Quem é o ex-procurador de José Dirceu que opera em Brasília um banco com lastro bilionário falso?

Dirigente do PT em Brasília, Fernando Neto se apresenta como CEO do Atualbank, uma empresa não registrada pelo Banco Central e que usa um documento falso para alegar possuir capital social de R$ 8,5 bilhões

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Foto do author Vinícius Valfré

BRASÍLIA – O empresário Fernando Nascimento Silva Neto, 40, é um conhecido militante do PT em Brasília. Filiado ao partido desde 2004, ocupou cargos de indicação política e foi procurador do ex-ministro José Dirceu (PT) por cinco anos, até o fim do ano passado. Recentemente, passou a percorrer a cidade, o governo e o Congresso se apresentando como dono de um banco.

Como revelou o Estadão, ele é, no papel, dono e CEO do Atualbank, uma empresa que não é registrada como banco pelo Banco Central e que usa um documento falso do Tesouro Nacional para simular um capital social de R$ 8,5 bilhões. A criação da firma envolve “laranjas” e um condenado por estelionato suspeito de ser o dono oculto do negócio.

O ex-ministro José Dirceu e o empresário Fernando Neto, ex-procurador dele Foto: Fernando Neto via Facebook

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O Atualbank é investigado pela Polícia Civil de São Paulo por crimes como estelionato e lavagem de dinheiro. Desde julho, os investigadores tentam colher o depoimento do petista para o inquérito que apura suposta fraude de R$ 1,3 milhão contra uma empresa paulista. Ele também é processado com acusações de calotes em aluguéis e outros negócios.

O lastro do capital social do Atualbank é uma letra de crédito do Tesouro Nacional supostamente emitida nos anos 1970. Esse título, entretanto, é falso, não existe. O Tesouro informou que usar esse tipo de documento é caso para a Polícia Federal.

Documento do Atualbank, de 2021, registra mudança de capital social com letra do Tesouro Nacional supostamente avaliada em R$ 8,5 bilhões; o lastro é falso, segundo o Tesouro Foto: Reprodução/Estadão

Após a publicação da reportagem, Fernando Neto retirou fotos e postagens de suas redes sociais. Ele apagou registros de encontros com políticos governistas e da oposição. A publicação mais recente dele e que também saiu do ar, por exemplo, era a de uma confraternização da qual participou o deputado André Janones (Avante-MG), que não foi localizado para comentar a relação.

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Fernando Neto costumava publicar encontros com personalidades e políticos de partidos variados Foto: @fernandonsneto via Instagram

Em 2011, Fernando Neto participou do governo de Agnelo Queiroz (PT), no Distrito Federal, como Secretário de Juventude. Um ano depois, envolveu-se em uma polêmica ao usar o Twitter, enquanto membro do primeiro escalão do governo distrital, para informar pontos de blitz de trânsito nas avenidas de Brasília.

Ele sempre orbitou na direção distrital do PT e em cargos de indicação política da administração pública. Aproximou-se de José Dirceu e virou uma espécie de “faz-tudo” para o ex-ministro. A relação de confiança rendeu, em 2018, uma procuração por meio da qual Dirceu lhe conferia amplos poderes.

O documento foi assinado na véspera do dia em que José Dirceu se entregou à Polícia Federal para cumprir pena na Lava Jato e permitia que Fernando Neto representasse o ex-ministro “em quaisquer repartições públicas federais, estaduais e municipais, inclusive no Ministério da Justiça, na Câmara e no Senado”, podendo nelas “requerer, alegar e assinar o que necessário for”.

A procuração foi revogada em setembro de 2023. Fernando Neto não esclareceu o que levou ao rompimento. Disse apenas não ter relação com o ex-ministro. José Dirceu, por sua vez, destacou que o empresário não lhe representa.

“Após tomar conhecimento de indícios de que Neto estaria falando em seu nome, o ex-ministro deixou de ter relações com ele”, disse, por meio da assessoria de imprensa.

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Desde dezembro de 2023, Fernando Neto é dirigente do PT de Brasília. Ele se apresenta como “dirigente do PT”, sem especificar o âmbito municipal do diretório. Também se diz advogado, mas não é.

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Entre 2014 e 2018, foi suplente na direção da sigla no Distrito Federal. Nessa época, passou a ocupar cargos comissionados no Legislativo federal. Em 2017, ganhou posto de assessor da liderança da minoria do Congresso. Em 2020, foi nomeado no gabinete do deputado Paulo Guedes (PT-MG), onde permaneceu até janeiro de 2023.

