BRASÍLIA – Assessora no gabinete da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), Rosimary Cardoso Cordeiro, que por dez anos emprestou um cartão de crédito para a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, disse ao Estadão que não vê “nada de errado” nisso e que o fez porque, à época, Michelle “não tinha limite”, “ganhava pouco” e “precisava ajudar a família”. Nesse período, contudo, Michelle já estava casada com o então deputado Jair Bolsonaro havia quatro anos.
Rosi, como é conhecida, ganhava em 2011, quando colocou Michelle como sua dependente no cartão de crédito, salário de R$ 2.403,31. Enquanto isso, Bolsonaro recebia como deputado federal R$ 26,7 mil, além do soldo de capitão reformado. O marido de Michelle, portanto, ganhava como parlamentar dez vezes mais do que a amiga que lhe emprestou o cartão. A ex-primeira-dama não exercia atividade remunerada nesse período, segundo pessoas próximas. Na semana passada, a defesa de Bolsonaro disse que “ele é pão duro”, para justificar o fato de ela ter recorrido a uma amiga.
A Polícia Federal investiga se os gastos de Michelle com o cartão de Rosi eram pagos com dinheiro público durante o governo Bolsonaro. A desconfiança veio depois da descoberta de que o ajudante de ordens do ex-presidente, tenente coronel Mauro Cid, pagava a fatura desse cartão com dinheiro vivo. Homem de confiança de Bolsonaro, Cid está preso sob suspeita de falsificar o cartão de vacinação do agora ex-presidente e teve seu celular apreendido. Entre as mensagens que ele trocava, algumas tratavam do pagamento dessas contas de Michelle, o que ensejou o inquérito.
No mesmo ano em que pegou o cartão da amiga emprestado, Michelle passou a receber em sua conta depósitos em cheques feitos por Fabrício Queiroz. Na época, ele era assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Até 2016, a conta da mulher de Bolsonaro recebeu 27 depósitos de Queiroz, num total de R$ 89 mil. Queiroz é suspeito de participar de um esquema de desvio de dinheiro público para beneficiar a família Bolsonaro. Bolsonaro alegou que os cheques eram para ele por pagamento de empréstimos que fez a Queiroz. Ele nunca explicou porque não recebeu os valores na sua própria conta.
Contracheque
A amiga de Michelle trabalha no Congresso desde 2001. Até 2019, o salário dela variou entre R$ 2 mil e R$ 6 mil. O valor só mudou significativamente no ano em que Bolsonaro tomou posse como presidente da República. Na ocasião, o então senador Roberto Rocha (MDB-MA), com quem ela trabalhava desde 2015, reajustou o vencimento de Rosi de R$ 6,4 mil para R$ 17 mil. Procurado nesta segunda-feira, 22, o ex-senador disse que não poderia explicar hoje porque triplicou o salário da funcionária. Justificou que está em viagem ao exterior.
Com a derrota de Bolsonaro, Rosi mudou de emprego e teve o salário reduzido significativamente. Ela foi contratada em fevereiro pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), uma das amigas mais próximas de Michelle Bolsonaro. No gabinete da ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o vencimento de Rosi é de R$ 7.152. Ela ocupa a função de assistente parlamentar e atua como recepcionista no gabinete.
Rosi conheceu Michelle quando a ex-primeira-dama também trabalhava no Congresso. Michelle ocupou cargos em gabinetes de 2004 a 2008. As duas foram assistente do deputado Vanderlei Assis (2004-2006). Michelle ainda trabalhou para Marco Aurélio Ubiali (2006-2007), para a liderança do PP (2007) – então partido de Bolsonaro – e, ainda, no próprio gabinete do então deputado e hoje ex-presidente (2007-2008). Ela foi exonerada após o Supremo Tribunal Federal (STF) entender que a Constituição de 1988 proibia o nepotismo na administração pública.
“Eu não fiz nada de errado”
Na última quarta-feira, o Estadão conversou com Rosi no Senado. A seguir, os principais trechos da conversa:
Por que a senhora emprestou o cartão?
