com o fim da gestão Bolsonaro.
Quem é Marcelo Câmara
Marcelo Costa Câmara serviu na gráfica do Exército e no gabinete do então comandante da Força, Enzo Peri. Passou a trabalhar no gabinete da Presidência em fevereiro de 2019 e integrou a equipe de ajudância de ordens de Jair Bolsonaro, tal como Mauro Cid. Ambos são investigados no caso das joias, relevado em uma série de reportagens exclusivas do Estadão.
A duas semanas do fim do mandato, Bolsonaro fez uma procuração em cartório em que reconhecia a Marcelo Câmara a competência de cuidar do acervo de presentes que ganhou durante os quatro anos de gestão. A investigação suspeita que esse despacho tenha sido assinado por Bolsonaro já na tentativa de se eximir das complicações decorrentes de se apropriar indevidamente de objetos de valor da Presidência.
O coronel Câmara foi citado pela PF como pessoa de interesse no inquérito que apura os indícios de adulteração no cartão de vacina de Jair Bolsonaro. Em 22 de dezembro de 2022, o e-mail de Marcelo foi vinculado ao perfil do ex-presidente no aplicativo ConectSUS. Nessa data, o militar já havia sido indicado como um dos assessores de Jair Bolsonaro que permanecem com ele mesmo após o término do mandato presidencial.
Câmara também pode estar envolvido no caso da “Abin paralela”. Sabe-se que o assessor era um dos responsáveis por receber pedidos de informação de Jair Bolsonaro e encaminhá-los às respectivas áreas técnicas. Muitas solicitações chegavam à Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Desde outubro de 2023, a PF tem investigado a instalação de um sistema clandestino de informações, instalado com o aparato da Abin.
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