Enquanto trabalhava no Congresso, passou a dividir sua atenção com o Atualbank. Ele conta publicamente que, em 2018, foi chamado para trabalhar na “montagem” da empresa. E, desde então, manteve contato com os responsáveis por ela, sempre negando convites para assumir o comando do “grupo financeiro”.

Enquanto nomeado no Congresso, Fernando Neto passou a se dedicar a outros negócios. Ele conduzia um escritório comercial no Lago Sul, área nobre de Brasília, com serviços de contabilidade e de advocacia. Ele não é advogado nem contador. O endereço virou ponto de peregrinação de políticos e empresários.

Em 2019, o empresário se envolveu no processo de eleição interna do PT. Como militante da chapa Na Luta, Ruas e Redes #LulaLivre, percorreu o País fazendo debates políticos e defendendo o projeto petista.

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Fernando Neto em vídeo de campanha para o processo eleitoral interno do PT nacional, em 2019 Foto: Chapa Na Luta via Facebook

Principal integrante dessa chapa, Lourival Casula permaneceu na executiva nacional do PT até ser eleito, em 2020, vice-prefeito de Itaboraí, no Rio de Janeiro, na chapa do prefeito Marcelo Delaroli, do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Conheci o Fernando Neto na formação dessa chapa, ele era do pessoal da juventude. Nunca mais estive com ele. Não tenho relação e não conheço, só de vista. Só nos falamos durante a chapa, por uns quatro ou cinco meses”, disse.

O empresário Fernando Neto, ex-procurador do ex-ministro José Dirceu e CEO do Atualbank, investigado pela polícia de São Paulo Foto: @fernandonsneto via Instagram

Casula é muito próximo do deputado federal Washington Quaquá (PT-RJ). “Fui uma ou duas vezes numa casa dele (Fernando), nessas festas que se faz em Brasília para beber vinho e whisky. Vi umas quatro vezes, não conheço bem para avalizar. Já faz um tempo, eu não era deputado”, disse o parlamentar.

Em alta no PT e com uma procuração de José Dirceu, Fernando Neto se aproximou da Embaixada da Venezuela. Atuou como “facilitador” da representação diplomática durante uma crise em 2019 e, no ano seguinte, foi convidado pelo governo de Nicolás Maduro para acompanhar as eleições venezuelanas de 2020 como observador.

Fernando Neto discute com o representante do Itamaraty durante crise na embaixada da Venezuela, em Brasília, em 2019; é observado pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS), de costas, no primeiro plano, com manga da camisa dobrada Foto: Canal Jornalistas Livres via YouTube

No fim de 2023, Fernando Neto começou a se anunciar publicamente como líder do Atualbank. Em março de 2024, passou oficialmente a figurar na papelada oficial como único dono da empresa. Dois meses depois, já conseguiu apresentar seus projetos no Ministério de Portos e Aeroportos, em reunião não registrada na agenda oficial.

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O ex-dono do Atualbank é um eletricista do Rio de Janeiro que disse ao Estadão não conhecer Fernando Neto e que teve o nome usado em troca de pagamentos que não ocorreram.

O eletricista Cristiano Cordeiro Velasco, do Rio de Janeiro, era, no papel, dono do Atualbank antes de a empresa ser transmitida a Fernando Neto; Velasco confirmou que emprestou o nome Foto: Arquivo pessoal via WhatsApp

Antes do eletricista Cristiano Velasco, o dono do Atualbank, no papel, era o empresário Marcelo Demichele. Em depoimento à polícia, ele afirmou ter vendido a empresa para Walter Dias Magalhães Junior, que lhe dava ordens sobre como operar e fazer negócios com a empresa.

Walter Junior é condenado em primeiro grau por estelionato no Mato Grosso e alvo de outra investigação em andamento no Ministério Público estadual. Demichele afirmou à polícia que Walter e Fernando Neto frequentavam o escritório da empresa em São Paulo.

Procurado pelo Estadão, Fernando não esclareceu sua relação com Walter Junior e não apresentou os balanços da empresa que foram solicitados. Também não detalhou os motivos que teriam levado ao rompimento com José Dirceu. O empresário minimizou o uso da letra de crédito falsa no contrato social do Atualbank alegando se tratar de um documento sem relevância.

A defesa de Walter Dias Magalhães Junior informou que a condenação por estelionato ainda não transitou em julgado e que acredita na “absolvição integral”. Sobre a relação dele com o Atualbank, alegou que ele “gerenciou a empresa apenas por um lapso temporal”, mas não é o dono oculto.

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Procurado, o presidente do PT de Brasília, José Wilson da Silva, não respondeu se haverá alguma discussão sobre a permanência de Fernando na direção do partido na capital federal.

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