Porque eu quis. Qual o problema? Normal. Eu não fiz nada de errado, não tem nada fora da lei, nada de ilícito. Ofereci o cartão quando ela nem imaginava conhecer ele (Bolsonaro). Foi muitos anos atrás. Temos muitos anos de amizade. E não tem nada de ilícito nisso. É uma amiga que eu tenho há 17 anos, então é natural isso acontecer. Ela sempre pagou certinho, nunca me deu problema.
Foi a Michelle que pediu emprestado?
Não, eu que ofereci.
E por que a senhora ofereceu?
Porque eu quis. Ela não tinha um limite suficiente na época, ganhava pouco e ela precisava ajudar a família dela. E eu ofereci.
A senhora não vê alguma suspeita do assessor do presidente ter sacado e pagado o cartão? Não pode ter uma confusão de gastos aí?
Não porque ela (Michelle) não pagava com o cartão corporativo. Ela pagava com o cartão pessoal dela, com o dinheiro da conta dela. Não tem nada de cartão corporativo. Aí é que está o erro de vocês (imprensa). É vocês julgarem, acusarem, falarem de algo que vocês não têm prova. Até porque o cartão é meu. Vem a fatura. O meu nome como titular e o nome dela como minha dependente.
Como funcionava o pagamento?
Eu recebia a fatura, passava para ela, para ela conferir as compras dela. Tenho todas as faturas aqui. Compras de farmácia, compra de lanches. Valores bem insignificantes. Para você ter uma ideia, a última fatura dela foi de R$ 341. Eu passava para ela, para ela conferir as compras dela, ela depositava para mim o valor X. A última fatura deu R$ 341,52. Ela me transferia R$ 341,52. Ou seja, nenhum centavo a mais. Tem o extrato, tem a fatura, a gente pode comprovar tudo. E aí a mídia causa uma revolução. Quantas pessoas já pediram cartão emprestado de outras pessoas? Coisa mais normal. Cartão é meu, eu dou para quem eu quiser. Eu dei para ela porque eu quis. Há muitos anos. Tudo normal, dentro da lei.
Quando a senhora deu o cartão para ela?
Em novembro de 2011.
A Michelle já tinha trabalhado na Câmara, então?
Eu conheci ela na Câmara. Ela entrou para trabalhar com o deputado Vanderlei. Entrou na metade do mandato. Foi quando eu a conheci. Ali ficou uma amizade, digamos, amor à primeira vista. Porque a gente se identificou como amigas. Na época, ela, mãe solteira da Letícia, eu, mãe solteira do Victor Hugo. E aí a gente trabalhava a semana toda e no final de semana às vezes eu ia para a casa dela, às vezes ela ia na minha casa. Anos depois ela conheceu o presidente, que na época era deputado. Foi quando o nosso deputado (Vanderlei) não se reelegeu, e aí ela foi para o outro gabinete, eu fiquei em outro, mas a nossa amizade continuou e continua até hoje. Firme e forte.
A Michelle chegou a indicar a senhora para o cargo no gabinete de Damares Alves?
Em nenhum momento. Até porque se ela tivesse me indicado, eu iria lá para o Palácio (da Alvorada, residência oficial). Poderia estar trabalhando com ela lá. Mas não, a gente sempre separou amizade de profissionalismo. Cada um vive no seu mundo. A gente nunca misturou. E mesmo ela se tornando primeira-dama, ela com todas as condições continuou usando o meu cartão. Por quê? Porque ela é uma pessoa simples. Até porque as últimas parcelas eram tão poucas.
Ela não poderia fazer um cartão para ela?
Dava. Ela fez.
E por que continuou usando o da senhora?
Ela continuou usando o meu (cartão). Quando foi em 2021, ela ligou para mim, a gente conversou: ‘Chuchuzinha, não quero mais te dar trabalho. O banco me ofereceu agora uma linha de crédito, agora eu posso ter o meu cartão. Não quero mais te incomodar, não quero mais te dar trabalho. Agora eu vou ter o meu próprio cartão. Quero te agradecer por esses anos todos de confiança’.
Eu cuidava das questões do irmãozinho dela, que é especial. Eu fazia o plano de saúde dele. Eu que cuidava do seguro do carro do padrasto dele, porque o irmão dela tinha ‘N’ convulsões, porque quem cuidava da saúde do irmão dela, dessa questão do assessoramento, era eu. Então, mesmo como primeira-dama, eu sempre estive presente ajudando.
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